O MAL ENTENDIDO (Peça de Teatro)
Quando a Escola Veridiana foi anunciada para apresentar a sua peça de teatro no palco do auditório do Parque da Juventude, atentei-me para o título: O que seria o Mal Entendido? Confesso que esperava um texto que trouxesse muitos conflitos, muitas divergências, muitas confusões para ter um final convergente. O que seria óbvio. Mas surpreendi-me diante das múltiplas preciosidades e variedades no uso das linguagens e códigos através da arte apresentadas nesta peça de apenas treze minutos e alguns segundos, uma verdadeira aula.
Alhures, para uma melhor compreensão do leitor, tentarei explanar item a item com o fim único e específico de não deixar de fora nenhum detalhe, ou pelo menos mostrar quase a totalidade dos detalhes, por mim, captados.
A peça se divide em dois atos distintos intercorrentes e contínuos sendo que o primeiro ato se divide em dois momentos e em dois tempos distintos onde o personagem J.R através do tempo psicológico e cronológico vive seus dois momentos, ou seja, no passado e no presente e, no palco dois atores representam o J.R no passado e presente.
O início da peça já dá uma dimensão do que viria pela frente quando os demais personagens, ao som da Sonata ao Luar do Beethoven vão adentrando ao palco e jogando uma moeda na latinha de esmolas do J.R cover, com a locutora contando os fatos no foco narrativo em terceira pessoa, aos moldes da radiofonia brasileira no passado.
A história se passa em três cenários diferentes e a transição entre um cenário e outro é algo inovador, pelo menos para mim. Talvez em uma peça de teatro convencional houvesse a necessidade de realmente se montar três cenários, onde o cenógrafo teria bastante trabalho para colocar em prática. O primeiro ambiente é na Praça da Sé no centro de São Paulo e o outro é um ambiente rural, no interior, com árvores, animais, rio, cachoeiras. E o último ambiente é uma sala de aula.
A disciplina na atuação dos alunos atores, tanto na sonoplastia quanto nas falas quanto nas trocas de cenários quando os participantes da contrarregra se transformam em personagens alunos e, em questão de segundos, já montam o ambiente escolar, sem embaraços.
A trilha sonora trouxe à baila temas clássicos da música Brasileira como o Guarany de Carlos Gomes, sufixo e prefixo da Hora do Brasil utilizado há longos anos e também nos dias de hoje, mas com uma versão mais moderna; O Trenzinho Caipira de Heitor Villa Lobos, para introduzir o ato da escolinha, aos moldes do Projeto Minerva, que funcionou durante décadas e foi o precursor dos atuais tele - cursos ou os cursos à distância on-line. ( O projeto Minerva era transmitido via radiofonia nacional e visava o público que prestava exames supletivos.) Foi uma sacada fantástica na mudança de ato na introdução do ato no cenário da escolinha. E a Sonata ao Luar de Beethoven como trilha sonora iniciando a peça deu um clima lúdico, emocionante, aumentando a expectativa de quem estava na plateia, e a mim como observador do trabalho.
Antes de prosseguir nesta resenha tenho que falar em poucas pinceladas sobre o tema principal, a mensagem principal do texto que é “ A Onomatopeia” uma figura de linguagem muito usada, principalmente nas revistas de quadrinhos e pouco identificada por falta de conhecimento. E é com base neste tema central é que se apresentou uma sonoplastia onomatopeica na primeira parte da peça. E aí é a partir desse ponto que retomo a análise sobre as mudanças de ambientes sem a necessidade de sair do palco e nem de trocar o cenário.
As mudanças de ambientes deram – se de acordo com a narração e, a sonoplastia indicava a mudança: Sons silvestres, no ambiente silvestre e, urbanos, no ambiente urbano. Os atores demonstraram fielmente os sons que indicavam os ambientes. Imitaram sons da natureza, sons dos animais, sons do barulho da grande cidade. Houve um momento em que houve um comparativo do som da cidade e do campo e a sonoplastia demonstrou de maneira rápida e precisa , em segundos.
Os atores na contrarregra se utilizaram da voz, das mãos e dos pés para emitirem os sons onomatopeicos das muitas variedades de sons. Na teia de cantos de galo podemos vislumbrar o poema de João Cabral de Melo Neto, no seu ”Tecendo o Amanhã “ quando só com o coro completo é que J.R acordou do seu sono profundo na fazenda. Acho que foi intencional por parte do texto.
No que tange às linguagens e códigos, os atores se expressaram com a voz nas falas normais e também na emissão dos sons onomatopeicos; Se expressaram através da mímica, usando muito a expressão facial e corporal como veteranos, prova cabal de que foram bem ensaiados.
Agora falarei sobre o texto. No primeiro ato a questão ecológica e social ficou bem evidenciada quando os ambientes, rural e urbano foram demonstrados e a sonoplastia e a mímica ditaram as diferenças entre viver em um ou viver em outro ambiente, neste caso rural e urbano e as suas diferenças e consequências. As onomatopeias estão presentes totalmente na sonoplastia praticada pelos atores que fizeram a contrarregra e a narração sempre seguindo a narração fielmente.
