Análise de Édipo Rei
A tragédia é uma das maiores heranças do teatro deixada pelos gregos. Aristóteles, na Poética, aborda minuciosamente esse gênero e considera Édipo Rei o exemplo mais perfeito de tragédia grega. É a imitação de ações de caráter elevado, focalizando a vida e os atos dos homens superiores. Acredita-se que tenha se originado nas festas e rituais dedicados ao deus Dionísio, posteriormente foi tomando um sentido mais amplo e complexo, contendo mitos, conflitos existencialista, passionalismo, etc. O teatro grego teve três grandes tragediógrafos; Ésquilo, Eurípedes e Sófocles. Este último gozou de uma próspera vida.
Sófocles era de uma família abastada, teve uma excelente educação, integrou no coro de jovens, contemplou a expansão imperialista ateniense com Péricles e também sua decadência na Guerra do Peloponeso. Participou da política ativamente, ganhou diversos concursos dramáticos, chegou a derrotar Ésquilo. Escreveu aproximadamente cento e vinte peças, mas apenas sete chegaram até nós. Das sete, as mais famosas são as relacionados ao mito de Édipo ( Édipo Rei, Antígona e Édipo em Colono). A última peça, Édipo em Colono, Sófocles usou-a para se defender no Tribunal de Atenas, pois foi acusado de senilidade pelo próprio filho. Foi absolvido. Morreu aos noventas anos, no mesmo ano em que Eurípedes. Sófocles aborda em suas peças temas que transcendem épocas, conflitos universais que podem ser vivenciados por qualquer pessoa em qualquer tempo. Édipo Rei, a peça abordada nessa análise, é um exemplo perfeito da impotência do homem diante do destino.
Laio, rei de Tebas, é amaldiçoado e avisado pelo oráculo de Delfos que seria morto pelo filho e este desposaria a própria mãe. Temendo o destino e buscando revertê-lo, o rei fura os pés do bebê (daí o nome Édipo, pés inchados) e ordena que o jogue de um penhasco, Jocasta, sua esposa, entrega o filho a um pastor. Este agindo piedosamente, entrega o bebê a Políbio, rei de Corinto, que o cria como filho. Tempos depois, ao ser insultado e acusado de não ser filho legítimo dos reis, Édipo vai consultar o oráculo, que revela apenas, que ele seria o assassino do próprio pai e casaria com a mãe. Por acreditar que Políbio e Mérope eram seus pais verdadeiros, Édipo foge temendo que a desgraça dita pelo oráculo acontecesse.
Numa encruzilhada de três caminhos, Édipo encontra uma comitiva real e mata o homem, que na verdade era Laio, seu pai. Chegando em Tebas, enfrenta a terrível Esfinge, monstro metade mulher e metade leão que devorava aqueles que não conseguissem desvendar seu enigma, Édipo conquista tal façanha. O prêmio pelo ato heróico seria casar-se com a rainha Jocasta, recém- viúva . Édipo desposa a rainha e torna-se rei de Tebas.
Anos passaram-se, Édipo desfrutava de um casamento feliz, era pai de quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia), era um bom governante, querido pelo povo. Uma misteriosa peste toma conta de Tebas, o oráculo de Apolo é consultado e diz que o flagelo só terminaria quando o assassino do rei Laio fosse encontrado e punido. Começa, então, a procura de Édipo pelo assassino, confirmando mais uma vez o governante responsável que era. Como a busca não trouxe resultados, Édipo consulta Tirésias, o advinho, este com relutância revela que o assassino de Laio é o próprio Édipo.Através de elementos como o reconhecimento, Édipo assume sua culpa. E mostra mais uma característica do herói trágico, o caráter elevado. Havia prometido ao povo que puniria e expulsaria o culpado da cidade, pune-se furando os olhos. Jocasta já havia se suicidado ao saber da tragédia. Esse é o fim trágico de Édipo Rei, porém há uma continuidade nas outras obras da trilogia tebana.
Édipo Rei levanta dúvidas sobre até que ponto somos donos das nossas a ações, há nessa tragédia um conflito entre destino e livre arbítrio. Se formos considerar o destino superior à vontade humana, veremos claramente a impotência humana diante dos fatos. Édipo tentou escapar da sua sina, evitar que a previsão do oráculo se cumprisse, mas ao fugir do destino acabou indo ao encontro dele, por mais que tenha tentado revertê-lo a vontade dos deuses foi superior. Por outro lado, se considerarmos a superioridade da vontade humana, o homem “senhor de si”, observaremos Édipo como o responsável por toda a desgraça , e que em alguns momentos poderia ter evitado. Édipo tem uma moral superior, porém tem falha trágica, é essa falha que leva o herói à desgraça. No caso dele, seu defeito é a impulsividade, humor oscilante, como na cena em que ele mata o pai e seus servos por um motivo banal. Até suas virtudes colaboram para o fim trágico; se não fosse tão inteligente e astuto não teria vencido a esfinge, portanto não teria casado com a mãe.
O diálogo entre Édipo e Tirésias é muito interessante e proporciona uma intensa reflexão, pois a cegueira parece estar no próprio Édipo, até esse momento o rei não possuía uma introvisão. Tirésias é a personificação da sabedoria, apesar de não possuir a visão física, possuía uma visão interior, a que faltava em Édipo. A partir do momento que Édipo adquire essa visão, começa a surgir o reconhecimento, que vai se confirmando quando desabafa seu desespero à Jocasta: “Como essa narrativa me traz a dúvida ao espírito, mulher. Como perturba a alma!”. (p.80). A rainha também possui uma personalidade singular, é ambígua, entrega o bebê pra ser morto a um pastor de sua confiança, ora mostra-se incrédula com os oráculos, tem postura digna e autoritária. Quando Édipo começa a desconfiar da verdade Jocasta tenta fazê-lo desistir alegando que o oráculo já falhara outrora. E ao reconhecer sua culpa suicida-se,o que é considerado por Aristóteles, na Poética, como catástrofe, ação perniciosa e ferimento que podem levar à morte. Com Édipo também acontece uma catástrofe, fere os próprios olhos, como uma aceitação de culpa, para se redimir.
Merecidamente, Édipo Rei foi considerado o mais perfeito exemplo de tragédia grega, por Aristóteles. É um clássico, pois sobreviveu ao tempo, continua sendo lido avidamente nos dias atuais e certamente será nas próximas gerações, porque sua temática envolve problemas universais vivenciados pelo homem em qualquer época. Assim, o homem se encontra na obra Édipo Rei. O mito de Édipo influenciou até a psicanálise, Freud se baseou nesse mito para definir o Complexo de Édipo, que é o conflito de sentimentos de amor e ódio vivenciados na infância, onde aquele o filho sente pela mãe e este pelo pai, esse complexo é universal. Assim, o complexo e o mito assemelham-se porque ambos envolvem questões éticas, sociais e tabus. Essa é só uma das inúmeras importâncias dessa peça, que cada vez que é lida oferece um leque de novas análises e estudos.