RESIGNAÇÃO

- SÉRIE DO SER E DO NÃO SER.

Para a amiga que passou como um relâmpago. Aliás, com o brilho do relâmpago. Não se diz que o que é bom dura pouco? É isso aí o relâmpago, é isso aí!

Produzidos entre 1 e 13 de outubro de 2001, rearrumados com modificações entre 9 e 12 de janeiro de 2002.

I - RESIGNAÇÃO

Foi curta a experiência; muito cedo

a decepção. Tristeza, desencanto.

De parte a parte a dúvida e o medo,

desconfiança derramada em pranto.

Não falta amor nem fé. Sobram, no entanto,

mútuo pudor e a imagem de um segredo

que ensombrasse a razão, põe a recanto

o sonho, a aspiração, o entrecho, o enredo...

Como acontece? Foge o entendimento.

Busco as razões, não acho. E penso, invento,

não chego a conclusão arrazoada.

Duas pessoas sãs, inteligentes,

separam-se chorando, descontentes

e buscam solitárias, nova estrada...

II - RETA FINAL

Do caminho que sigo na jornada,

já não é longo o espaço, e, peregrino

e andarilho da vida, olho o destino

na esquina próxima descortinada...

- Hei de chegar ao fim da caminhada

só e sem pressa, humilde e pequenino.

Se o fim é o Campanário e a voz do sino,

o pó do cemitério. O pó, mais nada...

Não quero, não desejo a caridade

das lágrimas e o dó, a piedade,

nem a contemplação feita indulgência.

Basta-me a imagem da felicidade

do passageiro amor, basta a saudade

a iluminar-me a fé, dar resistência.

III - TEIMOSIA

Hei de agüentar o tombo e a penitência?

- ela pergunta. Que pergunta é essa?

Por que as malas prontas e essa pressa

de à noite despedir-se com urgência?

De joelhos imploro-lhe clemência,

dizendo que não vá assim depressa,

que a noite é negra e a madrugada avessa

às plausíveis razões da consciência.

Ela reflete um instante mansamente,

e embora contrafeita, descontente,

cede à força do rogo e tem clemência.

Por uns dias a paz, amor, afeto...

ambos queremos ter seguro o teto.

Mas falta-nos renúncia e persistência.

I V - O NIRVANA DO AMOR

Ambos buscamos forças, resistência,

reagindo aos impulsos do momento,

ao nosso ríspido temperamento,

e tentamos conter a impertinência.

A mente se renova. O entendimento

sobrepõe-se aos arroubos e à violência.

O coração em festa de existência,

canta a glória do amor muito a contento.

Vem em seguida a cama e nos eleva

à luz universal de Adão e Eva,

ao deleite, ao Nirvana, à madrugada...

Agora o sono cai, manso e tranqüilo,

eu, sonhando e gemendo ao meu estilo,

ela sorrindo, mansa e extasiada...

V –0 RETORNO

Curvos à realidade consumada,

entendemos o amor pouso e guarida.

A mão em minha mão, desvanecida,

ela vem arrulhar e não diz nada...

Olho no olho olhando-nos, é dada

a ela a inspiração de Deus e a vida

no soneto andaluz de alma fluída,

no canto sonolento de Granada...

E ela vai dedilhando na guitarra

a alma de pomba e o vôo desamarra

para volver a Espanha o coração.

Atento à dúvida que a ensombra e fere

a alma convulsionada em intempérie,

eu lhe entendo e respeito a opinião...

V I - VIDA A DOIS

Olhando seu passado tão sofrido,

é como se escutasse o coração

a pulsar e gemer ao meu ouvido

pedindo fé e amor, compreensão.

Dá-me, Senhor, a força de Sanção

paciência de Jó, e eu, reprimido

em meu temperamento de explosão

cale ao reclamo de seu ar doído...

Será preciso que a suporte e entenda,

que me suporte ela e sem prebenda,

partilhemos a vida em comunhão.

Sem suportar-se o impulso mutuamente,

não se convive a dois bem e contente,

não se reparte o sonho e a ilusão.

VII - DÚVIDAS

Era tão grande minha pretensão!...

Eu temia que ela recusasse

meu sonho, meu amor e minha mão,

ou ao longo do caminho me deixasse.

Mas, a princípio, como me falasse

dos mistérios de sua devoção,

eu entendi, de mim, que ela me amasse

e me acolhesse o amor no coração.

Com que felicidade ouvi-lhe o sim,

e a vi depois, sorrindo vir a mim,

dizendo me querer a bom contento...

