O Auto do Reino do Sol - Suassuna
O auto do Reino do sol – de Ariano Suassuna
Teatro Riachuelo na Cinelândia
A Companhia de Teatro Barca dos Corações Partidos faz homenagem ao “poeta do sertão”.
Direção de Luiz Carlos Vasconcelos
Texto: Bráulio Tavares
Música: Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho
Idealização e Direção de Produção: Andrea Alves
Com a Cia. Barca dos Corações Partidos: Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano e Ricca Barros.
Impressões
A seca bebeu a chuva. Me alembrei de como é molhar o bico depois de tanta sede. E que saudade de minha gente. A arte cheia de brasilidade surge nos palcos como um horizonte ensanguentado. O Pensamento voa. Poeta navega contra a correnteza. É preciso ter cuidado com essa gente...Lá pro Auto do Reino do Sol de Ariano Suassuna tem amor feito vento que dura enquanto passa. Repente que dói amor com dor. Briga de família. Briga de faca. Sangue na carne. Sobrenomes rivais. Tiro pro alto. Faca no bucho. Grito noturno. O amor uivando sobre o corpo do morto amado. O germe no ventre. Os jagunços atrás de gente...ai Nossa Senhora Aparecida!! Isso não acaba nunca!!! É quixotesca a trama da vida pela estrada a fora até bem lá da cativante Paraíba. E pra chegar lá na terra encantada de Taperoá é preciso encontrar o caminho da pedra do sapato e que gente avoada passa duas vezes por lá e vai pro rumo contrário. Impressão danada de a gente estar sempre perdido nesse mundão doido de “autos” e baixos, farsas e disfarces. Cordéis, cantigas, encanto e beleza, trapalhada circense, o espetáculo dá aquela sensação boa de certeza de céu e esperança de chão. O circo se arma em mim como uma lona de estrelas iluminando a leitura da vida, trazendo um pouco de graça no que é tão mais sinistro. Ah, e fazia tempo eu não olhava pro céu e via nas estrelas em formas de borboletas. É que aqui na cidade grande a gente vai deixando de olhar nos olhos do outro. A secura de beleza dos olhos bebeu na mão de Suassuna através desse grupo de teatro muito do malabares. O circo acampa estrada. O riso acompanha o choro. A brigalhada toda é um despiste só pra gente armar o circo! E soltar repentes como fossem tiros. Tudo contrasta na abóboda deste céu-circo-palco-vida estrelado de regionalidade. Eu chego! Ora se não chego em Taperoá. Lugar inventado e encantado de todos nós. Peguei carona pro caminho de volta se fugidos pouco importa! Que confusão sempre vem atrás mesmo! Mas a gente se dorme, pode ser que volte a sonhar. E o espetáculo foi um sonho! E o que não é a vida senão um sonho? Poesia, música, circo, literatura cheia de nossas cores e tons, encanto, canto, magia e um colorido que foi pra aquarelar os olhos da gente já tão ressequidos de tempos de tanta matança, vingança, traição, pó e cinzas. Deu, pois, vontade de cantar a vida do jeitinho que ela brota por entre as reentrâncias da terra sob esta lona constelada de signos e significados. O circo que é armado no palco parece até a vida gente, acolhe um mundo de gente que traz mais mundo e meio de confusão, mas a tenda segue sua sina cigana sultana de fazer jeito de a vida sorrir. Ah..andar estrada de chão batido de histórias no seco da solidão que essa bem conheço e me acompanha feito essa lua grávida no céu. A soturna sisudez dos vales veste sua capa de cinzentos sentimentos. Afiam-se em duelos contrastantes: de um lado, a rudeza áspera dos acontecimentos do destino e de outro, o lado brincante Rocinante da vida. A trupe com seus tenores cantam ventos nos moinhos de Quixote. E, de repente, uma Dulcinéia metida nesse bando vira uma Maria bonita com a sanfona nos braços! Eu que não sou besta dei meia volta em direção ao sol que ele me chama e arde no reino de minha cigana e jagunçada vida.