Bela e a Fera, A
Por André Azenha, jornalista e editor do site www.cinezencultural.com.br
Não sou do tipo nacionalista barato, ufanista, daqueles que batem palma para qualquer coisa, independente de mérito e qualidade, oriunda da minha pátria. Mas ao assistir a penúltima noite da temporada 2009 do musical “A Bela e a Fera”, no ótimo Teatro Abril, em São Paulo, fora a emoção causada pela trama em si, foi bonito conferir um espetáculo, adaptado da Broadway sim, mas dirigido, produzido e estrelado por brasileiros de talento e competência. Senti algo parecido quando vi “O Fantasma da Ópera”, no mesmo teatro, em 2005.
A versão brasileira para o “A Bela e a Fera” da Broadway – é bom especificar, pois esteve em cartaz no país uma montagem nacional diferente, de menor orçamento, mas também bacana – já havia sido sucesso de público e crítica em 2002, quando ficou um ano e meio em cartaz na mesma casa de espetáculos e foi vista por 500 mil pessoas, retornando à capital paulista em 30 de abril deste ano, para uma temporada (com apresentações de quarta a domingo) que durou até 26 de julho. E novamente as sessões estiveram lotadas.
Não era para menos. A obra (dividido em dois atos que somados dão 2h40 de duração, com intervalo de vinte minutos entre eles) é irrepreensível. Suas qualidades ganham proporções maiores quando lembramos as dificuldades que existem para que uma obra artística simplesmente aconteça na terra da Lei Rouanet (e quase sempre acontece na base da persistência e da força de vontade de seus realizadores, principalmente no meio independente).
Desde os 32 belíssimos cenários, às coreografias extremamente bem ensaiadas por Floriano Nogueira (cuja carreira começou num musical da Disney, “The Power of Imagination”, quando atuou como bailarino e cantor) e as versões dos experts Cláudio Botelho e Thelmo Perle Munch para as canções originais de Alan Menken e Tim Rice.
Da certeira direção de Augusto Thomas Vannucci, à excelente direção musical de Miguel Briamonte (”Chicago”, “O Fantasma da Ópera”, “Sweet Charity”, “Peter Pan”, “Castelo Rá-tim-bum” e “Miss Saigon”).
Dos magníficos efeitos especiais (alguns em 3D), ao acervo que tem 300 pares de sapatos, 250 perucas de cabelo natural e mais de 300 figurinos.
Tudo é impecável.
Completa a cereja do bolo o elenco extremamente carismático, encabeçado por Ricardo Vieira (Fera), que atuou também nos musicais “Greasy” e “My Fair Lady”, e Lissah Martins (Bela), a qual alguns irão se lembrar como ex-integrante do grupo Rouge (do hit “Ragatanga”), e que parece ter finalmente encontrado seu nicho de trabalho como intérprete e cantora de musicais no teatro.
“A Bela e a Fera” é um conto de fadas originalmente francês, publicado pela primeira vez em 1740, e que resultou em inúmeras versões e adaptações ao longo dos séculos, influenciando, inclusive, outras fábulas, como “King Kong”.
A peça da Broadway, por exemplo, foi baseada no premiado longa-metragem da Disney, primeira animação a ser indicada para a principal categoria do Oscar, Melhor Filme, e vencedora de duas estatuetas na festa da Academia (Trilha Sonora e Canção Original para “Beauty and the Beast”), além de outros troféus adquiridos no Globo de Ouro e no Grammy.
A trama faz parte do imaginário popular. Começa com o tradicional “era uma vez”, para narrar a vida de um príncipe egoísta que vivia em seu belo castelo. Numa noite de inverno bate à sua porta uma velha mendiga que ao pedir abrigo ofereceu uma singela rosa em troca. Tendo seu pedido negado, a velha senhora revela sua verdadeira face. É uma feiticeira, que lança sobre o príncipe um feitiço que o transforma em uma monstruosa fera, e todos os seus empregados em objetos encantados.
A bruxa deixa uma rosa mágica e um espelho como a única visão que o príncipe pode ter do mundo. E para que a magia seja desfeita, ele teria que aprender a amar e ser amado por uma mulher, antes que a rosa encantada perca todas as suas pétalas. Vários anos se passam e a Fera vê surgir uma esperança quando uma jovem do interior, chamada Bela, surge em sua casa.
“A Bela e a Fera”, em sua essência, é um veículo para todos os públicos, todas as idades. Sua mensagem é simples, eficiente e capaz de emocionar, ao combater o preconceito e dizer aquilo que deveria ser natural e inerente às relações humanas: o que importa é o caráter de uma pessoa, suas intenções e atitudes, e não seu visual, sua carcaça.
E o que o espetáculo teatral faz é utilizar a música e a comédia para sensibilizar. Por ser uma fábula atemporal e universal, consegue, toda vez que retorna aos palcos, ou às telas, catalisar a atenção de milhões de pessoas.
Torço para que a montagem brasileira retorne em breve, e de novo, e de novo, e possibilite ás próximas gerações a mesma felicidade que pude conferir neste sábado de inverno.
Mas fica uma ressalva para o alto preço da peça, que no Brasil dá chance apenas a quem é de classe média para cima de conferir a obra. Os empresários culpam aqueles que falsificam as carteirinhas de estudante, que por sua vez, alegam falsificarem as carteirinhas em virtude dos preços abusivos de eventos culturais no país. Um círculo vicioso que parece não ter fim e impede uma maior parcela da população de ter acesso a esse tipo de espetáculo maravilhoso.
PS: Antes de entrar no teatro, era possível, na lanchonete ao lado, comprar o CD, camisetas, canecas e até colares personalizados. O CD, por exemplo, saia por R$ 40,00. Ficou para uma outra hora.