QUARTO DO POETA - I, II e III

I

Atmosfera -- na escura luz nos chama

A tela que destoa do sombrio;

A parede que é branca numa trama

De móveis velhos, novos, em perfil

De pequeno escritório, a todos clama

Pensar, por que um tal poeta, em mim, com brio,

Poesia do viver mui só declama

De uma maneira própria: em desvario?

O silêncio, constante neste ambiente,

Deflagra a solidão deste escritor

No seu refúgio duplo e muito ausente.

O poema nasce só, causa mor: dor

A queimar: sem parar, interiormente

Como prova da ausência do seu amor.

II

Atmosfera -- nublado segue o dia,

Não revela na tarde o sol e o quente;

A tela com mais luz que a cercania

Chama de novo o poeta, em mim, n’ausente.

Os móveis marrons, beges, que esquecia

Enquanto a noite havia ocultamente

Duplicado visões de nostalgia

Continuam dispostos: sombriamente.

O poema, coincidente com cenário,

Não o tergiversa para a ilusão

De que a vida quer ser o contrário.

E o sol distante luz, dá a razão:

Espaço; que a quimera, em solitário

Poeta, não queima não, é solidão.

III

Atmosfera -- o sol fraco felizmente

Avança pelo vidro e invade a tela.

A claridade luz continuamente

E agora mescla o quente e o que lhe gela.

O poema rememora inconsequente

Quimera, abandonada por ser bela

Demais para ser sonho tão somente,

E levar-se ao sol deixa, da janela

Posicionada sobre suas costas.

A poesia acontece noutro ambiente

Com ventos, flores, pássaros e encostas.

O mar bate agitado em rocha dormente,

Acorda sonolento corpo, e respostas

Ao duplo ser, retiram-no do ausente.

(Alexandre Tambelli, para Carla, São Paulo, 20 de março, 2004 - 15:23h).