LEVEZA DO SONETO

Coroa de sonetos em louvor ao soneto

(Publicada em coletânea da Academia Rio-grandense de Letras – 2000).

I - O DESPERTAR DA VIDA

Era o tempo em que eu vinha pelos prados,

na vida de sertão, simples e amena,

longe de imaginar trabalho e pena,

encontros, desencontros torturados...

Não começara o sonho e mal a antena

captava o albor do sol nos descampados...

Pureza adolescente, olhos voltados

para as macias asas da falena...

Não procurava brilhos, entendia

que era um tempo noite e o outro o dia,

o mundo por si só se acomodava.

Vem a escola e com ela, em seu reflexo,

a vida se abre ao mundo e, num amplexo,

cuido o soneto, como a rosa e a amada.

II - CUIDADOS

Cuido o soneto, como a rosa e a amada,

para que seja manso igual à fonte,

que nasce gota a gota e vem do monte

num murmúrio cantante de balada...

Trabalho-o sem ter pressa e hora marcada

para que atinja a perfeição e aponte

as luzes descendentes do horizonte,

quando sopram os deuses a alvorada...

Cantando como os pássaros à aurora,

tiro o soneto à mente, onde ele mora,

marcado de ilusões em pergaminho.

A leveza do sonho, tenho em mente,

e o trabalho do artista paciente,

leve, suave, com o maior carinho!...

III - A MÃO DA ETERNIDADE

Leve, suave, com o maior carinho,

a mão da eternidade me compassa

em tudo quanto pense e sinta e faça,

impondo-me a pureza e o alvor do linho...

Parece-me que Deus, sem burburinho,

sem excessos ou faltas, pela graça

que não mereço tanta, cuida, traça

meus caminhos de luz, faz-me adivinho...

Eu vejo o mundo e o tempo, olho o universo,

reproduzo-os somados no meu verso,

extrato-os no soneto de mansinho.

O azul do céu é meu, aí me equilibro

e como um ser divino canto e vibro

a vírgula, a palavra - e o som vizinho.

IV - A ALMA DO POETA

A vírgula, a palavra e o som, vizinho

ao lado, à frente, atrás - olho, perscruto,

para captá-los - num esforço bruto,

amoldo-os, amalgamo, corto, avinho...

Ao final do trabalho a que me alinho,

sinto-me pago do suor, se escuto

o soneto de amor feito em conduto

para a mulher e a rosa do caminho...

A alma do poeta à mostra e oculta,

fervilha, esconde-se, incrimina e indulta,

posta entre o bem e o mal, desencontrada...

É o canto fatigado e não concorde,

de quem insone vela a ouvir o acorde

da voz das musas à hora da alvorada.

V - O TORMENTO DO SÓ

Da voz das musas à hora da alvorada

e no correr do dia ou a noite inteira,

ouço o compasso ao longo da jornada,

qual se ouvisse cantar a feiticeira...

É uma canção de amor, uma balada

simples, dolente, terna, alvissareira,

que me consola a solidão passada

no tormento do só, sono e olheira...

Ou é, quem sabe, a evocação remota

de vultos do passado, a galeota

que andou os mares a partir do Minho...

A essa voz, que me inspira na conduta,

e no manso soneto canta e exulta,

dou-lhe, do amor, a tepidez do ninho...

VI - QUANDO EU DORMIR

Dou-lhe, do amor, a tepidez do ninho,

a fúlgida esperança, ar e calor,

todo o brilho dos astros, o fulgor

da inteligência lúcida, sozinho!

Não me arreceia o insulto. Se no ardor

da luta me arremessam ao cadinho,

sairá purificado em pergaminho

o soneto que escrevo com amor.

Feito compensação do meu esforço,

subirá às estrelas como em corso,

que se alinha ao destino na escalada.

Quando eu dormir, ao cabo da missão,

ao meu soneto os deuses marcarão

luzes do amanhecer, força de espada.

VII - LEGADO

Luzes do amanhecer, força de espada,

o barro do princípio e o fim do porto,

marcarão o compasso para o Horto,

ditarão o caminho na escalada.

Ao fim do curso, ao se fechar a estrada

resta o nome legado, por conforto,

aos que ficarem, a saber que morto,

eu deixo no soneto a alma aureolada...

E estes, de certo, seguirão o exemplo

do que viveu tão só, como num templo

de mansa adoração divinizada...

Ao final do meu tempo, eu, sonetista,

entro no espaço etéreo à hora prevista,

sol de esperança e augúrio - o tudo e o nada...

VIII - A FANTASIA

Sol de esperança e augúrio, o tudo e o nada

que se completam dando vida ao sonho,

quando escrevo me vêm de Deus, suponho,

na fantasia em chamas abrasada...

