"SE É GUERRA QUE VOCÊ QUER..." Peça teatral de: Flávio Cavalcante

"Se é guerra que você quer..."

Peça teatral

de:

Flávio Cavalcante

ROLL DOS PERSONAGENS

FIGUEIREDO

PUREZA DE JESUS

SINÓPSE

Uma comédia apresentada numa peça teatral é sempre uma nova experiência para cada ator que interpreta um determinado personagem. O extraordinário disso tudo é que cada espetáculo o ator usa um tempo diferente e consequentemente a plateia também reage com essas mudanças. Essa técnica que o ator usa para tirar do público aquele gostosa gargalhada fazendo que o ator se sinta vivo diante da majestade que é o palco.

A dificuldade de fazer rir está no uso desse tempo. Coisa que a maioria dos palhaços usa de forma esplendorosa, fazendo o seu respeitável público ir ás gargalhas sem dizer uma só palavra apenas, num simples levantar do braço.

Muitas pessoas confundem fazer comédia com apelação. O bom comediante não precisa se estereotipar e dizer um monte de palavras obscenas para forçar o espectador a rir. O resultado de tudo pode ser constrangedor. Certamente sim, será positiva a sua busca dessa tão esperada gargalhada, mas, também certamente, ainda não será uma gargalhada de satisfação e sim de constrangimento o que se torna perigosa uma situação como esta; pois o ator não consegue perceber que não está ali fazendo uma comédia, mas, sendo ridículo numa situação que se bem explorado ou nas mãos de um comediante de verdade haveria um enriquecimento deste mesmo trabalho, presenteando o espectador com gostosas gargalhadas de satisfação. Por isso que fazer comédia se torna uma tarefa muito complicada. O uso de ações e reações e cada ação e reação tem o seu tempo certo e a sua hora certa para o determinado efeito que se pede o texto. Costumo dizer só para exemplificar que o tempo da comédia é como se fosse o tempo de uma música. O ator não atina pra esse fato. A música existe nesse caso, com todo instrumento em play-back já tudo comilado em um cd. Cada cantor vai interpretar de forma diferente nesse mesmo play back e a reação de cada ouvinte vai ser diferente dependendo do talento de cada cantor. A mesma coisa acontece com a comédia em uma peça teatral. Se o ator não é um comediante nato, pode perder toda a riqueza do texto que o autor gostaria de dar para o seu público.

SE É GUERRA QUE VOCÊ QUER... É um espetáculo que trabalha com todas essas facetas na comédia. Relato aqui um conflito de um genro e uma sogra, mas, até para nós escritores se torna uma tarefa árdua para que nas nossas entrelinhas se mostre uma diferença. É trivial assistir espetáculos vendo conflito entre um genro e uma sogra. O espectador assim que tem esse conhecimento já imaginara que vai ser mais um pastelão daqueles que eles estão acostumado a assistir.

Nesse espetáculo o diferencial é primordial. É obvio sim, que temos uma espinha dorsal dessa trajetória da guerra entre um genro e uma sogra peçonhenta, mas a surpresa que o autor cuida e amarra em detalhes, fatos inéditos, deixará esse público mais satisfeito com o diferencial e certamente indicará para outrem a ver o espetáculo que foi de sua grande satisfação assistir.

SE É GUERRA QUE VOCÊ QUER... É um espetáculo que vai fazer você chorar de rir com esses personagens bem elaborados, lúdicos e debochados, usando toda técnica, explorando cada minúcia a fim de dar o melhor, buscando a satisfação desse público que é digno de todo respeito.

BOM ESPETÁCULO PARA TODOS.

Flávio Cavalcante

O cenário é uma sala de residência classe média onde Figueiredo sentado á uma mesa escreve em alguns papéis espalhados sobre a mesma. Inicia a peça com uma sonoplastia compondo a cena com uma música instrumental, mostrando ao espectador que se trata de uma comédia. A música vai fundindo com as vozes de Rosilane e Pureza de Jesus que reclamam sem parar do Figueiredo que não para de escrever nos papéis.

FIGUEIREDO

(Escrevendo). Há condições de relevar uma sogra peste? Há condições de uma peste sogra ser relevada por um genro indefeso? Por mais que eu queira relevar, preciso revelar pra todos nesses papeis tudo que um dia tive vontade de declarar, mas só agora que tive coragem de espinafrar tudo preso na minha garganta...

PUREZA DE JESUS

(Como se tivesse falando com outra pessoa em algum ponto do palco). Como ousas rabiscar tantas coisas infames e mesquinhas?!... Só porque eu estou na defesa da minha cria?! (Transição). Não grita comigo, Figueiredo, não grita...

FIGUEIREDO

E ele tinha que aguentar isso todos os dias da sua vida... (Ambos falando ao mesmo tempo). Não grita comigo, Figueiredo... Não grita

PUREZA DE JESUS

(Falando ao celular). Tá difícil aturar, Rosilane... Tá aqui deitado no sofá parecendo o rei da cocada preta... Eu tou cansada, Rosilane... Eu vou lhe ser muito sincera, meu bem... Eu não vou estragar o meu Botox por causa de um desocupado, aqui deitado nesse sofá, fazendo de conta que eu nem existo dentro dessa casa... Esse homem só sabe ler jornal e coçar esse saco velho o dia todo, Rosilane... Parece que tem um chato comunitário entranhado em baixo de suas calças! Tenha paciência de Jó... Ah, pelo amor de Deus... Não há quem aguente ver uma coisa dessa e ficar de bico calado...

FIGUEIREDO

A resposta veio rasgando de garganta pra fora... (Transição com raiva). Vai olhar se eu tou lá na esquina, oh, velha maluca...

PUREZA DE JESUS

(Com a Rosilane). Espera, Rosilane... (Fica ouvindo o que o Figueiredo tem pra falar).

FIGUEIREDO

Se eu não tiver por lá... Fica por lá mesmo pra parar de encher a porra do meu saco... Que saco isso... Nem ler o meu jornal eu posso aqui nessa casa...

PUREZA DE JESUS

Rosilane... Esse seu marido me chamou de velha rabugenta...

FIGUEIREDO

(Com raiva). Rabugenta, não... Deixe de ser mentirosa... (Transição como se ele tivesse escrevendo essa estória). Parecia ser fácil escrever algo tão comum para muitos genros e delinear a sua sogra com uma cobra... Mas não é bem assim...

PUREZA DE JESUS

(Com o escritor). Cobra é sua mamãezinha... Devias pôr aí... Escrever com todas as letras que eu sou uma dama... Uma mulher desejada por muitos homens da sociedade...

FIGUEIREDO

Aí eu não tou falando nenhuma verdade...

PUREZA DE JESUS

Como pode ser tão radical? Quem tá com a caneta é você, meu amor...

FIGUEIREDO

Sim eu sei... Mas... Ao escrever uma estória onde o assunto é conflito de sogra com um genro... Não posso ir de encontro a uma realidade, entende? Ela tem que ser megera... Estúpida e mentirosa...

PUREZA DE JESUS

(Como se tivesse falando ao telefone com a Rosilane). E mentirosa também... A culpa é sua mesma, Rosilane minha filha... Tanto homem neste mundo de meu Deus e você foi casar logo com um palerma desse tipo? Ninguém merece, Rosilane... Ninguém merece... Eu vou acabar endoidando aqui dentro da minha própria casa... Esse seu marido tá me deixando com os nervos á flor da pele...

FIGUEIREDO

(Com ironia). Como adora fazer um drama... (Transição). Maldita é a hora que entro nessa casa... Será possível que nem o meu jornal eu posso ler em paz?

PUREZA DE JESUS

(Ainda no telefone). Que carinha desocupado esse tal de Figueiredo, hein? (Transição com o escritor).

FIGUEIREDO

Idéias fluindo ainda em cima desse personagem... Ele não tá muito satisfeito na sua casa...

PUREZA DE JESUS

Como assim não tá satisfeito? Quem não tem que tá satisfeita aqui sou eu que sou dona da casa... E por que ele não sai da mesma forma que ele entrou? Se o problema é a porta que está fechada... Isso não é mais um problema... (Abre a porta). Ela agora está aberta... Pode escrever aí... Ele saiu da casa da sogra e nunca mais apareceu... Vamos... Escreva. Tou esperando...

FIGUEIREDO

Pode parar... Que tá na comissão de frente aqui sou... E quem dita ás regras aqui sou eu também...

PUREZA DE JESUS

Mas é abusado mesmo... Então escreva o que diabo você quiser... (A luz cai, destacando somente o escritor).

FIGUEIREDO

E assim fiz... Escrevi toda revolta da minha vida... Só pra ela ver que quem estava com abuso era ela mesma... Não eu... (Transição). Fiquei furioso com a reação daquela velha, que não passada de umas entrelinhas mal rabiscadas, mas nunca vi tão parecida com minha sogra original... (Transição já na posição de Figueiredo). Eu não vou lhe dar esse gosto... Lembre-se que essa casa também me pertence... Afinal de contas eu sou casado com a Rosilane sua filha por comunhão total de bens... (Transição com ironia). Como é que é? Quer que eu saia agora de uma casa que também me pertence, dona Pureza?

