Destilando Veneno
DESTILANDO VENENO
Inspiração: Otelo de William Shakespeare
Marée
Ducy é um anjo de candura. A pessoa mais doce que já conheci, minha amiga desde infância. Fez questão de emprestar dinheiro e a sua casa para eu e Thiago fazermos nossa festa de noivado. Que boa amiga, leal, e generosa!
Agnes
Leal?!
Marée
Sim, leal.
Agnes
Leal...
Marée
O que foi, não concorda?
Agnes
Ah, sim claro (em tom grave).
As dissimuladas parecem sempre muito boazinhas...(baixo, quase sussurrando).
Marée
O que disse?
Agnes
Nada; nada demais, apenas concordei contigo. Ducy é realmente muito... Digna e leal.
Marée
Sim, isto eu já havia escutado, quero saber o que disse depois, em voz baixa.
Agnes
Nada de importante, querida, pensei alto. Não era para ter escutado.
Marée
Parecia que falava de Ducy.
Agnes
Quer mesmo saber?
Marée
Por favor!
Agnes
Realmente acha que alguém emprestaria grana e a própria casa por pura bondade? Ah, toda a gentileza para com o seu querido noivinho Thiago, ontem à tarde no parque, também; cordialidade pura, não é mesmo?
Marée
Você acha que os dois estão...?
Agnes
Eu? Eu não acho nada. Não me meta nesta história; respondi apenas o que você queria saber.
Marée
Não, Agnes, não precisa tentar me poupar de nada, conte!
Agnes
Esqueça. Eu nem devia ter comentado. Eu disse sem pensar. É esta mania que tenho de ser honesta sempre. Esqueça tudo o que eu disse, isto não tem a menor importância.
Marée
Você sabe de alguma coisa muito grave e não quer me contar. Se for tão honesta como diz, conte-me o que sabe.
Agnes
Não é novidade para ninguém que Thiago e Ducy são, digamos... Muito ligados, íntimos, amigos! Andam sempre juntos e... Você sabe, as pessoas comentam.
Marée
O que está insinuando? O que há entre Ducy e Thiago?
Agnes
Sabe muito bem!
[Marée empalidece, sente uma tontura e leva as mãos à cabeça].
Está pálida, querida. É a cabeça que dói? (satiricamente).
[Marée leva as mãos à testa e grita desorientadamente: Oh, não! Chifres... - Marée desmaia. Entra Ducy e pergunta]:
O que está havendo aqui?
Agnes
Ataque epiléptico. Ontem mesmo teve uma dessas crises de epilepsia, costuma ter histeria também. É melhor não mexer, senão a boca pode começar a espumar. Eu já chamei o alienista.
[Ducy não obedece e tenta ajudar a amiga a se levantar].
Eu disse para não mexer, deixe-a quieta! – bradou imperativamente Agnes.
Ducy
Eu nunca soube que ela tivesse isto!
Agnes
Decerto ela não quis te contar, digo, talvez não queria que ninguém soubesse.
[ainda zonza, levanta-se de repente Marée, que sacode Ducy e logo depois agarra Ducy pelo pescoço gritando]:
Traidora! Dissimulada! Cínica!
[Ducy tenta se defender dos impropérios, em vão. Enquanto Agnes ria-se loucamente, assistindo àquela cena lastimável. Ducy morre por asfixia].
Marée
Ela... Ela morreu???
[Agnes tornou a rir].
Agnes, o que eu faço?
Agnes
Sei lá. O problema é seu, lindinha, matou porque quis.
Marée
A culpa é toda sua, foi você que me envenenou, dizendo...
Agnes
Não é isto que os policiais saberão.
[Agnes riu novamente].
Tu és tão tola, mas tão tola que me das pena.
Eu menti o tempo todo, porque queria te destruir, te derrocar. E consegui!
[Mais uma vez gargalhou].
Marée
Como? Como assim??? Eu matei minha melhor amiga injustamente? Não, não pode ser! O que eu fiz Meu Deus?
Agnes
A polícia deve estar chegando... Lindinha! Lugar de assassinos é na cadeia!
Marée
Eu não quis matá-la, foi sem querer. Não sou assassina, não sou! (gritava desesperadamente).
[Agnes oferece um canivete, sorrindo deliciosamente para Marée. Marée pega o canivete, corta os pulsos suicidando-se].
Fim.