SONETO AO HOMEM QUE PASSA
O homem que conta os passos, de expressão sisuda,
arremessa a moeda de troco na caixa,
à mão aberta a dizer uma palavra muda,
e prossegue co'a face dura e cabisbaixa...
No olhar fundo, o passado todo se desnuda,
pois há barba a fazer... face que não relaxa...
mão no bolso da calça que pouco se cuida...
foi-se a esperança... em olhos crus, alma não se acha...
Vêem-se claramente, no gasto sapato,
os vestígios de andanças... pegadas de outrora...
a mão de enxada esquece a força, não o trato...
Seus pés hão de levá-lo novamente embora...
quando, ao chegar em casa, desdobra um retrato,
o homem tão carrancudo é menino que chora...
6 de janeiro de 2003
(MACHADO, Wanderson. Trôpegos passos. Brasília: ed. do autor, 2004. ISBN 85-98603-05-8)