PUREZA DE JESUS

Não estou morta ainda, Figueiredo... E eu odeio deboche com a minha cara... Essa casa só pertencerá a Rosilane no dia que eu tiver mortinha e com um monte de terra jogada na minha cara...

FIGUEIREDO

Ah, o problema é esse? Me diga só a hora da sua próxima refeição...

PUREZA DE JESUS

Pra que você quer saber? Por acaso vai querer por algum veneno na minha comida, Figueiredo?

FIGUEIREDO

(Aplaude). Nossa como a dona Pureza de Jesus advinha rápido as coisas... (Transição ri com ironia). Sabe aquela comidinha verde que se põe pra ratos? Não posso afirmar, mas, dizem que mata, seca e não deixa mal cheiro... Essa é a ideal...

PUREZA DE JESUS

Que horror... (Se vira como se falasse com o escritor). Isso é patifaria, hein? (Transição). Você viu o que o Figueiredo está querendo fazer comigo? Ele quer me dar veneno de ratos... E a culpa é sua, por tá escrevendo e incentivando ele a fazer isso comigo... (Transição com o Figueiredo). Vamos... Deixa eu gravar isso aqui no meu celular... (Tenta procurar a função no celular e não encontra). Isto é... Se eu conseguir pôr esta merda pra gravar alguma coisa... Uma porcaria que não me dá essa opção de gravar... Eu morro de raiva de uma coisa dessas... Uma oportunidade única... Quero deixar registrado tudo que você falar, Figueiredo... Suas palavras podem ser usadas contra você mesmo no tribunal... Enquanto eu tiver seca e sem deixar mau cheiro, você vai apodrecer dentro daquela cela e quem sabe não vai virar mulherzinha de um preso faminto no cárcere... (O escritor toma conta da cena deixando fluir cada pensamento em cima da sua obra).

FIGUEIREDO

Ela chegou exatamente no ponto que eu tava querendo... Cada vez mais que eu a vejo irritada, mas me instiga á escrever cada cena descarregando toda minha revolta em cima da famigerada sogra. O veneno destes ratos deu pano pras mangas... Pareceu que eu consegui irritá-la de alguma forma... (Transição. O escritor se vira como se o Figueiredo tomasse o seu corpo e age severamente como um genro sem paciência alguma. Transição com raiva). Eu só quero ter a liberdade de ler o meu jornal em paz... Não me importo de virar tudo isso que a senhora tá falando... Eu quero mandar a senhora de uma vez por todas importunar a vida do capeta nas profundezas do inferno...

PUREZA DE JESUS

Muito profundo isso que você falou... (Decepcionada). Eu não acredito que você teria a coragem de fazer uma coisa dessas comigo, Figueiredo... Eu não acredito mesmo, sinceramente...

FIGUEIREDO

Sai de perto de mim, satanás...

PUREZA DE JESUS

(Consigo mesma). Traste ruim...

FIGUEIREDO

O que foi que a senhora falou?

PUREZA DE JESUS

Nada... Eu não falei absolutamente nada...

FIGUEIREDO

Claro, que falou... Ou a senhora pensa que eu não ouvi me chamando de traste ruim?

PUREZA DE JESUS

Mas que ouvidinho de tuberculoso, hein? (Transição). Figueiredo eu já pude crer que dois bicudos não vão se beijar mesmo... Pode ficar aí lendo o seu jornalzinho... Eu não vou me estressar... Juro que eu não vou de maneira alguma sair da graça por sua causa... Afinal de contas eu não quero prejudicar o meu butox... (Transição consigo mesma). Chega a idade e a gente tem que usar estes artifícios para conter as marcas do tempo... (Consigo mesma). Ninguém merece... Ou eu bati na minha mãe ou eu atirei pedra na cruz três vezes...

FIGUEIREDO

O que é que diabo a senhora tá resmungando aí, hein?

PUREZA DE JESUS

Nada não, Figueiredo... Eu não tou resmungando nada... Eu só estou falando aqui comigo mesma... Igual a maluca... Ou eu não posso falar comigo mesma? (transição). Ou eu não tenho o direto de resmungar dentro da minha própria casa? Você está passando dos limites... Não subestime a minha inteligência... Não fique pensando que você é mais inteligente do que eu...

FIGUEIREDO

(Com raiva). Cala a boca, velha...

PUREZA DE JESUS

Posso ser velha, mas burra, não... (Transição com o escritor). Por que você não escreve como em ditados populares, falando em parábolas... Só assim esse meu genro acaba entendo de uma vez por todas que ele não é bem vindo aqui na minha casa...

FIGUEIREDO

(Falando como se fosse o escritor). Eu não posso... E não interfira nas minhas entrelinhas...

PUREZA DE JESUS

Claro, que pode... E eu interfiro, sim... Afinal de contas a minha vida está toda em suas mãos... Você poderia pôr aí... Vá escrevendo que eu vou ditando... Barata viva não atravessa galinheiro... Formiga de tamanco não sobe em paredes...

FIGUEIREDO

Que fazer um favor de parar, dona Pureza de Jesus?

PUREZA DE JESUS

Não senhor... Eu sei lá o que tá passando agora por esse cabeção... Sei lá se de repente você tá querendo transformar o meu genro em um maníaco sexual? E você vai querer que ele cometa um assassinato dentro da minha própria casa...

FIGUEIREDO

(Figueiredo se volta em gargalhadas como se interferisse na conversa). Oh, para de palhaçada, velha... Te olha no espelho... Vai dar uma olé de vassoura por aí...

PUREZA DE JESUS

(Falando em tom de revolta com o escritor). Pelo amor de Deus, né... O que diabo você tem contra a mim? Já me chamou de tudo que não presta... Pode parar de escrever essa porra...

FIGUEIREDO

Contra a senhora nada... O que eu não posso é escrever um conflito de um genro e uma sogra, pondo a megera indomada que se transforma em uma cinderela de uma hora para outra sem justificativa alguma... Nas minhas laudas Pureza de Jesus vai ser sempre a sogra peste...

PUREZA DE JESUS

Quem gosta de cu de cachorro é mosquito, eu não... Não vem que não tem...

FIGUEIREDO

Dona Pureza de Jesus... (Transição cai na gargalhada e transiociona ficando sério). Peço que a senhora meça as palavras... (Outra gargalhada). Nunca havia parado pra pensar nisso... Meus neurônios acho eu que estão ficando loucos... (Da uma risada). Quem já se viu?

PUREZA DE JESUS

E eu posso saber o motivo do senhor achar tanta graça? Não venha com ironias pra cima de mim, que eu não gosto... E pode mudar o curso da história... Ora, mas que abuso destes escritores loucos... (Transição). Genro nem parente distante é...

FIGUEIREDO

(Aos berros). Vai dormir traste ruim...

PUREZA DE JESUS

(Indignada). Traste ruim? Eu? Traste ruim é você, Figueiredo; que vive ás custas de minha filha que anda na rua como uma burra que só enxerga pra frente... E o que você acha de mim, pouco me importa... Tenho certeza que quando eu morrer não vou ter o desprazer de sua visita em meu velório mesmo...

FIGUEIREDO

Ah, mas este gosto eu não vou lhe dar mesmo... Pode ficar tranquila...

PUREZA DE JESUS

(Como se tivesse falando com o escritor). Tá vendo como eu sou maltratada por ele? (Transição). A culpa é toda sua... Eu já pedi pra mudar o rumo dessa prosa... Mas parece que você se faz que não tá ouvindo...

FIGUEIREDO

(Repreendendo como o Figueiredo). Cala a boca velha... Não tá vendo que vai tirar a concentração do cara?

PUREZA DE JESUS

Não se meta na conversa que você não está sendo chamado, Figueiredo... Eu estou falando com o escritor... Quando uma pessoa está falando com um burro o outro, baixa a orelha...

FIGUEIREDO

(Com o escritor). Madeira nela, escritor...

PUREZA DE JESUS

(Indignada). Dois contra um, não... Isso é covardia... Vocês estão muito enganados quando se refere á pureza de Jesus... Eu sou uma dama... Eu sou muito mulher... E o senhor, seu Figueiredo... Não me confunda com a besta da minha filha Rosilane, que levanta ás quatro da matina pra sustentar um vagabundo parasita que vive sentando num sofá parecendo um general aposentado, lendo jornal. Isso é revoltante, Figueiredo... Em pleno século vinte e um e você ainda tem na cabeça essa idéia de trocar os papéis. A sua mulher que é minha filha tá até agora ralando que só uma cachorra condenada... Pra sustentar um bicho preguiça, que parece que anda com um encosto brabo do lado... Não tem coragem de levantar deste sofá nem por um decreto. Olha que vai pegar uma puta hemorroida...

FIGUEIREDO

(Revoltado). Ei, ei... Espere aí, dona Pureza de Jesus... (gargalhada). Nossa é muita pretensão...

PUREZA DE JESUS

(Com raiva). O que é agora? O senhor poderia me dizer o que há de tão engraçado, Figueiredo?

FIGUEIREDO

Pureza de Jesus... Há uma discordância com todas as letras do seu nome com a sua pessoa.

