O poeta e a poesia

 

Diz o poeta:
 
Me socorre, poesia, eu te peço!
Eu prometo arrancar-te as amarras,
nunca mais te enfiar minhas garras
nunca mais confinar-te em meus versos.
 
Vem me acode, poesia, eu preciso!
A palavra é a amiga mais certa,
cada frase consola e liberta
um silêncio que é vago e impreciso.
 
Me acolhe, poesia, eu te imploro!
Pois sem ti sou deserto e esquecido,
minha verve é babel sem sentido
destas partes de mim que ignoro.
 
Poesia, por Deus, me socorre!
Dentro, em mim, há um poeta que morre!
 
 
Responde a poesia:
 
Já não posso ajudar-te oh poeta!
Tu fizeste de mim tua escrava,
o grilhão posto em mim é palavra
presa em verso de rima secreta.
 
Tu tolheste o meu dom de ser livre,
me obrigaste a servir teus caprichos
e jogaste os meus restos no lixo
e o direito de errar nunca tive.
 
Mas meus erros, te digo, em verdade,
eram certos e tu não sabias
e tais versos que tu corrompias
eram sonhos de sã liberdade.
 
Me embotaste, oh tirano das artes!
Mutilada eu não posso ajudar-te.