"A HISTÓRIA DE JOÃO BUFÃO" Peça teatral de: Flávio Cavalcante
A HISTÓRIA DE
JOÃO BUFÃO
TEXTO REGIONAL NORDESTINO
DE
FLÁVIO CAVALCANTE.
ROLL DOS PERSONAGENS
JOÃO BUFÃO
SOCORRO
ESTRANGEIRA
Sinopse
Esta estória também se passa em uma casa simples de uma cidade de interior nordestino. Conta uma estória hilária de um homem rústico, conhecido por João Bufão; este sujeito, que educação para ele é coisa desconhecida, vive em desarmonia com a sua mulher Socorro, por causa de suas bufas estrondosas, e vergonhosas para ela, soltadas em lugares e momentos inadequados. Socorro é do tipo de mulher que age como uma criança, levando muitas a pensar que ela tem um parafuso a menos. O casal mora vizinho a uma vigarista, que por causa de seus cambalachos, se passa por uma estrangeira. Esta não sabe falar muito bem o português; só para disfarçar, claro, da polícia. Ela se passa como a mulher do candidato a prefeito da cidade, e vai à casa de João Bufão para tomar satisfação, por achar, que suas bufas estão vergonhosamente incomodando as reuniões políticas, que acontecem regularmente na sua casa. Ao chegar na casa, João convence através de suas trapaças, que o peidão não é ele e sim o seu cachorro, que todos chamam de Cholinho. Basta que o mesmo diga que o peido do cachorro é mágico, para endoidar a cabeça da trambiqueira, e aí, a confusão começar e assim, levar o espectador à quase morrer de tanto rir, contando apenas o corriqueiro sem apelação.
(Flávio Cavalcante).
A sonoplastia libera uma música regional, as cortinas vão se abrindo. Vê-se no cenário, a sala de uma urbana de interior nordestino. Uma casa muito simples. A luz vai clareando em resistência. Em cena está João bufão sentado numa cadeira de palha e Socorro entra em cena reclamando do peidos sonoros de João Bufão.
SOCORRO
Mas eu num tou dizeno, Jão?! Todas veiz que tu viaja pra esse tá de Traipú, tu vorta cá peste de podre... Eu vou mandar a Mariá chamar o seu moiseise, pra fazer uma benzedura em tu! (Pega o telefone). Mariááá... Tu diche a seu moiseise, pra vim curar Jão? Tá mariá, tá... Não, tá certo, Mariá, tá... Eu só quero que Deus premita que seu moséise venha logo, Mariá! Do jeito que esse home tá, só eu seio, o quanto tou arguentando! Esse home tá pode, Mariááá... Não, Maria! Jão num tá frouxo não... Ele só peida assim, quando viaja pra esse tá de Traipú! Eu num seio o que peste Jão come naquelas banda! Tá Mariá, tá... Tá, Mariá, tá... (João solta um bufa sonora. Transição). Ta orvindo, Mariá?! Eu num seio cum quem Jão aprendeu isso! Esse com certeza é venenoso! Eu num tou arguentando mais, Mariá! Vem logo cum esse home, pelo amor de são Lunguinha! Pro favor! Tá... Venha logo... Um beijo... (Beija o telefone e desliga. Transição com o João Bufão). Que cara mais lisa que tu tem, Jão! Tenha veigonha, me respeite, que eu num sou tua pareceira!
JOÃO BUFÃO
(Com desdém). Tou calado!
SOCORRO
(Repreende). Tá calado o que, João!? Eu tou assim, cum a minha cabeça em tempo estourar, pro causa desses teus peido fedorento; e tu ainda vem dizer... Tou calado?! (Com as mãos na cabeça desesperada chorando). Ai, meu Deus... Oiii, Mariá... Minha cabeça... oi... oi... ai... Eu num seio o que fazer! Ai, ai, ai...
JOÃO BUFÃO
Num foi eu não, também nessa casa tudo é eu é... Foi o cholinho... O cachorro peida e tu diz que foi eu, é? Mas é cada uma...
SOCORRO
O cachorro é quem leva a culpa, peidão safado!
JOAO BUFAO
(Repreende). Socorro... Tu num me chama de safado, Socorro!
SOCORRO
(De salto e com raiva). O que é hein? Tu num vem levantar o tom de voz pra cima deu, Jão! Quando eu digo, que tu é safado é pro que tu é safado e pronto!
JOAO BUFAO
Socorro, tu olha as palavra que tu ta dizendo comigo! Porque... Hum... Eu nunca bati em mulé nenhuma! Nem isso eu gosto de fazer!