PUREZA DE JESUS

Não estou pedindo pra gostar do meu nome... Eu mesma o adoro... Você não tem noção do que é isso, Figueiredo? Ser uma mulher madura e pura e ainda ser de Jesus? (OFigueiredo transiciona em outra gargalhada). Eu poderia saber o motivo de tanta risada?

FIGUEIREDO

Nada não... Só achei engraçado... (Transição). Não estou me referindo a isto... Quem lhe ver com essa carinha de anjo, não sabe a serpente que a senhora é... Lança veneno pra todo lado. Não é atoa que a senhora ficou viúva três vezes...

PUREZA DE JESUS

E recebo três gordas pensões... Eu posso gritar ao mundo que vivo num mar de rosas... (Transição).

FIGUEIREDO

Mas do que adianta ter tantas pensões gordas se o que lhe falta mesmo é um grande amor na sua vida?

PUREZA DE JESUS

E quem foi que lhe disse que eu não tenho um grande amor? Eu tenho sim e sou a mulher mais feliz do mundo... (transição). Já não posso dizer a mesma coisa da minha filha Rosilane... E não precisa ter bolas de cristal pra saber o motivo d’eu estar falando isto, não é?

FIGUEIREDO

O seu problema comigo se trata de algo pessoal... Tou pouco me lixando o que ache ou deixe de achar... O que importa que eu amo a Rosilane e só pelo fato dela me amar também a senhora vai ter que aturar por um bom tempo de sua vida...

PUREZA DE JESUS

Prefiro a morte... Aturar os devaneios da minha filha já é um tanto demais agora aturar a convivência de um desocupado dentro de casa aí...

FIGUEIREDO

(Cortando). Aí o que dona Pureza de Jesus? (Ri ironicamente).

PUREZA DE JESUS

A sua risadinha de ironia é o que me mata, Figueiredo...

FIGUEIREDO

Nada contra o seu nome, mas, é bem claro que não faz jus a sua pessoa... Acho que o seu nome deveria carregar um nome bem especial, digno de um filme pavoroso de terror... Aliás, a Rosilane já deveria pensar em comprar uma vassoura de preferência á jato pra senhora ir dar uma voltinha lá dentro do inferno e parar de encher a porra do meu saco... (Pureza de Jesus se volta para o escritor).

PUREZA DE JESUS

Foi demais pros meus ouvido uma coisa dessas, senhor escritor... Tem isso escrito aí? Eu não acredito que você tá me rebaixando a esse nível... Quer dizer vocês dois tão se unindo contra mim... Ok, então...

FIGUEIREDO

(Falando como se fosse o escritor). O seu problema, pureza de Jesus...

PUREZA DE JESUS

(Repreende). Por favor... Ponha o dona antes de Pureza... O que é que há? Tu me pões no papel me esculachando e ainda vem me faltar com respeito... Eu sou uma dama... Oh, dá um tempo...

FIGUEIREDO

(Com a Pureza de Jesus como o Figueiredo). Deixa o cara escrever em paz... Estamos passando pelos seus neurônios agora...

PUREZA DE JESUS

Não sei o porquê, mas tem alguma coisa errada com esses neurônios dele... Esse homem é um louco...

FIGUEIREDO

Pode até ser... Mas ele está no comando... (Em tom alto). Dá pra entender agora o que eu estou falando? O nosso final a ele pertence.

PUREZA DE JESUS

(Revoltado). Ignorante... Olhe o tom que você está falando comigo... O ódio que você carrega de mim, eu carrego o dobro de você, Figueiredo... Já que a Rosilane é cega e não consegue enxergar o traste ruim que ela carrega embaixo do braço, eu vou procurar o Silas pra desabafar as minhas aflições...

FIGUEIREDO

Silas?

PUREZA DE JESUS

Meu novo amor... Por que? Tem alguma coisa contra? Verdade que eu estou além da minha idade, mas ainda dou um bom caldo, hein?

FIGUEIREDO

Agora depois de velha deu pra ser pedófila...

PUREZA DE JESUS

(Escandalizada). Como é que é?

FIGUEIREDO

Isso mesmo que a senhora está ouvindo... Não vou lhe falar... Vou levar as provas perante os tribunais... E vá diante da justiça dizer que não sabe do que se trata...

PUREZA DE JESUS

(Nervosa). Mas eu não sei do que se trata... Não posso saber do você está falando... Figueiredo olha a seriedade do que você está me acusando... Eu vou lhe processar por calúnia e difamação, hein?

FIGUEIREDO

Além do mais encontrei dentro de seu guarda-roupas... Outra cositas mas...

PUREZA DE JESUS

(Sem graça e imitando o Figueiredo). Que cositas más... Tu me respeitas, Figueiredo...

FIGUEIREDO

Minha sogra... A vida é sua... Se aquele brinquedinho lhe satisfaz... É problema seu...

PUREZA DE JESUS

Você tá indo longe demais... Você sabe muito bem que eu vendia produto pra estimular o relacionamento sexual de muito casal... E é bom sabe que eu ganhei muito dinheiro com isto...

FIGUEIREDO

Isso já faz bastante tempo... Mas por que ainda guarda o último dos moicanos lá no seu guarda-roupas... É estranho...

PUREZA DE JESUS

Hein... é... (Transição). Como você falou... Isso é um problema meu...

FIGUEIREDO

Não fica bem pra sua idade... Mas a vida é sua... Agora... Ser pedófila eu não admito e pode ficar certa que eu vou passar pra frente... Eu vou lhe entregar ás autoridades...

PUREZA DE JESUS

(Aos berros e com raiva). Tá louco? De onde você tirou isso, traste?

FIGUEIREDO

Não tou louco nada... (Transição). O que me diz daquela bolsa cheia de fraudas, dona pureza de Jesus?

PUREZA DE JESUS

(Espantada). Minhas fraudas geriátricas? Aliás... Do Silas... (Transição0. Ah... então a pedófila foi por causa das minhas fraudas? Que susto... (Transição. Ri sem graça). Você é idiota, Figueiredo... Quem mandou você mexer em coisas que não lhe pertence? (Transição). Mas tudo bem... E não é que o meu neguinho tá voltando a ser criança novamente? (Transição). Então a prova que você tem contra mim são as fraudas? (Ri aliviada). Coitado do meu Silas... (Transição como em um alívio). Já que você descobriu tudo, então nada mais interessa esconder a verdade... (Pausa). Silas usa fraudas geriátricas sim... E eu uso o meu brinquedinho, sim também... E como eu o amo demais... Nada mais justo do que cuidar do homem da minha vida... E usar a tecnologia para a satisfação do corpo e da alma... Sem trair a pessoa amada, logicamente... Meus pensamentos ficam todos voltados pra ele... Aliás no matrimônio é lei divina, até que a morte nos separe e isto eu sigo á risca...

FIGUEIREDO

De jeito nenhum...

PUREZA DE JESUS

Você não concorda com a lei divina? Eu sempre lhe odiei de todo meu coração manchado de amor... Sempre soube do parasita doentio fincado dentro do seu corpo... Alíás, eu sempre odiei o seu jeito de canalha, palerma, aproveitador... mas nunca me passou pela cabeça que você fosse, além de tudo que não presta nesta vida de meu Deus, um erege... Mas Deus... Está lá em cima vendo tudo isto que você está dizendo... A lei divina é clara e objetiva... E não falha não, Figueiredo... Isso é pra abrir ainda mais as portas do inferno pra você...

FIGUEIREDO

Onde nós vamos nos encontrar um dia... Quem sabe não vamos tomar uma cafezinho pequeno lá, juntinho do capeta eu e a senhora?

PUREZA DE JESUS

(De salto). Você sozinho... (Com muita raiva). Como ousas falar tanta asneira comigo? Tirar tanta palavra de um vernáculo tão chulo, que me mostra o quanto você ainda tem que conhecer a vida pra quem sabe daqui há dez anos luzes, aprender a usufruir do aprendizado...

FIGUEIREDO

A senhora se acha muito sociável, não é dona Pureza de Jesus... E também sabe que a reciproca sempre foi verdadeira quanto aos seus sentimentos com relação a mim...

PUREZA DE JESUS

Eu sei que você me odeia... Eu tenho certeza que quando eu morrer você não vai nem no meu enterro...

FIGUEIREDO

Claro que eu vou... A senhora acha que eu vou deixar de ir comemorar o dia mais feliz da minha vida? É certo que estarei lá segurando na aba do seu caixão na primeira fila... Não perco esse evento por nada, mesmo que neste dia esteja sendo alguma final do meu time do coração... E eu ainda vou mandar uma cartinha pro capeta... Receba essa praga com a mesma alegria com que te mando...

PUREZA DE JESUS

(Revoltada). Pegou pesado, Figueiredo! Nunca pensei que eu fosse tão humilhada durante tanto tempo dentro da minha própria casa...Rosilane devia estar com os parafusos fora do lugar depois que resolveu casar com você...

FIGUEIREDO

Tá bom, dona Pureza... A senhora me odeia e eu idem... Porém, vamos manter sempre uma imensa distância entre nossos territórios... Nem a senhora cruza o meu caminho e nem eu cruzo o seu... No momento estou aqui na sala e por favor libere a área que é o meu lugar e eu quero ler o meu jornal sem ser incomodado... Fui claro?

