Desejo de um Morto
Desejo de um Morto
Não tenho mais a pálida matéria
Que entrego amorfa e rígida ao coveiro.
Ele abre a cova, o canto derradeiro
E ali me põe substrato da bactéria
Que decompõe meu crânio e minhas vísceras
Enquanto almoçam triste os parentes.
Meu rosto perde os traços, pele e dentes,
Não há perdão ou súplicas mais míseras
Que eu possa agora acima do caixão
Deixar de ser na pedra mais que um número,
Pra no futuro achar meu fêmur e úmero.
Ah, mas que horror! Eu, fétido tecido!
Antes que a língua vá à putrefação
Preferia pó à míngua ser comido.