Sessenta anos e Dorotéia ainda é a mesma
Não tente entrar na casa de Dona Flávia, Maura e Carmelita se não tiver tido a náusea. Se a sua roupa ressaltar alguma parte de seu corpo feminino então, nem passe por perto! Culpe-se eternamente por ter que conviver com seu corpo nu por baixo de suas roupas. Nelson Rodrigues criou em 1949 as três viúvas que nunca dormem, por medo de sonhar com o que a vida lhes priva, e hoje, sessenta anos depois, elas estão vivas no palco do Teatro Gil Vicente, na região central de São Paulo. Na casa das três, a feiúra é regra tão importante quanto não jogar lixo no chão. Quanto mais feia, mais respeitada e mais sábia é a mulher.
A náusea acompanha a família há três gerações e está presente nas noites de núpcias de todas as mulheres. Se uma infeliz não sofrer com essa indisposição na ocasião prevista, há de ser apontada e envergonhada por sua incapacidade de seguir os preceitos familiares por toda a vida.
Dorotéia, a prima bonita, que usa um quarto do pano que as viúvas usam para se vestir, quer ser aceita nesse mundo de castidade e privação. Depois de experimentar os percalços da vida, que incluem a morte repentina do único filho e a experiência da perdição, Dorotéia mostra-se disposta a aceitar as condições das primas para se tornar uma pessoa melhor. Para tal, a moça tem que se livrar do seu belo rosto e esconder o seu belo corpo, que tanto atormenta as viúvas.
A filha de Dona Flávia, Maria das Dores, que se casa com um par de botas, e, segundo a mãe, está morta desde que nasceu, também está presente na montagem, assim como o temido jarro que persegue a protagonista para levá-la de volta ao caminho da perdição. Até o narrador participa ativamente da história, destacando-se em muitos momentos.
A adaptação do grupo Gattu para o conto do eterno Nelson Rodrigues é uma boa pedida àqueles que apreciam um bom teatro. Os recursos corporais e as técnicas de palco utilizadas enriquecem o espetáculo e fazem os que nunca ouviram falar de Dorotéia, sentirem-se ouvindo, muitas vezes, a própria história.
Informações:
Direção: Eloísa Vitz
Com: Eloísa Vitz, Daniela Rocha Rosa, Miriam Jardim, Diogo Pasquim, Elam Lima, Hélio Souto Junior, Laura Vidotto e outros
Duração: 60 minutos
Classificação: 16 anos
Texto: Nelson Rodrigues
Serviço:
Teatro Gil Vicente
Onde: Av. Rudge, 315 - Campos Elíseos - Centro. Telefone: 3618-9014.
Quanto: Ingresso: R$ 30.
Quando: Sábado: 21h e Domingo: 20h