PUREZA DE JESUS

Grosso... (Figueiredo compara uns números anotados em um papel com o número que está no jornal). Sabe qual é a minha maior felicidade senhor Figueiredo?

FIGUEIREDO

Eu tenho certeza que a sua maior felicidade é que eu fique bem longe de sua vida... Isso pode tirar o cavalinho da chuva que não vai ser possível mesmo...

PUREZA DE JESUS

Claro, que você não vai deixar a boa vida que esse casamento lhe proporcionou... Mas é uma pena que você não acordou ainda pra realidade dos fatos... Graças á Deus, eu cuidei bem direitinho pra esse seu casamento ser por comunhão de separação de bens.

FIGUEIREDO

A senhora tá falando de leis retrógradas... Os tempos são outros, minha sogra... Agora se eu falar um pouco de sua vida pra justiça a senhora vai ver o que vai acontecer... E a senhora sabe muito bem do que eu estou falando...

PUREZA DE JESUS

(Escandalizada e com medo). Cale esta boca seu infeliz... Paredes têm ouvidos e não se fala uma calúnia dessas nem de brincadeira... Este homem escrevendo a minha vida... E você falando um monte de asneiras perto dele... No mínimo ele vai querer me jogar atrás das grades... A proteção dessas leis vagabundas de nosso país, até é perigoso fazer certos tipos de comentários... Até descobrir que coelho não é um elefante... O caluniado amarga dentro de um cárcere cheio de vermes em estado de putrefação... Nunca mais repita o que você falou, Figueiredo. E o Silas é apenas três anos mais novo do que eu... Tá fodido pra idade dele... Mas fazer o que? A gente não escolhe quem ama... Entendeu? E o escritor é o puto responsável por isso...

FIGUEIREDO

Ah, entendi... Mas entendi tudo mesmo! (Transição). Interesseira... Tenho certeza que isto não está escrito...

PUREZA DE JESUS

(Com ironia). Não está escrito? Você acabou de me chamar de interesseira e isso não está escrito!? (Escandalizada). E também como ousas falar assim de uma mulher com a minha categoria? Eu sou uma peça rara, Figueiredo...

FIGUEIREDO

(Contido). De museu...

PUREZA DE JESUS

(Sem entender). De museu... (Transição cai na real). De museu?

FIGUEIREDO

(Com ironia). Galinha velha é difícil de cozinhar, minha sogrinha...

PUREZA DE JESUS

(Dá uma banana pra o Figueiredo). Tá aqui oh... Galinha velha é a sua mamãezinha... (Transição). Uma mulher do meu quilate é pedra preciosa e cara... Preste atenção no que você está fazendo comigo, Figueiredo... Preste muito atenção pra não se arrepender depois... Silas é um homem romântico... Ele quer namorar comigo como nos tempos antigos... Queria até pedir aos meus pais pra namorar comigo na porta... (Transição). Coitado! O mal de Alzheimer é o que acaba com ele... (Ri contida). Eu até brinquei c om ele... E disse que ele tinha um belo senso de humor... E o que mais me espantou, foi quando eu falei pra ele que meus pais já haviam passado dessa pra melhor... Fiquei tão feliz quando ele disse... Tão jovem, sem pai e sem mãe... Muito gentil o meu querido namorado, não acha?

FIGUEIREDO

(Irônico). É muita gentileza mesmo... (Transição). Aliás, ele dever sofrer mesmo desse mal... O Alzheimer, deve estar num estado preocupante na vida dele... Deve esquecer até da idade dele mesmo...

PUREZA DE JESUS

(Com raiva). Que raiva... A Rosilane andou falando o que não devia pra você... Ah, linguinha dessa minha filha... Ah, linguinha....

FIGUEIREDO

(Rindo ironicamente). O que foi que eu disse? Não precisa andar com bola de cristal pra saber um pouco mais de dona Pureza de Jesus...

PUREZA DE JESUS

Mas ele está se tratando... Eu mesma faço questão de comprar os remedinhos dele todo mês... Eu me preocupo muito com a saúde do meu Silas... (Transição com raiva do escritor). E o senhor, seu escritor! Não vai querer subestimar a minha inteligência... O senhor pode até me descrever como uma velha rabugenta... Da forma que a sua mente poluída achar melhor... O senhor pode falar o que quiser ao meu respeito... Velha sim... Burra, nunca... Por que é que vocês autores adoram meter a língua em sogras, hein? (Figueiredo se volta como autor).

FIGUEIREDO

Ora, ora, dona Pureza de Jesus... Isso não é pergunta que se faça a um autor de uma obra... Só pelo fato de não ter lógica escrever sobre uma sogra e deixa-la com uma mãezona... Sogra na base da minha caneta é uma megera sim...

PUREZA DE JESUS

Você tem conhecimento de lei?

FIGUEIREDO

Evidente que sim...

PUREZA DE JESUS

Pois nem parece! Apesar de não ter um autocontrole da minha vida, eu tenho os meus direitos e eu os exijo... Quero os órgãos em defesa dos personagens... Eu posso lhe processar por calúnia e difamação, senhor escritor... Preste atenção... Agora por causa de suas asneiras escritas ao meu respeito... Vai ser um prato cheio pro Figueiredo... (O escritor se volta como Figueiredo).

FIGUEIREDO

Aposto com quem quiser que o Silas passou a senha do cartão bancário pra senhora fazer uma caridade, Hein, dona Pureza de Jesus...

PUREZA DE JESUS

(Com o escritor). Tá vendo só? O que foi que eu falei? (Transição). Claro que ele passou... E essa a Rosilane não sabia... Como você conseguiu saber uma coisa dessas? Por acaso; você anda com bola de cristal, Figueiredo?

FIGUEIREDO

Não... Lhe conhecendo bem, não precisa ser tão sábio pra ter certeza dos fatos... O velho tá louco deixar uma coisa dessa na sua mão?

PUREZA DE JESUS

(De salto). Velho não, Figueiredo... Ele é três anos, seis meses e seis dias mais jovem do que eu... E que problema tem isso? Apesar do esquecimento, Silas é inteligente o suficiente pra saber que eu sou a pessoa mais indicada pra movimentar toda a sua estrutura financeira...

FIGUEIREDO

Espertinha até demais pro meu gosto... (transição). Coitado do velho...

PUREZA DE JESUS

(Aos berros). Não chame o Silas de velho... (Transição com o escritor). Tá vendo caro escritor? É bom que você escute tudo que ele está falando...

FIGUEIREDO

Mas eu não estou falando nada demais... O velho que eu estou falando é em sinal de respeito ás pessoas com idade bem avançadas... Pessoas mais velhas... Dá pra entender agora?

PUREZA DE JESUS

(Como quem não gostou). E por acaso essa velha a quem se referes sou eu?

FIGUEIREOD

Como a senhora é complicada de entender as coisas... E é claro que eu me referi a senhora e ao seu namoradinho da terceira idade, sim... Por acaso esqueceu que o tempo já lhe castigou e a senhora não é mais aquele brotinho como era antes? (Momento da Pureza de Jesus).

PUREZA DE JESUS

Fato! Eu não estou mais na minha adolescência... Já estou com alguns fardos de anos pesando em minhas costas sim... Você jamais teria essa capacidade na sua idade de alcançar o que eu estou querendo dizer... Os anos passam, querido escritor... (Ri contida). A gente sai daquela pele lisinha parecendo uma uva saída naquele instante da parreira em pleno outono... Todos admiram... Todos lhe olham... Todos querem lhe tocar... Lhe chupar... (Ri). O tempo vai passando, deixando suas marcas nesse corpo, que parece um maracujá dentro de uma gaveta... (Transição). Vê se você para um pouco pra pensar... Cada ano é uma cicatriz na pele... A carne é fraca demais... E apodrece, Figueiredo... E como apodrece... Eu me sinto ainda aquela menina de trancinhas que brincava de gangorra na pracinha da minha cidade... (Transição). Ah... Foi lá, Figueiredo... Foi lá bem pertinho da velha tamarindeira que eu conheci ainda criança o meu primeiro namorado... O Joninha... Era Jonas o nome dele... Nossa ainda lembro como os dias de hoje... Ele pegou em minha mão... Seus olhos brilhavam... Eu sentia que era um amor tão grande dentro dos olhos... (Transição). Mas o que importa?! Não sabia nem o que era isso, mas sentia uma sensação tão boa... Quando eu o via... Meu coraçãozinho inocente parecia que ia pular pela boca... (Transição vê que o Figueiredo a observa). Mas isso é coisa do passado... Hoje em dia não existe mais respeito pela melhor idade... Hoje eu vi num jornalzinho que eles distribuem aqui no bairro... Que é contra a lei maltratar os velhinhos de setenta anos... Quase comi o jornal de tanta raiva... Olha que eu fiquei com tanto ódio que me deu vontade de processar aquele jornal... Onde que pessoas de setenta anos são velhinhos... Tem muito mais vitalidade do que muitos na sua idade, por exemplo, Figueiredo... Que abuso isso...

FIGUEIREDO

Olha eu não sei... Mas eu se fosse você averiguava direitinho... Acho eu que o Escritor tá querendo lhe sacanear...

PUREZA DE JESUS

É, é? Como assim? Ele não sabe com quem tá mexendo, se ele fizer uma coisa dessas...