Corusca a fantasia, eu a disponho

como desejo e entendo trabalhada...

À garupa dos deuses vem montada,

desce da Estrela D'Alva, luz e hormônio...

No cume do Himalaia, novo Atlas,

sustento no ombro os céus e canto oblatas.

à Eternidade e às Musas, de mansinho...

Humanizado, estiro-me na areia,

e um soneto de amor canto à Sereia

que vem na morna embriaguez do vinho.

IX - DON QUIXOTE

Que vem na morna embriaguez do vinho,

na fria involução de antigas eras,

eu sei que vem - retorna das moneras

meu pobre Sancho Pança do moinho...

Sou o Don Quixote, esgrimo a espada e alinho

a tempestade e os ventos, mato as feras,

corto a cabeça tríplice às Quimeras,

Bellorefonte - o mar em torvelinho...

O sonho tudo pode, e agora mesmo

ando no espaço caminhando a esmo,

ou navego a loucura que me assume...

Remarco a fantasia e armo a cilada

para o soneto... A mente conturbada,

Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume...

X - A ILUSÃO

Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume,

minha ilusão fantástica e tão grande...

A vontade que pode e a si se expande

mantenha viva a chama e aceso o lume...

Que o meu soneto voe e ascenda ao cume

da embriaguez astral, daí comande

a verdade do sonho para o estande

que o multiplique em ponta, dorso e gume...

Propague-se, estilhace a claridade,

e eu me faça de leve à eternidade,

força de Serafim, poder de Nume...

Petrifique-se a mente e viva eterno

na lucidez dos deuses, manso e terno,

meu simples faiscar de vaga-lume.

XI - O VAGALUME

Meu simples faiscar de vaga-lume,

tome o calor dos astros, força e brilho,

a luz da Via-Láctea no rastilho

das estrelas perdidas em cardume...

Pelos rumos do além, seguindo o trilho,

o incógnito percorra, em si se aprume

o pequenino e simples vaga-lume,

e não pare jamais ao empecilho.

Não lhe incomode o tempo, ignore-o e siga

compassando o soneto à moda antiga,

que todo o mundo ouça os seus cantares...

E sempre avante, não recuse ou negue

a origem simples, a si mesmo agregue

a volúpia dos deuses estelares...

XII - O TRIBUTO

À volúpia dos deuses estelares,

pago o tributo da grandeza augusta.

Não me custa querer, nada me custa,

no perpassar dos tempos pendulares.

Trabalho sem descanso, sem vagares,

ao ideal irei se não me assusta

a pressão infernal, suja, procusta,

e se ilumina a fé os meus altares.

Estudo e escrevo; em mim, nada se muda,

idealizo o soneto como o Buda

tem o Nirvana em si e a si prescrito.

Daí, a perfeição, seguramente;

porque o futuro é meu, vivo e presente,

levo-o, agora, ao barco do infinito...

XIII - A MAGIA DOS BRUXOS

Levo-o, agora, ao barco do infinito,

todo luz, todo sonho e fantasia.

Seguirá seu destino de harmonia,

e seu compasso musical, seu rito...

A magia dos bruxos, foi predito

dar-lhe-á o todo por espaço e via.

Só a mente universal comportaria,

seu ritmo quente, mágico, esquisito...

Posto o futuro em face do presente,

aí vem marcada indefinidamente

a luz da eternidade feita em mito...

O soneto é o segredo sacrossanto

de quem entende os deuses... Seu encanto,

deixo que vá por si, como o aerolito.

XIV - O PENSAMENTO

Deixo que vá por si, como o aerolito,

o pensamento, ao vôo imaginário!

Que siga feito em gênio, no estuário

dos bilhões de asteróides de granito...

Vá mais e vá mais longe; o meu delito

há de mostrar-se como algum corsário

das estrelas, dos astros, perdulário

da fantasia astral, sonho bonito...

Não pare nunca, deixe ir-se, a morte

um dia descerá, por ser mais forte,

feita em poder de deuses tutelares...

Então, há de restar sem ter defeito,

sobrevoando o tempo o meu soneto,

cavalo eterno sobre a terra e os mares.

SÍNTESE

Cuido o soneto, como a rosa e a amada,

leve, suave, com o maior carinho!...

A vírgula, a palavra - e o som, vizinho

da voz das Musas à hora da alvorada...

Dou-lhe, do amor, a tepidez do ninho,

luzes do amanhecer, força de espada,

sol de esperança e augúrio - o tudo e o nada

que vem na morna embriaguez do vinho.

Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume,

meu simples faiscar de vaga-lume,

a volúpia dos deuses estelares...

Levo-o agora, ao barco do infinito,

deixo que vá por si, como o aerolito,

cavalo eterno sobre a terra e os mares.