SOCORRO
E agora tá querendo dá uma de cavalo do cão, é?! Vai, Jão... Carinha que mamãe beija, macho nenhum bate não, viu?
JOAO BUFAO
(Repreendendo consigo mesmo). Antigamente socorro me respeitava! (Transição). Socorro tu me respeita, que eu sou teu marido, num sou teu macho não...
SOCORRO
(Com raiva). Oia Jão, fecha a greta pro meu lado, visse? Fecha a lasca ! Eu num tenho mais cara de olhar pra minha visinha! A coitada já tá cansada de reclamar desses teus peidos imorá! Isso é pouca vergonha!
JOAO BUFAO
Se ela ta incomodada que se mude! Eu num faço pro que eu quero... (João Bufão levanta a perna e a sonoplastia libera um sonoro pum). Tá vendo?! O que foi que eu diche?
SOCORRO
Eu num digo é nada! Quando ela vir pra cá, quebrar a tua cara!? Eu vou achar é pouco!
JOAO BUFAO
(Com cinismo). E o que é que tu vai fazer, Socorro?
SOCORRO
(Dançando como uma alucinada). Ai, ai... Eu vou rir! E vou rir tanto que vou embolar pela casa... Parecendo uma desesperada! E oi se eu num dançar, viu?! (Canta uma música qualquer). Ai, ai... E dessa música que eu gosto... Tá, eu gosto mermo... (João peida novamente. Transição). Agora, o eu num gosto é disso, esses teus peido ainda me mata de vergonha! A nossa vizinha, tá cá gôta de raiva de tu!
JOÃO BUFÃO
E eu tou calado, Socorro! Num tou nem aí pra ela!
SOCORRO
Cuma tu num tá nem ai pra ela, Joao?! A marido da muié é candidato a prefeito da cidade e ela diche pra eu, cum tanta raiva, Jão, mas cum tanta raiva, que eu nunca vi a muié daquele jeito! Diche que morre de veigonha quando tem gente na casa dela... Diche também, que assim que o marido dela faz uma reunião dentro de casa, ela já fica cum o coração na mão, pega um terço reza tanto ave Maria e padre nosso, que de noite ela fica falando sozinha dormindo, pedindo pra todo tipo de santo pra tu segurar o peido no rabo... Eu achei tão feio quando ela falou esse nome!
JOAO BUFAO
E ela falou essa palavra, assim cuma tu tá dizendo, foi?
SOCORRO
E apois!
JOAO BUFAO
E ainda diz que o imundo é eu... Ela devia ter vergonha disso! Pra ser a muié do prefeito, ela devia manter o respeito! Que ela deixasse essas palavra pra eu, pra tu...
SOCORRO
(De salto). Repara, se eu ando cum essas porcaria na minha boca?! Eu só quero que você pare cum esse negoço de tá dando esses peido rasgado e fedorento, proque se não, daqui a pouco quem vai morrer de vergonha é eu... Já pensou? Tá todo mundo na reunião na casa da vizinha e de repente dá um estrondo desse?! É pra matar quarqué um de veigonha! Eu merma num seio nem onde meto a cara cum a tua pouca veigonha!
JAOA BUFAO
E eu faço proque eu quero, é?! E se me der vontade, tu acha que eu vou me dar o trabalho de negar um peido pra aquela mixta de uma figa? Eu vou bem da um nó nas minha tripa pro causa que ela é mulé do prefeito! Vou já já... E se ela tá incomodada... Que se mude! Agora eu vi uma merda da peste agora mermo! Eu peido quantas veiz eu quiser e pronto... Deixe ela vim conversar merda perto deu, que ela vai sair daqui cum três pau quente e um fervendo!
SOCORRO
Eu já pedi a Mariááá, pra mandar seu moiseise vir aqui curar o teu papeiro! Uma veiz eu diche pra ele o teu probrema e ele acha que e safadeza tua, num e doença não, João! E se for tu devia era fechar essa lasca pra essa vizinha, metida a estrangeira, pro que a coitada é uma mulé de veigonha! (Entra a estrangeira furiosa, com um sotaque estrangeiro).
ESTRANGEIRA
Não é possível uma coisa dessa! Quem é diabo é o peidão?(João aponta de imediato para o cachorro, que está em baixo da mesa).
JOAO BUFAO
É ele...
SOCORRO
(De salto e com raiva). É ele o que, cachorro!? Tu peida e diz que é o cholinho? Tenha veigonha! (Transição). Mentira dele, cholinho não faz isso!