FIGUEIREDO

Como não sabe o que está fazendo, se nós somos criação dele? Ah, dá um tempo... Não sabia que você tinha tendências para ser pedófila...

PUREZA DE JESUS

(De salto). Que conversa é essa Figueiredo? Você está ficando maluco? (Escandalizada e com raiva). Eu não sou pedófila... Você quer fazer um favor de parar com estas acusações idiotas?

FIGUEIREDO

(Irônico). Ora, minha sogra mais pura do mundo e de Jesus... Quem tá ficando maluco é ele que tá querendo dar vida a seu texto pra obra dele ser mais vendável...

PUREZA DE JESUS

Fodendo a minha vida!? Era só o que tava faltando...

FIGUEIREDO

E ele me deu provas cabais... Por A e mais B que não deixa dúvida alguma que a senhora, além de ser uma bruxa... Ainda anda assediando crianças... E eu tenho como provar isso...

PUREZA DE JESUS

(Histérica). Então prove seu caluniador sem vergonha... Canalha...

FIGUEIREDO

Eu vi dentro da sua bolsa...

PUREZA DE JESUS

Viu o que? As fraudas?

FIGUEIREDO

Tá vendo que o escritor tem toda razão do mundo?

PUREZA DE JESUS

Você tá ficando maluco, Figueiredo... Você e ele só pode tá com os parafusos tudo fora do lugar...

FIGUEIREDO

A senhora acabou de confessar seu crime... Pedófila, sim...

PUREZA DE JESUS

Mas você é um asno mesmo, Figueiredo... Bate orelhas... (Imita um burro). Resumindo você é um burro... Desde quando fraudas geriátrica cabem em crianças? (Transição) Pronto! Acabei de revelar o meu segredo... (Transição). É pra o Silas, sim... Qual é o problema?

FIGUEIREDO

Mas a senhora não falou que o Silas é tão viril? Como é que agora a senhora me aparece com uma tonelada de fraudas geriátricas dentro da sua bolsa?

PUREZADE JESUS

(irônica). Exagerado... Eu estou em Estado de calamidade pública... Subindo pelas paredes igual lagartixa... E não venha me condenar... Eu estou viva. Sou um ser humano que tem todas as necessidade como qualquer pessoa comum... Sinto fome, sinto sede... Eu sinto um tesão entranhado na pele... Coisa de louco...

FIGUEREDO

Isso na sua idade não era mais pra tá acontecendo... Mas como deve ser muito queijo acumulado... Imagino o tempo que a senhora teve uma relação amorosa...

PUREZA DE JESUS

Não tem tanto tempo assim que eu fiz algumas tentativas com o Silas...

FIQUEIREDO

E conseguiu?

PUREZA DE JESUS

(Sem graça). Não... Mas tentei... Me ensinaram tudo... Inclusive uns comprimidos quase invisíveis... Azulzinho da cor do céu... Me falaram que eles seriam a solução dos problemas do meu namorado... Entupi o velho de comprimido e até hoje eu espero uma reação... (Transição). Ah... Fiz até um striper pra ele... Comprei uma calcinha preta... Fiquei daquele jeito na frente dele...

FIGUEIREDO

Imagino a imagem do cão... Deve ter matado o velo de susto...

PUREZA DE JESUS

(Como quem não gostou). Engraçadinho...

FIGUEIREDO

E qual foi a reação dele...

PUREZA DE JESUS

Virou a cara pro lado da parede não quis mais me olhar nem por um decreto lei...

FIGUEIREDO

Imagino a imagem do satanás que ele não estava olhando... Ele ficou com medo... Da assombração que estava vendo...

PUREZA DE JESUS

(Revoltada). Assombração? Lembro-me perfeitamente como nos dias de hoje que eu parava trânsito, Figueiredo...

FIGUEIREDO

(Debochado). E existia trânsito naquela época?

PUREZA DE JESUS

(Furiosa). Quer parar?

FIGUEIREDO

(Rindo). Desculpe...

PUREZA DE JESUS

Eu estou falando muito sério, Figueiredo... Você fica o tempo todo me criticando... No mínimo você em sua santa ignorância, deve achar que eu não tenho mais idade de fazer amor... (Transição com o escritor). Pára de show senhor autor... Você tem que mostrar pra este meu genro sem graça que eu ainda dou um bom caldo... Eu acho engraçado que ninguém fala da Diana... Ela é a mais velha daqui do bairro... E sai dando pra qualquer um que aparecer na sua frente... E olha que o que não falta é pretendente, hein?

FIGUEIREDO

(Repreendendo). Mantenha o respeito diante do escritor... Não me faça passar vergonha diante de um vernáculo tão chulo com palavras tão obscenas...

PUREZA DE JESUS

Nossa como você está falante, Figueiredo... Devia ser político, hein? (Transição). Mas eu falei a verdade... A Diana dá que só xuxu na serra e ninguém fala nada... Eu nem cheguei a tal ponto... E você vive me criticando...

FIGUEIREDO

A que ponto chegou ao nosso diálogo... Se a Rosilane tivesse aqui... Ela ia me arrastar por aquela porta de tanta vergonha, só em saber que dona pureza de Jesus está aprontando e o pior... Se igualar uma prostituta camada Diana...

PUREZA DE JESUS

(Defesa). Prostituta não... A Diana tem um histórico de caça espetacular...

FIGUEIREDO

(Irônico). Imagino... Tendo ela como se espelhar daqui á pouco seu histórico vai ser melhor que o dela... Esse mundo de meu Deus tá de cabeça pra baixo mesmo...

PUREZA DE JESUS

Mas não mesmo... A Diana é uma cadela de raça e de caça exemplo aqui no bairro...

FIGUEIREDO

(Espantado). Então essa Diana é uma cadela? A senhora deve tá de brincadeira... Tá de sacanagem com a minha cara? (Transição com o escritor). Ela tá brincando com o senhor, seu escritor...

PUREZA DE JESUS

Mas não estou mesmo... E não estou me comparando com ela... Eu apenas exemplifiquei... (Transição). Mas você há de convir que ela tem um fogo tão ardente quanto ao meu...

FIGUEIREDO

(Embaraçado). Pode parar, tá? A sua idade já não comporta esse tipo de comportamento! Acho melhor a senhora procurar um especialista... E tem que ser dos bons... Eu particularmente não vejo nada de normal uma... Uma velha... Uma... (Pureza tosse o repreendendo). Uma jovem senhora tá com o tesão tão aflorado a ponto de subir pelas paredes igual lagartixa... Tem coisa errada com a sua natureza, dona Pureza de Jesus... Ou então essa tal natureza tá querendo passar flanelinha em seu ego...

PUREZA DE JESUS

É melhor do que passar uma bela rasteira, não é? E já me falaram que eu sou bem pra frente da minha idade... Até me criticaram, só porque eu saio pra caça e pra busca...

FIGUEIREDO

Como é que é? Igual a Diana!?

PUREZA DE JESUS

Eu sou mais eu... A Diana só caça por aqui no bairro... E eu onde tiver horizonte eu estarei lá...

FIGUEIREDO

(Criticando). Se contar, ninguém acredita... A senhora já passou da hora, dona Pureza... Já tá morta e esqueceram de lhe enterrar... Aliás, coisa ruim é assim mesmo, não é? A morte parece ter uma generosidade sem fim... E é o que ela está fazendo agora com a senhora...

PUREZA DE JESUS

(Com raiva). Abusado...

FIGUEIREDO

Eu não vejo dessa forma... A senhora deveria até me agradecer... Eu estou sendo muito generoso também... Se fosse outro, já teria mandado a senhora pro quinto dos infernos... O diabo ia adorar tê-la como braço direito dele...

PUREZA DE JESUS

Eu nem ligo pra o que falas... Eu sei que no fundo, existe uma boa parcela de inveja... Até porque a gostosa daqui, sou eu... Olha pra mim... Baba baby... Apesar da idade ainda estou com tudo no seu devido lugar...

FIGUEIREDO

(Debochado). Eu sei... Tou vendo... Eu acho que é o contrário... Tá tudo fora do lugar... Eu posso dizer um desarranjo de pelanca se ver nesse cenário sinistro... A barriga em cima das pernas... É os peitos tipo pêra... pêra aqui perto do umbigo... Tá faltando lanternagem geral na perua socialite... A senhora parece a protagonista daquele filme...

PUREZA DE JESUS

(Feliz). Eu, protagonista de filme? Mas que filme estás falando?

FIGUEIREDO

A noiva cadáver...

PUREZA DE JESUS

(Com raiva). Que horror... Eu não estou tão acabada assim...

FIGUEIREDO

O mal é esse... O seu problema é ser desprovida do senso do ridículo...

PUREZA DE JESUS

Ok, Figueiredo... Estás parecendo um encosto na minha vida... Me larga, tá? Esse corpo não te pertence...

FIGUEIREDO

(Dá uma risada). Ai, aí... E quem disse que eu quero?

PUREZA DE JESUS

Você vai ver... Os modelos que vou arrumar pra namorar... Tchau... Agora é chegada a hora de ir pra minha caça e pra busca... O horizonte me espera...

FIGUEIREDO

(Com ironia). Pra caça e pra busca... !?

