Casa de bonecas
Peça teatral de 1879, "Casa de bonecas" foi escrita pelo norueguês Henrik Ibsen. O enredo gira em torno dos Helmer, uma família comum. Após receber a notícia de que será promovido a diretor de banco, Torvald Helmer se prepara para o natal ao lado da esposa Nora e de seus três filhos.
O que se nota, à primeira vista, é uma atmosfera próspera e feliz. O casal em questão pode facilmente ser confundido com Charles e Emma Bovary, com Luísa e Jorge, de "O Primo Basílio", entre tantos outros casais burgueses da ficção, antes da tormenta que os arrasa. E é a partir desse universo aparentemente perfeito que Ibsen expõe as imposturas e injustiças sociais.
O segredo de Nora é o ponto de tensão crescente no enredo, até a revelação, que, no último ato, desnuda toda a farsa conjugal. Num discurso no qual predominam o orgulho masculino ferido e uma preocupação excessiva com as aparências, Torvald censura a esposa, sintetizando os valores mesquinhos da sociedade patriarcal.
E é assim que a figura da boneca, facilmente reconhecida em Nora, é descaracterizada. Numa espécie de epifania, finalmente, ela reage contra o frívolo papel que lhe foi impingido pelos homens.
Para a palavra boneca, o dicionário traz a seguinte definição:
" Figura tridimensional que representa um corpo humano do sexo feminino, adulto ou criança, de diferentes tamanhos, feita de pano, papelão, plástico, louça etc., usada em geral como brinquedo ou como peça de decoração."
Em suma, a boneca é uma representação: se assemelha ao real, mas não é. Algo com que se brinca ou uma peça decorativa - exatamente o que Nora representa na trama para o marido e todo o seu círculo social: um bibelô, tão somente uma mulher bonita, sem direito a opiniões ou atitudes próprias. Um ser que não é de verdade, com suas pequenas réplicas em sua casa de mentirinha.
E é quando, nesse “grand finale”, compreende-se o título, pois aquele lar é mesmo de brinquedo - tudo ali é falso, até mesmo o casamento de Nora e Helmer, que em tantos anos de vida em comum, segundo ela mesma, nunca tiveram “uma conversa séria”.
Tratada pelo marido de forma infantilizada, com desdém e relativização de sua importância como mulher, Nora decide dizer tudo o que estava “entalado”, tudo o que ela ocultava sob a máscara do “bom comportamento” de esposa ideal. A “ave canora”, por fim, pensa em si, percebendo o engodo de sua gaiola dourada.
Nesse drama de três atos, Ibisen abordou de forma contundente as convenções sociais, sobretudo as do casamento. O texto promove uma intensa reflexão sobre a forma como as mulheres são tratadas na sociedade. Criadas apenas para mães e donas de casa, sem outras ambições ou lugar de fala, na tentativa de fugir de tais imposições, eram e ainda são marginalizadas e excluídas.
Por tratar de temas polêmicos, o autor escandalizou o público, tendo, inclusive, de escrever um final alternativo para Casa de Bonecas, temendo cortes e restrições em relação à obra. O discurso de Nora, transposto para uma peça do século XXI, de forma alguma ficaria deslocado, tamanha sua pertinência. Considerado o pai do drama em prosa e o maior dramaturgo do teatro norueguês, Ibisen traz na peça referida uma problemática que prevalece nos tempos atuais.
Em seu tempo, Henrik foi um dramaturgo controverso que escreveu peças sobre assuntos tabus. Desde o banimento (Peer Gynt), até crianças ilegítimas (O pato selvagem) à sífilis e eutanásia (Espectros), ao suicídio (Hedda Gabler), os personagens de Ibsen ocuparam identidades que poucos na educada sociedade vitoriana se atreviam a mencionar.
(BRUNNEMER, 2011, p.91)
Todos esses ingredientes fizeram muitos considerarem “Casa de bonecas” um texto feminista, embora alguns leitores discordem. O próprio autor, em discurso, declarou que renunciava ao título de defensor dos direitos femininos, pois suas obras abordavam aspectos da condição humana de forma geral. Divergências à parte, embora o foco não seja político, personagens ibisenianas tendem a pôr questões sociais em pauta. O fato é que Nora Helmer, personagem do fim do século XIX, continua incrivelmente contemporânea e faz com que se reflita sobre a posição da mulher ainda nos dias de hoje.
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REFERÊNCIAS
http://michaelis.uol.com.br/modernoportugues/busca/portugues-brasileiro/boneca/
Acesso em 14 nov 2017
IBISEN, Henrik. Casa de bonecas, Editora Veredas, São Paulo, 2007.
BRUNNEMER, Kristin. Sexuality in Henrik Ibisen's A Doll' House. In: Henrik Ibsen: edited and with an introduction by Harld Bloom. NY: Infobase Learning