Porque agora, a cisma, os incolores

e esse medo um do outro, esses temores,

o desespero face ao desalento?...

VIII - QUE SERÁ DE MIM

Roídos pela mágoa e o desalento,

os dois pensamos cada qual por si.

Ao cabo e ao fim, o que farei de ti?

- ela pergunta, firme, em pensamento.

A pomba arrulha, enquanto a juriti

sopra de leve seu gemido ao vento...

E eu, de boa fé e pouco atento

aos seus cuidados, nada percebi.

E fui levando o amor ao mais ameno,

ao mais simples querer e sem veneno,

sem sabre, sem punhal, sem rifle e bala.

Contemplo agora o que será de mim

quando ela for. Quem velará meu fim,

quem me conforta o espírito e regala?

IX - PRECE

Conforta-me na fé, reprime, cala

meus excessos Senhor; e não se abale

a minha alma ao temporal do vale,

eu nunca tema o matracar da gralha!

Senhor, me acolhe, me acarinha e embala

no berço de criança. E eu nunca fale

nem chore ou desespere, antes me cale

à ventania que ribomba e estala...

Consinta eu que o temporal lá fora

ruja, sacuda os ares, turve a aurora,

eu revestido de cambraia e opala!

Em paz, com humildade e tolerância

diante da acusação de toda instância,

eu seja manso e sem tremor na fala!

X - BUSCA

Quero a esperança que o meu sonho embala

e eleva a dor espiritualmente

ao canto de renúncia, e eleva a gente

ao consolo no fim, se o amor resvala.

Desejo e peço a fé que me consente

o ser feliz na dor que o peito rala,

acabrunha e deprime, e a voz me cala,

sufocado e sem ar, não dependente!

E eu busque, adiante, mais felicidade

do que a que me escapa na verdade

na fuga deste amor, que é meu alento...

Não me veja impassível, descontente,

temendo a indiferença, e, molemente,

condenado por vida ao sofrimento.

XI - A VITÓRIA

Olhava acabrunhado o seu estreasse

e gemia e chorava o seu momento...

Exposto à chuva e ao sol, só e ao relento,

foi grande o meu temor que isto se desse...

Em tempo refleti que a dor falece,

e a tristeza e o desânimo, se agüento

o tombo exposto ao temporal e ao vento,

se reajo sem que me enerve e apresse.

E assim pensando, assim foi dito e feito.

Eu recolhi-me, ponderado, ao leito,

a repensar a queixa e o sentimento.

Afinal me convenço firmemente,

de que acertei no ontem, no presente,

e não pequei por esmorecimento...

XII - POR QUE?

Se erro, sem saber, por meu tormento,

eu me pergunto em dúvida: - foi onde?

E a consciência olha-me e responde:

- procura fundo no teu eu, lá dentro!

Eu procuro e não acho, mais que o sonde,

o remorso que pune o mau intento.

E isso me tranqüiliza, põe-me isento

do erro imperdoável, que se esconde...

Por muito que investigue e que perquira

ao tempo e à vida, à minha terna lira,

não descubro a má fé que em mal resvala.

Aí, eu vou a outra pergunta urgente:

- Se não devo nem sou um delinqüente,

por que me autoacusar e entrar na vala?

XIII - APELO

Quarto, cozinha, gabinete, sala,

porque ela foge assim tão de repente?

Tem mágoas. E razão, tem, certamente,

de ao passado fugir medindo a escala.

Muitas vezes, na dúvida trescala

o perfume do ontem, descontente.

Aí se confunde, turva-se-lhe a mente

e no hoje se atormenta. A dor estala...

- Paciência meu amor. O que é que isto?

Porque essa fuga, pelo amor do Cristo?

Acalma os nervos e desfaz a mala!

- Sou nervosa João, ela responde.

Paciência peço eu, faz-me por onde

possa ser calma, baixa a voz, não fala!

XIV - ÚLTIMO MOMENTO

Se a dor ao coração fere e avassala

do nascimento ao último suspiro,

eu encho a ânfora, o baú e a mala,

à hora de recolher-me ao meu retiro...

E deixo escrito o último papiro

a quem quiser abrir a funda vala.

Este verá aí, que lhe confiro

o meu legado sem fulgor nem gala.

Se o sonho irisa a mente e o coração,

o poema compus por impulsão

e como forma de divertimento.

Basta o que disse ao logo do caminho

a que se entenda – a ânfora tem vinho...

Fica cheio o baú do meu invento!

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