Macbeth, de Shakespeare

Macbeth, de Shakespeare

E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. ( Gn. 4:10 )

Sinopse:
'' Macbeth é uma peça que trata de ambições frustradas e ganância. Macbeth e seu amigo, Banquo, voltavam vitoriosos de uma batalha pelo reino da Escócia quando encontraram três bruxas. As estranhas irmãs saudaram Banquo como o pai de reis e a Macbeth como Barão de Cawdor, que se tornará rei. Pouco depois, Macbeth descobre que o Rei Duncan acabara de tornar Macbeth Barão de Cawdor. A estranha ocorrência depois das profecias das bruxas fica na cabeça de Macbeth e ele escreve a sua mulher sobre isso. Lady Macbeth, ambiciosa e impiedosa, vê o que deve ser feito após ler a carta de Macbeth. Eles devem matar o Rei e tomar o trono. Em breve, Duncan deveria ir ao castelos deles, para passar a noite. Macbeth e sua mulher tramam para matar o Rei e se tornarem os novos governantes da Escócia. Mesmo em dúvida a princípio, Macbeth mata Duncan e um de seus empregados. Lady Macbeth toma a faca e encontra sangue em suas mãos, então eles as lavam antes de despertar os outros para avisá-los sobre os assassinatos.Macbeth se torna rei, mas logo começa a temer Banquo, que ouvira as profecias das bruxas, e a invejá-lo, pois ele seria pai de reis. Inevitavelmente, Macbeth assassina Banquo. Entretanto, os assassinatos ficaram em sua mente a atormentá-lo e ele vê o fantasma de Banquo o perseguindo à mesa. A medida que Macbeth fica mais nervoso, e com maior culpa escondida, suas ações se tornam mais cruéis. Ele mata a mulher e os filhos de Macduff, seu rival, e ouve das bruxas que ninguém nascido de uma mulher poderia matá-lo. Macduff se alia ao filho de Banquo e herdeiro do trono, para enfrentar Macbeth. Eles levam um exército, lutam e destroem a fortaleza de Macbeth. Macbeth, culpado e descontrolado, descobre que sua mulher enlouquecera atormentada pelos crimes que cometera havia se matado. Macbeth luta com Maduff e descobre que ele nascera por uma cesariana e não um parto natural, driblando a profecia. Macbeth é morto e os herdeiros de Banquo tomam o trono.’’(www.netsabercom.br)

          Num mundo onde a violência é cada vez maior, ler e entender esta obra nos ajuda a visualizar o caráter daquele que perde a noção do certo e errado , o respeito ao outro e as razões que levam muitos ao caminho do crime como forma de vida.
          A alma é golpeada de morte quando a ambição desmedida sacrifica conceitos éticos e morais para entronizar a sede de poder no coração do homem.
          O rei Duncan e o tirano Macbeth são forças antagônicas a permear o enredo da peça. O fantasma do rei morto é o sinete da imortalidade, o sino da ética, a humilde voz da consciência sufocada pela vaidade do tirano. As alucinações com o sangue sempre presente nas mãos dão coesão temática ao texto. Se o salário do pecado é a morte, então o sangue inocente a clamar nas consciências culpadas é o algoz da mente corrupta.
          Segundo a bíblia há dois reinos em luta no coração do homem: o reino da carne e o do espírito. Depende de nós; alimentarmos a liberdade que vem de sermos capazes de escolher o que é melhor para nós ou entregar-nos à tirania dos sentidos.
          Macbeth é uma peça sobre a alma de um líder que sacrifica a vida de todos a sua volta para satisfazer seus caprichos e ambição. O retrato de uma nação corrompida por causa da corrupção de seu dirigente. Ross diz, ‘’ Ai, pobre pátria! Mal se conhece a si mesma ! Não se pode chamar de nossa mãe, mas nosso túmulo, onde só sorri aquele que nada sabe...” ( IV – III)
Para muitos é uma peça sangrenta e violenta. Nenhum dos crimes , porém, ocorrem no palco, mas poderosamente descritos em cena.