PUREZA DE JESUS

Exatamente isso que você tá ouvindo... Pra caça e pra busca... Ou você queria que eu ficasse aqui trancafiada nessa casa sentada num cadeira de balanço com um xale pendurado no pescoço, fazendo tricô?! Que horror... Só em pensar me dar uma sensação tão ruim... Muitas colegas minhas se entregaram ás baratas... Acho que a única sobrevivente desse naufrágio sou eu... E tou aqui vivinha pra contar tudo que eu ainda vou aprontar... Eu não estou morta... Enquanto elas ficarem estragando a vista tentando enfiar linha no buraco de uma agulha... O mundo lá fora tá cheio de Filé a espera de mulher cheia de amor pra dar...

FIGUEIREDO

(Espantado). O que?

PUREZA DE JESUS

Homem gostoso... Se a natureza quis me passar alguma rasteira, ela foi quem caiu do cavalo... Eu ainda dou um bom caldo, Figueiredo... Hoje mesmo vou pro Clube das Mulheres... (Transição lembrando). Parece que estou aquele monte de homem quase pelado perto de mim... (transição). Chega me dá um frenesi...

FIGUEIREDO

(Deboche). Tou vendo... (Contido). A coisa é bem pior do que eu imaginava...

PUREZA DE JESUS

Lembro-me como se fosse nos dias de hoje... Eu tinha um corpinho de violão, Figueiredo... Bom lembrar daqueles tempos de outrora...

FIGUEIREDO

(Debochado). Bem de outrora mesmo... Isso deve fazer muito tempo...

PUREZA DE JESUS

(Com raiva). Eu odeio esse deboche... Pois fique o senhor sabendo... Que ainda hoje eu sou uma mulher muito desejada...

FIGUEIREDO

Por quem? Pelo velho que veste fraudas?

PUREZA DE JESUS

Não me faz lembrar uma desgraça dessas, que eu morro de raiva do escritor... Eu andava na rua e parava o trânsito...

FIGUEIREDO

Claro... O motorista tem parar... A lei do país é dura pra quem falta com respeito ou atropelam velhos e animais...

PUREZA DE JESUS

(Com ironia). Eu adoro esse seu ar de deboche, sabia, Figueiredo? Bom... Agora estou partindo para pôr em prática o meu instinto de loba... Vou pra caça... É chegada a hora de matar a minha fome rasgando nos dentes uma presa ainda cheirando a leite... (Figueiredo dá uma gargalhada de zombaria).

FIGUEIREDO

Cuidado pra esse sonho não virar um pesadelo...

(Tansição fala contida). Não sabe ele como é bom...

FIGUEIREDO

(Transição sem entender). O que foi que a senhora falou?

PUREZA DE JESUS

(Debochada falando pra platéia). Por que é que todo viado é surdo?

FIGUEIREDO

Eu lhe ouvi muito bem... Eu não sou surdo nada... (Transição). Eu não sei como a Rosilane lhe aguenta...

PUREZA DE JESUS

(Alterada). Mas olha quem fala...

FIGUEIREDO

Tem que aguentar mesmo... Eu que tenho que aturar a sua filha... Aliás... Um filhote de cobra...

PUREZA DE JESUS

Não fale assim da minha filha, seu traste... Nós somos muito bem parecidas... Diferentes alguns detalhes... Por exemplo; jamais eu teria um homem de sua marca pra tá no meu convívio...

FIGUEIREDO

Já pude crer que a Rosilane é a sua imagem e semelhança mesmo... Não tem outro jeito e eu tenho aturar a cobra, aliás, duas cobras juntas... Mas eu aturo a Rosilane que é a minha mulher... A senhora não tenho obrigação nenhuma de lhe aturar...

PUREZA DE JESUS

Tem que aturar mesmo... Eu aturei a Rosilane até os dezoito anos... Graças a Deus que a carga foi dividida com você...

FIGUEIREDO

Agora eu virei saco de pancadas... A senhora aturou a Rosilane até os dezoito porque ela é sua filha e filho é igual a peido a gente só aguenta o nosso porque não tem outro jeito...

PUREZA DE JESUS

É muito abusado, você, Figueiredo...

FIGUEIREDO

Abusado? Realista... De vez em quando ela levanta da cama que parece que saiu do inferno... Os cabelos lá em cima... ohh eu tenho que aguentar tudo isso... Aquele olhar de serpente querendo dar o bote... Não sei o porquê, mas vejo seu retrato ali bem na minha frente...

PUREZA DE JESUS

Coitada da Rosilane...

FIGUEIREDO

Coitado de mim, praga...

PUREZA DE JESUS

(Transição). Olhe aqui, Figueiredo... Vou lhe ser curta e grossa... Se eu pelo sonhar que você andou maltratando o meu bebê eu mesma faço questão de lhe denunciar á autoridades para lhe incluir na lei Maria da Penha... Você não me conhece ainda... Não brinca comigo que pra satanás basta por a rabinho em mim...

FIGUEIREDO

(Irônico). Igualzinho a outra lá...

PUREZA DE JESUS

(Se vira para o escritor) Eu já lhe pedi pra não me expor diante do Figueiredo senhor escritor... Você não conhece o traste que tá criando... Eu tou lhe falando, mas parece que você não quer me escutar...

FIGUEIREDO

(No tom do escritor). Ora... Tente descobrir o ponto fraco dele... Eu lhe escrevi uma mulher esperta... Fale da sua vida com o Silas...

PUREZA DE JESUS

Mas eu sou uma mulher esperta até demais... O que eu não admito é a minha exposição diante do Figueiredo... Eu sei que o senhor tá querendo assim, mas, tá de sacanagem com a minha cara... Tu achas que eu vou admitir que fale da minha intimidade com o Silas? Ora por favor... Me poupe desse constrangimento...

FIGUEIREDO

Mas acho ficou muito legal a forma que eu lhe escrevi... Tem alguma coisa errada... Acho que errei no tempero...

PUREZA DE JESUS

Agora depois de velha virei comida... É cada uma... (Transição). Não tem nada de errado comigo... A única coisa está meio fora do padrão é que o senhor me fez um perfil bem desgraçado... Pelo amor de Deus... Tem sogra cocotinha por aí... com namoradinho novinho desfilando pra cima e pra baixo... viu o namorado que você me arrumou... Só Jesus na causa... Senhor tenha piedade de mim... Ninguém merece o homem que este homem jogou na minha vida...

FIGUEIREDO

(Como o escritor). Tá reclamando de que?

PUREZA DE JESUS

Reclamando de que? (Dá uma risada). Ora! Você é tão engraçado quanto o Figueiredo... Nunca vi tão parecido... Ora senhor escritor... Sabe o que é eu acho do senhor? Nem queira saber...

FIGUEIREDO

Pode falar...

PUREZA DE JESUS

(Contida). Um filho da puta... Olha só que presente tu me deste! O Silas... (Ri). Coitado do Silas... Foi o homem maravilhoso que eu ganhei nas suas entrelinhas? Não tinha coisa melhor pra me dar, não? (Transição com raiva). Tu és um verdadeiro filho da puta mesmo... Olha o meu perfil... Uma velha, cheia de fogo no rabo, num tesão de subir pelas paredes... Tou matando cachorro á grito senhor escritor... Se eu não odiasse tanto o Figueiredo, eu rasgar ele nos dentes como uma loba faminta... Mas eu quero é distância dele assim como o diabo corre da cruz... Mas vamos ser realistas... Apesar de odiar o Figueiredo, ele não é um homem de se jogar fora... A Rosilane, minha filha... Em matéria de homem, ah, ela entende mesmo...

FIGUEIREDO

Vamos com calma, que o Figueiredo é seu genro... Não o seu marido...

PUREZA DE JESUS

Vamos com calma!?... Você fala assim porque não foi você quem foi caluniada, pelo desgraçado do meu genro, me chamando de pédofila... É mole? Depois de velha tá passando por este constrangimento? Por que não inverte os papéis, põe o Silas pra minha filha e me dá um homem tipo o Figueiredo? Afinal de contas, ela ainda é moleca e não sabe nada da vida...

FIGUEIREDO

Tenha calma...

PUREZA DE JESUS

(Quase sem paciência). Tenha calma... Parece que você só sabe falar isso mesmo... O Silas tá lá pedindo pra morrer... Nem ando mais com batom na minha bolsa que não cabe diante de tanta frauda geriátrica... Eu tou frita mesmo nas mãos destes autores malucos, que não tem respeito pelas suas inspirações... Personagem também tem sentimento, tá? Até a enfermeira que toma conta dele... Ficou espantada... Olha que eu fiquei com tanta raiva... Coitado do Silas... Ela perguntou pra ele se ele queria coxa... O velho levantou aquele olhão... E disse todo animado... Heinnnnnn? (Transição imitando o Silas). E enfermeira disse.. mas é coxa de galinhaaaa... E ele disse... Hum, hum... Quero não... E não é que o velho despencou de tristeza só porque ele pensou que a coxa era as pernas da enfermeira? Que velho mais sem vergonha... E eu feito uma besta trocando as fraudas dele direto... Eu pensei que o Silas fosse morrer ali naquela hora...

