Desejo de um Morto

Desejo de um Morto

Não tenho mais a pálida matéria

Que entrego amorfa e rígida ao coveiro.

Ele abre a cova, o canto derradeiro

E ali me põe substrato da bactéria

Que decompõe meu crânio e minhas vísceras

Enquanto almoçam triste os parentes.

Meu rosto perde os traços, pele e dentes,

Não há perdão ou súplicas mais míseras

Que eu possa agora acima do caixão

Deixar de ser na pedra mais que um número,

Pra no futuro achar meu fêmur e úmero.

Ah, mas que horror! Eu, fétido tecido!

Antes que a língua vá à putrefação

Preferia pó à míngua ser comido.

Ivo Tavares
Enviado por Ivo Tavares em 31/08/2008
Código do texto: T1155368