O texto do segundo ato foi planejado dentro do tema central, ”A Onomatopeia” e trabalhou disciplinas como a matemática, mas precisamente a tabuada com respostas dos números cardinais soletrados. É do conhecimento de todos que o estudo da tabuada e das palavras através do soletrando seja talvez o principal passo inicial do letramento do educando.
Na parte de Português as figuras de linguagem, a nova ortografia, o gênero do substantivo, foram demonstrados de maneira lúdica e pedagógica. Por exemplo: Na exemplificação da onomatopeia o som onomatopeico é demostrado pelos atores e da prosopopeia com uma pequena demonstração de dança (expressão corporal).e
Finalmente é na escolinha que de fato a resposta à minha pergunta é dada sobre o mal entendido quando os alunos em cena questionam as figuras de linguagens através das palavras, as questões ortográficas, acentuação gráfica e as gozações, inclusive em inglês completando o ciclo de matérias. Vale ressaltar que se houver uma análise minuciosa, podemos encontrar várias outras figuras de linguagem que aparecem sutilmente no texto. A questão de quantas partes se divide a terra foi trabalhado dentro das figuras de linguagem e de maneira jocosa. idem com a introdução da centopeia puxando um pouquinho a parte de insetos na matéria ciências.
Como veem, em pouco mais de treze minutos a Peça” O Mal Entendido” nos deu uma aula diversificada, aos moldes do Projeto Minerva, que tinha horário a cumprir no rádio, e que, se levada a uma sala de aula , certamente possibilitará aos educandos uma maior facilidade na compreensão da onomatopeia sem muito trabalho.
E no mais, além de os alunos apresentarem praticamente todos os recursos individuais como voz, corpo para demonstrarem as várias linguagens e os vários códigos da linguagem, também se dirigiram no palco, auto se dirigiram, prova de que foram muito bem ensaiados e entenderam a proposta do texto e souberam passar o que entenderam para o público presente no Parque da Juventude. Não sei se o público entendeu a proposta da peça, já que a maioria era de alunos das demais escolas também participantes e também envolvidos no processo de apresentações.
A peça foi escrita de uma maneira simples, ou melhor, foi escrita de uma maneira de como se pode ensinar algo que, no dia a dia em sala de aula parece complicado, de maneira simples, funcional e prático. Foi montada aos moldes de teatro itinerante de rua preparado para ser apresentado em qualquer ambiente, adaptada para o palco do Teatro do Parque da Juventude, podendo ser apresentada dentro de uma sala de aula sem transtornos.
Leiam a seguir a entrevista com a Professora de Língua Portuguesa Alcidécia , a idealizadora e executora do projeto, para que possam conhecer um pouco mais deste trabalho tão fantástico.
J.KL - Professora Alcidécia, como surgiu esse projeto do teatro e a ideia de trabalhar o tema" Onomatopeia"?
Alcidécia - Surgiu com um pedido dos alunos em trabalhar teatro, assistimos alguns filmes e chegamos na ideia inicial de um cenário como se fosse uma sala de aula, e só depois pensamos no tema "onomatopeia".
J.KL - A produção do texto inicialmente seria apenas para mostrar o significado da onomatopeia ou já foi produzido de maneira que, em poucos minutos pudesse passar essa gama de assuntos diversos ou isso foi surgindo de acordo com as tempestades de ideias?
Alcidécia- Primeiro pensamos em trabalhar apenas os sons para representar a onomatopeia, mas em seguida foram surgindo várias ideias que foram somando e dando forma ao projeto.
J.KL - Você, com os seus pares de trabalho já dimensionaram tudo dentro da produção do texto ou, no decorrer do tempo, foram agregando ideias novas e adaptações ou já foi na base do produziu e apresentou e pronto.
Alcidécia - Com certeza, o projeto foi empolgando a todos os envolvidos que acrescentavam mudanças no conteúdo e no formato da peça (texto e estrutura).
J.KL - Quais foram os critérios de escolhas dos alunos?
Alcidécia - Priorizamos dois alunos de outras experiências anteriores, e com ajuda deles montamos o elenco, e mesmo com algumas desistências no decorrer dos ensaios, eles próprios convidavam outros colegas para que o projeto não parasse, e só assim conseguimos tanto êxito.
J.KL - Como foi trabalhar com os alunos e trabalhar os alunos com a ideia e dentro da ideia fazendo com que eles captassem o que de fato o tema teria que transmitir?
Alcidécia - Acredito que foi o incentivo dos professores de várias áreas, apoiando, dando opiniões, contribuindo para a realização dos ensaios e efetiva concretização da peça. Todos os educandos compreenderam o conteúdo trabalhado e conseguiram transmitir de forma bem natural na exposição ao público.
J.KL - Os objetivos foram alcançados? Surgirão novos projetos em decorrência do sucesso deste apresentado hoje, dia 28/08/2014. Existe a possibilidade de novos projetos envolvendo assuntos pedagógicos em forma de teatro e intercâmbio entre escolas envolvendo mais crianças?
Alcidécia - Estamos felizes e realizados com o projeto, pois despertamos em nossos educandos novas possibilidades de aprendizado. Pretendemos continuar o projeto, com novas apresentações em nosso espaço escolar e em outras unidades escolares.