FIGUEIREDO

Se eu tirasse o velho de circulação como era que a senhora iria matar os seus desejos sedentos?

PUREZA DE JESUS

(Ri com ironia). Você deve tá brincando comigo... Nem reza braba faz o Silas voltar o que era... O que antes olhava sorrindo pras estrelas, hoje tá quase lambendo o chão... Maldita... Maldita hora que eu não o conheci em tempos de outrora... Você, caro autor... Foi muito generoso com o meu Silas, sim... Não custa admitir isso... Mas do que adianta tudo aquilo entre as pernas dele, se nada funciona? Eu hein? É muita crueldade para comigo, não acha... Chega me dar um calor... Me dá um abano... (Transição). No entanto o Figueiredo tá aí... Lindamente na boa... Casado com a Rosilane minha filha, que pra ele é uma modelo de capa revista... Mas tá aí, com tudo no lugar certo e funcionando perfeitamente...

FIGUEIREDO

Será que funciona mesmo?

PUREZA DE JESUS

Ah... Eu conheço a Rosilane... Sabe aquele ditado que diz, que filho de peixe, peixinho é?

FIGUEIREDO

Sim, claro que eu conheço...

PUREZA DE JESUS

Pois é... A Rosilane é uma cria perfeita... Nunca vi tão parecida comigo... E o Figueiredo deve ser na cama a bala que matou Getúlio Vargas... Pelo menos ela nunca reclamou... Pelo menos comigo, não... E morre de ciúmes deste infeliz... E eu tenho tanto ódio disso... Dá vontade de fazer uma revolução no mundo... Virar a cabeça completamente... Aproveitar a era moderna... (Transição). Quer saber? Eu quero radicalizar... Pode escrever aí... Pureza de Jesus... Agora é pureza do Diabo...

FIGUEIREDO

Tá louca?! Não fuja da minha psicologia...

PUREZA DE JESUS

Que psicologia? Você me criou assim... E assim eu vou ficar... Estou vendo o mundo colorido bem na minha frente... Quero me transformar toda... (Começa a por roupas coloridas)... É a parada gay da paulista... Olha quanto viado tem na avenida... (grita). Esperem por mim, amores... eu estou chegando colegas... (Entra uma música e a Pureza de Jesus viaja como se tivesse no meio da parada gay. Em meio a sua viagem cai na real e da de cara com o Figueiredo, ficando totalmente descabreada).

FIGUEIREDO

O que é isso... (Pureza de Jesus fica sem graça).

PUREZA DE JESUS

Isso? Isso sou eu...

FIGUEIREDO

Eu não posso acreditar no que os meus olhos insistem em enxergar...

PUREZA DE JESUS

É melhor você pôr óculos com muito grau porque você não tá vendo porra nenhuma...

FIGUEIREDO

(Irônico). Dona pureza de Jesus... Eu nunca imaginei que depois da longevidade da sua idade... E senhora despertou o seu lado lésbico...

PUREZA DE JESUS

(De salto). O que? Lado o que?

FIGUEIREDO

Lado lésbico...

PUREZA DE JESUS

Por acaso você está duvidando do meu lado mulher? Quero deixar bem claro, que sapato grande é só pros meus pés, hein, Figueiredo?

FIGUEIREDO

Ora... Fale isso pro autor...

PUREZA DE JESUS

Eu não... Ele não é maluco... Sabe muito bem que eu não tenho nenhuma estrutura pra isto... Aposto que até você não escapou dessa...

FIGUEIREDO

Eu também estou no barco... E fiquei numa dúvida terrível da minha sexualidade... Acho que ele tava querendo fazer teste comigo... Pra ver se eu me encaixava no perfil de sua criação... E tu do começou com um exame de rotina num urologista e foi lá que as dúvidas circundavam em minha cabeça...

PUREZA DE JESUS

(Embaraçada). Dúvidas?!

FIGUEIREDO

Nunca senti tanta vontade de beijar um homem como eu quis beijar aquele médico naquele dia...

PUREZA DE JESUS

(Surpresa e escandalizada). Como assim? Não estou entendendo...

FIGUEIREDO

Exame de próstata... O dedo dele era monumental... Igual ao nosso país... Gigante pela própria natureza... Nunca chorei tanto sem vontade de chorar... Cada vez que ele dava aquela rodada de penitência dentro do orifício, mas eu gritava igual a uma hiena desvairada... E não é que foi passado aquela dor horrenda e se transformou numa sensação tão prazerosa que eu acabei querendo beijar a força do doutor? Olhe que coisa estranha... Perdi a virgindade com um dedão grosso... Se contar por aí ninguém acredita...

PUREZA DE JESUS

E eu tava preocupada de contar minha intimidades com o Silas... Pensei de nunca ia ouvir coisa pior... Mas essa dedada foi crucial...

FIGUEIREDO

Na concepção do autor eu virei gay... (Virando a mão). Imagine... (Percebe que tá virando a mão e com a voz robótica). Que horror... (Trasição). Mas o que tá acontecendo com a minha voz?

PUREZA DE JESUS

Sei lá! Eu que pergunto... Eu tou sentindo duas coisas estranhas aqui embaixo das minhas pernas... (Dá uma balançada). Tem uma coisa pendurada balançando também... (Transição). Ai... De repente me deu uma coceira aqui por baixo... Será que eu peguei alguma sarna?

FIGUEIREDO

(Afeminado). Claro, que não, meu amor...

PUREZA DE JESUS

(Escandalizada). O que tá acontecendo com a sua voz, Figueiredo? Você não era assim... Eu apenas perguntei que coceira é essa que eu tou no saco...

AMBOS

SACO?? (Os dois olham para o local).

PUREZA DE JESUS

Eu não tenho saco, Figueiredo...

FIGUEIREDO

(Escandalizado caricaturado). Oh!

PUREZA DE JEUS

O que foi que aconteceu dessa vez?

FIGUEIREDO

Eu acho que eu tou menstruada... (Boca a mão na boca).

PUREZA DE JESUS

Precisamos nos rebelar contra esse escritor maluco... Ele tá brincando conosco, Figueiredo... Como é pode, gente? Eu virei Lésbica? Já pensou na minha idade virar sapata? Não tenho vocação pra isso...

FIGUEIREDO

(Desmunhecando). Não fale assim, Pupu de Jesus... Soa preconceito... E viado hoje em dia conhece mais a lei do que estes advogados de porta de cadeia,,,

PUREZA DE JESUS

(Admirada). Figueiredo, você tá horrível... Olha só a coisa que esse escritor transformou você... Que horror... Se a Rosilene ver o seu estado, vai cometer um assassinato aqui dentro de casa ou vai fazer uma besteira com ela mesma... Eu conheço a minha filha...

FIGUEIREDO

Mas é exagerada mesmo... Isso faz parte das elucubrações do nobre escritor... Fazer o que? Dizem que da cabeça deles que nos cria e de bunda de criança a gente não sabe o que sai...

AMBOS

Merda...

FIGUEIREDO

(Repreende). Cala a boca que ele pode escutar...

PUREZA DE JESUS

Quero que ele se lasque de banda a banda...

FIGUEIREDO

O que é que isso, minha sogra? Não estou lhe conhecendo...

PUREZA DE JESUS

Não vem com falsidade pra cima de mim, Figueiredo... Agora você me chamando de minha sogra? Que é que isso digo eu... Pode parar... Esse sem vergonha desse autor tá brincando com a cara da gente e você vem mandar eu calar a boca... Ah, vai te catar também... Você e ele pronto... Vão os dois de mãos dadas... Aliás vai fazer um excelente par... Você sabe muito o que você virou nas entrelinhas dele... Tenho até vergonha de uma coisa dessas...

FIGUEIREDO

(Decepcionado). Eu sou gay?

PUREZA DE JESUS

(Decepcionada). Eu sou lésbica?

AMBOS – Han?

PUREZA DE JESUS

Ele só pode tá ficando louco, Figueiredo... (Transição). Tem coisa errada aí senhor escritor... Como assim? Meu Deus que vergonha... O que eu vou dizer pra minha filha, Rosilane?

FIGUEIREDO

Pior sou eu... Como eu vou explicar pra minha mulher Rosilane que eu sou igual a ela e também gosto de usar calcinha? Esse escritor só pode tá ficando louco mesmo...

PUREZA DE JESUS

Então é guerra que ele tá querendo...

AMBOS

É guerra que você quer? Então é guerra que você vai ter... (Várias luzes inundam o palco dando ideia de um ring. Pureza de Jesus se comporta bem masculinizada pondo luvas de lutador de box e Figueiredo faz menção que está pondo batom e pó no rosto...

PUREZA DE JESUS

O que está fazendo? Já devia tá se preparando para a luta com este autor idiota... (Se posicionando e põe o artefato nos dentes). Vamos acabar com isso...

FIGUEIREDO

Tenha calma... Tou retocando a minha maquiagem... (Transição). E aí bicha? Tou bem?

PUREZA DE JESUS

Tá horrorosa... Quando eu falo que este autor tá ficando maluco ninguém acredita... Você não tem vocação pra ser viado, Figueiredo...

FIGUEIREDO

E nem você pra ser sapata... Vamos nos comportar como pessoas normais... (Tenta se posicionar como homem, mas vai aos poucos se desmontando). Não dá... Não consigo... É mais forte do que eu...