Segundo a minha leitura , no entanto, este texto é um monumento àquilo que o homem tem de mais precioso - sua consciência.
          Foi escrita em 1606, provavelmente como um tributo a James I, que era descendente do nobre escocês Banquo, com base em fatos históricos descritos nas Crônicas de Holinshed.
          Shakespeare usa a violência para mostrar quão distante do homem que deveríamos ser nos tornamos quando nos corrompemos. É também uma reflexão de como podemos nos tornar insensíveis à voz da verdade no percurso da nossa vida. O autor mostra que a vida perde todo o seu sentido quando valores são deixados para trás, só restando o niilismo existencialista do suicida. Macbeth na cena III ato 5 diz ‘ já vivi bastante, o caminho da minha vida está declinando em direção ao outono de folhas amareladas e, tudo quanto sirva de escolta à velhice: o respeito, o amor, a obediência , o apreço dos amigos; não devo procurar tê-los. Em troca virão maldições recalcadas, mas profundas homenagens de adulação, murmúrios que o pobre coração quisera reprimir e não se atreve a recusar... ‘
          O sangue alheio é apenas conseqüência do sangue moral já derramado no coração daquele que corre a corrida inescrupulosa por poder.
É uma descrição da tirania da irracionalidade amoral de quem dá ouvidos ao sombrio mundo dos sentidos e tenta esmagar a voz da consciência.
Não raro ouvimos relatos de pessoas que aparentemente eram tidas como normais, mas que foram capazes de cometer crimes horrendos.            Recentemente, um jovem ‘ cristão’ matou 80 pessoas na Noruega, outro aqui perto de nós massacrou vários em uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro. Será que isso aconteceu de repente? Será que essas pessoas nasceram assim? É provável que a leitura que elas fizeram da vida que levaram e do mundo ao seu redor as transformaram em doentes. É provável que elas ‘ ouviram vozes’ que as conduziram a tais atitudes.
          Ficamos constrangidos em ver o curso da justiça em nosso país, cada vez mais omissa e ‘ injusta’, sentenças que favorecem o crime e aprisionam o homem de bem. Por isso , muitos começam a não ver sentido na vida e passam a pensar como o Macbeth desiludido do fim da peça: ‘.... a vida é uma história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto, nada significando. ‘ (V – V )
          Quantos são os jovens que por promessas de fama, dinheiro e prazer têm sacrificado suas próprias vidas? Não há padrões de conduta na vida daqueles que deveriam ditá-los, os dirigentes são assim descritos: ‘ Essa avareza penetra profundamente e lança raízes mais perniciosas do que a luxúria, essa flor do estio. Foi a espada que matou nossos reis’.( IV - III )
          O mundo moderno sacrifica seus próprios cidadãos que não conseguem desenvolver uma personalidade sadia. É preciso ser forte para resistir aos apelos da morte. Macbeth, se entregou : ‘ só por ela derramei o ódio no vaso de minha paz e entreguei a jóia de minha vida eterna ao inimigo comum do gênero humano.... ‘ ( III - I )
          O homem é a imagem e semelhança de Deus... não há como fugir a essa realidade, tudo o que distancia o homem dessa realidade torna evidente aquilo que o homem NÃO É .
          No início da peça Macbeth se revela um homem bom, porém ambicioso...
          A profecia das bruxas representam vozes externas a influenciar o coração do homem. A plateia Elizabetana acreditava em bruxas. O ambiente no início da cena III do primeiro ato, conferem uma atmosfera sobrenatural e surreal com trovões e relâmpagos.
          Segundo Banquo, ' os seres de que estamos falando estiveram aqui realmente? Ou será que comemos a erva-de-louco que aprisiona a razão?"
( I-III) Seriam as bruxas seres reais ou imaginárias?
          Na era Elizabetana poder e nobreza eram atributos dos aristocratas que venciam seus inimigos e assim podiam ascender na escala social.
Nós, 'cidadãos-produtos' da pós-modernidade, talvez estejamos expostos a mais vozes do que possamos imaginar, na virtualidade em que estamos envolvidos ficção e realidade se confundem. Ouvimos outro tipo de ‘bruxas’ a nos prometer fama, beleza, poder, riqueza... celebridade.
          Aos ouvidos do homem moderno sussurram outras vozes: a poderosa voz da mídia, a vender sonhos e personagens, a voz da tecnologia, a dar a impressão de poder e eficiência, a magia do império das imagens a transportar a mente a lugares inimagináveis, conferindo sensações e impressões ilimitadas. Vivemos a era do vale tudo... tudo é possível, estamos navegando pelo mundo todo sem sairmos de casa... Estamos rodeados de ‘ magia ‘. Tudo isso é real ou imaginário? Os filmes que assistimos são apenas ficção ou são uma realidade da mente humana? Vivemos já uma realidade virtual ... parecendo algo surreal ...
          ‘ Vinde , irmãs, alegremos o espírito dele e vamos mostrar-lhe o melhor de nossos divertimentos. Vou encantar o ar para que produza sons, enquanto vós executareis vossa fantástica ronda, a fim de que este grande rei possa amavelmente dizer que nossas homenagens lhe festejam a vinda.’ ( IV - I )
Nunca a indústria do entretenimento foi tão presente na vida das pessoas,
( Note que não estou falando de ARTE, estou me referindo a uma indústria. ) Nunca as pessoas foram tão manipuladas em seus gostos e preferências como agora. Os jovens desenvolvem comportamentos que são padrões de uma economia globalizada, todos gostam das mesmas coisas , cada vez mais o cidadão está se tornando um consumidor. Tudo é voltado para atender seu ego, entretanto o século do ‘eu’, foi o que mais descaracterizou o ser humano. Que tipo de ‘ eu ‘ é mais enfatizado pela mídia?
           Se antes crimes hediondos eram prerrogativas só de reis sanguinários, hoje qualquer um é poderoso o suficiente, para, num acesso de loucura, matar quantos quiser.
           Criam-se necessidades que se não atendidas , transformam –se em frustrações. ‘ Nada se ganha, ao contrário, tudo se perde, quando nosso desejo se realiza sem satisfazer-nos. Mais vale ser a vítima do que viver com o crime numa alegria cheia de inquietudes.’ ( III- II )
          Apesar do avanço tecnológico, persistem problemas que são típicos do passado: fome e miséria na Africa, violência nas favelas e nos altos círculos sociais... assassinos em potencial circulando em nosso meio. Porque necessidades são criadas e satisfeitas, mas o desejo da alma não se alimenta de ilusão. ‘... que jamais se acredite nesses demônios enganadores que zombam de nós com oráculos de duplo sentido, murmurando palavras prometedoras aos nossos ouvidos e destruindo nossas esperanças!... Não lutarei contigo” ( IV - VII)
           Macbeth diz ‘ Saciei-me de horrores! A desolação, familiar a meus pensamentos de morte, já não produz em mim qualquer emoção.... Qual o motivo da gritaria? ’
           Quem convive com a juventude atual sabe que eles não sonham mais, estão envoltos em um marasmo espiritual, morrendo no crack, nas drogas, não possuem um sonho pelo qual viver. Não têm prazer na luz do sol... vivem enclausurados em casa, surfando na internet , conectados em rede, mas totalmente isolados na ilha de si mesmos. Um ‘ eu ‘ que não encontra terra firme onde atracar o barco de suas vidas. Macbeth declara-se sem gosto pela vida : ‘ Saciei-me de horrores! A desolação, familiar a meus pensamentos de morte, já não produz em mim qualquer emoção.... Qual o motivo da gritaria? ‘
Como nos entristecemos com a morte precoce de nossos jovens artistas. Muitos deles, objeto da ambição de empresários cínicos, ‘ onde estamos há adagas nos sorriso! O mais perto de nosso sangue é quem está mais perto de derramá-lo’ ( II - I II )
            Se pudésseis , doutor, analisar a urina de meu reino, descobrir a enfermidade e restituir-lhe por meio de um purgante sua boa e primitiva saúde, eu vos aplaudiria até que todos os ecos repetissem meus aplausos!...