PUREZA DE JESUS

Eu consigo fácil... (Trambém se posiciona, mas também começa e desmontar e coça o saco). Lá vem a bendita coceira... (Se coça).

AMBOS

QUER PARAR, SENHOR ESCRITOR?

FIGUEIREDO

Ai, tou indo...

PUREZA DE JESUS

Pra onde?

FIGUEIREDO

Ora, viado... A noite é uma criança...

PUREZA DE JESUS

Viado? Mantenha o respeito... Eu sou uma mulher... Quer dizer... Será que eu sou homem? (Transição). Sei lá o que merda eu sou... Sou sei me dá uma vontade de coçar esse saco...

FIGUEIREDO

(Os papeis invertem). Eu tou indo, pupu... O meu ponto está sendo muito concorrido... Tem dois viados querendo disputar comigo... Eu estraçalho a cara das bichas com gilete...

PUREZA DE JESUS

Que violência, Pureza...

FIGUEIREDO

(Escandalizado). Pureza? Ora... Vai te catar... Pureza é você...

PUREZA DE JESUS

Agora mais não... Esse já é passado... Do jeito que as coisas estão andando, ele vai inverter os papéis...

FIGUEIREDO

Então se ele tiver pensando que vai me dar esse desgosto, ele tá muito enganado...

PUREZA DE JESUS

Por uma parte vai ser até bom, sabia? Só assim você vai sentir o que uma sogra passa nas mãos de um genro...

FIGUEIREDO

Isso não vai acontecer, mas se acontecer, Jamais, vou ter essa língua igual a sua... (Transição). Se ele quiser você vai ser até pior... Seu nome ele já querendo me dar... Já pensou que coisa mais horrorosa... Pureza de Jesus? Isso é nome de digno de gente?

PUREZA DE JESUS

Falas assim como se Figueiredo fosse alguma coisa que preste... É cada uma...

FIGUEIREDO

Meu amor... viado adora nome difícil e de preferência que faz biquinho... Por exemplo... (Em caricatura). Vanessa Pith... Laura Rymont... E fazendo biquinho... Que tal... Lana Crispim...

PUREZA DE JESUS

Que horror... Como você sabe de tudo isso?

FIGUEIREDO

O escritor que nas suas entrelinhas me inspira... (Fazendo pose). A saber tudo e mais, mas, mais e mais....

PUREZA DE JESUS

Imagino o nome que ele separou pra mim... (Transição com o escritor). Não... Por favor... Me recuso a escutar agora...

FIGUEIREDO

Mas pu pu...

PUREZA DE JESUS

(Repreende). Pára com com esse negócio de tá me chamando de Pu Pu... Parece nome de cachorro...

FIGUEIREDO

Mas você tem que se conformar... Pu Pu de Ju Ju... é uma abreviatura de Pureza de Jesus... Nome de homem macho é mais simples... Carlão... Ricardão...

PUREZA DE JESUS

Rima até com sapatão... (Transição). Ele não tem esse direito de ficar brincando conosco... Você ver se faz alguma coisa pelo menos pra ele parar com isso...

FIGUEIREDO

Eu? Eu não tenho essa autoridade, meu amor... O escritor é ele e ele faz de você o que ele bem entender...

PUREZA DE JESUS

De mim não... Você tá satisfeito com a forma que o idiota lhe colocou?

FIGUEIREDO

Claro, que não...

PUREZA DE JESUS

Então vamos lutar com todas as nossas forças para não deixar ele vencer essa batalha... Estou vendo que ele quer guerra... Então ele vai ter guerra...

FIGUEIREDO

Olha, PU, PU... Que tanta bandeira colorida é aquela?

PUREZA DE JESUS

Tá vendo o que este desgraçado está fazendo conosco? É a parada gay... Já estamos á caráter... Eles estão vindo pro lado de cá...

FIGUEIREDO

Ah, eu não vou não... Eu morro de vergonha... (Transição boquiaberto). Olha... Aquela lá em cima daquele palanque não é a Rosilane? (Se esconde atrás da Pureza de Jesus). Ela não pode me ver assim vestido desse jeito e com esse trejeito... (Ouve-se um barulhos de multidão se aproximando)

PUREZA DE JESUS

Pára de palhaçada, viado... Não tá vendo que ela aos beijando com outra mulher? Minha filha não... Pode transformar o Figueiredo no que você quiser...

FIGUEIREDO

Logo eu, Pupu?!

PUREZA DE JESUS

É você mesmo... Mexeu com o meu bebê, aí tá mexendo comigo... Se você ainda não viu uma sogra com os pentelhos batendo palma de tanta raiva... Vai ver agora... Ele tá querendo guerra... Vamos atacar...

FIGUEIREDO

Ai, pupu... Vamos sim... Mas a gente não tem armas nenhuma...

PUREZA DE JESUS

Quem foi que disse que não temos figueiredo? Ah... Mas tou vendo que você não me conhece ainda... Vamos reescrever a história...

FIGUEIREDO

Pupu... Você tá louca...

PUREZA DE JESUS

Nós estamos sendo escritos... Podemos escrever o fim dele... Ele agora vai amargar um pouco... Mexer com sogra é a mesma coisa que cutucar o diabo com a vara curta... E ele acabou de me cutucar... Me cutuca, Figueiredo...

FIGUEIREDO

(Sem entender). Eu não sou o autor... Pupu...

PUREZA DE JESUS

Mas me cutuca para que eu tenha mais raiva dele... (Figueiredo cutuca a Pureza de Jesus). Vai mais... Vai, Figueiredo me cutuca...

FIGUEIREDO

Eu tou cutucando, Pupu de Juju...

PUREZA DE JESUS

Ai, que raiva tou sentindo dele... Mas ele vai saber com quem tá mexendo agora... (Entra uma batucada).

FIGUEIREDO

Aí, Pupu... O que tá acontecendo com você?

PUREZA DE JESUS

Não me desconcentra... Vamos reescrever tudo que ele fez... E dessa vez o feitiço dele vai cair em cima do feiticeiro...

FIGUEIREDO

Tou com medo de você... ai...

PUREZA DE JESUS

É maldição de sogra... E essa é pior do que azar de sete gatos... Dizem que um gato tem sete vidas e cada vida é tomada por azar, imagine de sete gatos...

FIGUEIREDO

Nossa... Eu não sabia que você mexia com esse tipo de coisa...

PUREZA DE JESUS

O que? Você vai ver... Ninguém nunca deu jeito na guerra entre genro e sogra, ele agora quer fazer gracinha... (Pureza de Jesus faz todo um Ritual e benze o corpo do Figueiredo e Figueiredo reage, tentando voltar ao seu personagem normal). Sai que esse não te pertence...

FIGUEIREDO

Tou me sentindo como que um peso está saindo das minhas costas... Acho que vai dar certo sim...

PUREZA DE JESUS

Sai encosto... Sai que esse corpo não te pertence... (Começa todo um ritual. Pureza de Jesus começa a falar coisas incompreensíveis. E começa a bater no figueiredo).

FIGUEIREDO

Eu não tou encostado em nada, Pupu...

PUREZA DE JESUS

(Bate novamente). Sai, Sai... Sai...

FIGUEIREDO

Ai... Colega você tá me machucando...

PUREZA DE JESUS

Pára de viadagem... Vamos escrever tudo do nosso jeito... Vamos ver se ele consegue aguentar a pressão... (Os dois começam a falar ao tempo acompanhado de sonoplastia).

AMBOS

Rabisco no final destas linhas uma estória de vida e de morte... (Sonoplastia libera um som, acompanhado de luz, dando entender que a história está sendo refeita).

FIGUEIREDO

De tormento e de humilhação... Ele é a nossa personagem de agora por diante... Aqui ele não vai escapar...

PUREZA DE JESUS

(Dá uma banana). Tá aqui, oh...

FIGUEIREDO

Ah, que coisa feia! Isso foi pra mim, pupu?

PUREZA DE JESUS

Claro, que não... Foi pra ele... E já tá escrito o final dele. Da forma que ele merece. Por isso, desgraçado... Tu vais ter o mesmo final que tu tavas pensando pra peçonhenta da sogra... Ou melhor... Vou fazer ainda pior... Vou te apagar de uma vez por todas, pronto... E se tiver algum superior que receba com a mesma alegria que eu estou te mandando. Ponto final.

FIGUEIREDO

É guerra que ele tá querendo... Então é guerra que ele vai ter... (A sonoplastia vai se tornando mais intensa e as luzes deixando cada vez mais claro que eles estão modificando a história).

PUREZA DE JESUS

É guerra que você quer, caro escritor?

FIGUEIREDO

É guerra que você vai ter...

AMBOS

Se foi guerra que ele procurou... Foi guerra que ele achou... Acabamos com a vida dele... Otário... (Os dois caem na gargalhada. Black-out. As cortinas se fecham, chegando o fim do espetáculo). “SE É GUERRA QUE VOCÊ QUER”.

FIM

TEXTO: SE É GUERRA QUE VOCÊ QUER...

AUTOR: Flávio Cavalcante

MÊS: Agosto

ANO: 2011

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 21/11/2021
Código do texto: T7390492
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