( IV- III )
            A doença do nosso século é grave, muito pior do que Shakespeare poderia imaginar. Porque o cidadão moderno não percebe que está doente. Segundo o médico na peça , ‘ É preciso aqui que o doente seja seu próprio médico.’ Nosso século, no entanto, se acha muito inteligente, chama de glamour o que é pura mediocridade, faz propaganda da mentira como se fosse a verdade , usa adagas de ouro e espadas mortais em seus espetáculos diários, banalizando a morte, e ridicularizando a vida - assassino de seus filhos. Abortam-se homens, geram -se ídolos. Mais vale ser famoso do que ser honesto. Mais vale ser forte e poderoso do que ser ético. Segundo Hécate ‘... fará surgir espíritos artificiais, os quais, pela força da ilusão, precipitá-lo-ão na ruína. Ele desprezará o destino, desafiará a morte e terá esperanças acima da sabedoria, da piedade e do temor. Vós bem sabeis: a confiança é o maior inimigo dos mortais.”
           “ Macbeth assassinou o sono... a morte da vida de cada dia ...”( II - II ) . Não seria como diz Santo Agostinho, um tipo de vida que seria - morte vital ou vida fatal?
           Mas a vida sempre vale a pena, segundo Siward, ‘ Alguns devem perecer e, entretanto, julgando pelos que ficaram, tão grande jornada não nos custou tão caro assim.’ ( V – VII)
           Apesar do sangue derramado, há sempre os que morrem como homens, sacrificando suas vidas em favor da vida de outros.
Malcolm diz no fim da peça, “ Instruir o processo dos cruéis ministros desse carrasco... tudo isso e todo o resto necessário, pela Graça da Graça, nós cumpriremos na medida, no tempo e no lugar certo... ‘
             Sempre haverá aqueles que no meio da fúria e do tumulto, oferecem suas vidas como orações silenciosas, para que a semente da ética gere novos homens. ‘Soldados de Deus’, como diz Siward na peça. Heróis anônimos - ‘ Médicos Sem Fronteiras ‘, ‘ Exércitos de amigos”, Embaixadores da Paz, Proclamadores de boas notícias, profissionais sem glória, trabalho independente de heróis que não apreciam ‘ a alegria inquieta dos palácios ’ , preferindo a brisa fresca da liberdade de ser dono do próprio destino, ‘ que fugiram das ‘ armadilhas da vigilante tirania.” (V - VII )
             Macbeth morreu, porque acreditou ser protegido por um feitiço que não poderia ser desfeito por nenhum nascido de mulher. Violou todas as regras, por acreditar-se superior – um super homem. Entretanto, não se pode violar as regras do AMOR. Fomos criados por um propósito divino de AMOR.
               A imortalidade não é atributo dos fortes, mas do que AMAM. O amor é um exercício de fé. Pela fé almejamos uma vida além da morte.
Não existe força maior que o amor. E não existe outro que possa reescrever sua história senão o próprio homem. Se não senhor do seu destino, pelo menos, responsável por suas escolhas. E ao fazer suas escolhas, escreve seu próprio destino.
               Deus, para ensinar-nos esta verdade, fêz-se humano, para que nos tornássemos divinos. Refez a nossa história, manchada de sangue de inocentes, com outro tipo de sangue. O sangue inocente e perfeito de seu Filho, Jesus , para que n´Ele fôssemos livres da tirania dos sentidos da carne. E assim, pela fé e pelo trabalho da ‘ Graça’ nos tornássemos filhos, coerdeiros de um reino eterno de AMOR.

Referências :
MEDEIROS, F. C. de Almeida Cunha; MENDES, Oscar . William Shakespeare. São Paulo: Ed. Abril, 198l.
SparkNotes Editors. (2002). SparkNote on Macbeth. Retrieved August 2, 2011, from http://www.sparknotes.com/shakespeare/macbeth/
SOELLNER, Rolf. Shakespeare´s Patterns of Self-Knowledge. Ohio: Ohio State University Press, 1972.
Bíblia Sagrada – Ed. Revista e atualizada João Ferreira de Almeida.