ESTRANGEIRA
O cachorro tem algum problema?
SOCORRO
Não...
JOAO BUFAO
(Repreendendo). Como é que não tem, Socorro?! Meu Deus do céu, eu ensino tanto a esta mulé e ela não aprende a viver no mundo! Claro que o cholinho tem problema, dona Mixta... E é sério o problema dele... Essa minha mulé também tá problemática; e o problema dela é falta de miolo no quengo?
ESTRANGEIRA
O que é isso?
SOCORRO
(Espantada). O que e isso? Essa mulé deve tá variando mermo, Jão Bufão!
JOAO BUFAO
Deixe isso pra lá, que se eu levar o dia todinho pra explicar o que significa isso, a mixta não vai entender uma só palavra!
SOCORRO
Ela não é burra não, Jão! Ai, meu Deus! Eu acho que quem tá ficando doido é tu, jão... (Transição com a estrangeira). Num ligue pra ele não, dona mixta! Isso de vez em quando dá uma variada, que Deus benza...
ESTRANGEIRA
Eu perguntei; quem é o peidão, só isso...
JOAO BUFAO
E eu respondi que foi ele... Não é possível que a senhora não entendeu o que eu falei, dona mixta! Eu não estou aqui pra tá repetindo a merma coisa o tempo todo, que eu num tou ficando doido e nem tou cum cara de besta... Eu mermo sou um home curto e só converso com gente intelectuá...
SOCORRO
Tu tá tão metido a falante, Jão, que eu tou inté com medo desse teu falatório... (Transição). Ligue não, mixta? Esse meu marido tem essas variação de vez em quando, mas num morde não, viu?! O Peidão é ele mermo, num é o cholinho não...
ESTRANGEIRO
Se fosse o cachorro , até que eu não diria nada ... Mas o senhor devia no mínimo ter vergonha na cara, seu peidão safado!
SOCORRO
(Repreendendo). Safado não, dona mixta... Desse jeito a senhora já tá criando uma confusão, que pelo cu tou vendo, a senhora já querendo partir pra briga e eu vou ter que me meter no meio... Jão pode ser peidão, pode ser até afolosado...
JOAO BUFAO
(De salto). Afolosado? Num gostei dessa caganeira mental!
SOCORRO
(Repreende com raiva). Mas eu num tou dizendo?! Eu tou te defendendo e tu ainda vem ficar contra eu?! (Transição). Tá bom, dona mixta... Pode chamar ele do que a senhora quiser... Se eu ligar, eu num quero sair daqui viva! Se eu puder ajudar, poder contar cum eu... (Transição revoltada). Oia, Jão, fecha a lasca pro meu lado! (A estrangeira olha espantada para a Socorro). Descurpa, mas é que eu perdo as estribeira cum esse home!
ESTRANGEIRA
Eu não estou agüentando mais tanto estrondo... Eu morro de vergonha quando meu marido leva os eleitores lá pra casa!
JOAO BUFAO
(Sem entender). Eleitores?!
SOCORRO
Tu num sabe que o marido da gringa é candidato a preito da cidade, Jão! Oh home derligado esse, viu?
ESTRANGEIRA
É por isso que eu estou aqui! Eu só lhe peço pelo amor de Deus, que pare de peidar! Se o senhor continuar com isso, nunca mais o meu marido vai ganhar eleição! Nem conversar a gente pode mais; é o meu marido gritando "Meu povo" de lá, e o senhor responde de cá (Faz um som de peido com a boca). Até a oposição já tá aproveitando a deixa pra escrachar na campanha! Eu só vim aqui falar uma coisa para o senhor! Se o meu marido perder as eleições por causa de seus peidos, eu lhe juro que eu vou cometer um assassinato, sem remorso...
SOCORRO
Não, dona mixta... Aí eu num admito, proque a senhora já tá indo longe demais! Pra matar meu Jão, a senhora precisa premeiramente ter duas xixica, porque cum uma só, a senhora não mata não...
ESTRANGEIRA
(Espantada sem entender). Xixica? O que é isto?
SOCORRO
Não sabe o que é xixica?! Mas é burra, visse Jão?
JOAO BUFAO
É que ela tem uma língua diferente, Socorro... Tu tá cega que num tá vendo que ela fala embolado, que as vez num tem peste que entenda?!
SOCORRO
Ah, mas depois que eu me invocar ela vai me entender e muito bem... Eu vou botar a linguage dela naquele canto e...
JOAO BUFAO
... E o que, Socorro?! Home tu num tá vendo que a gente tá diante da futura primeira dama da cidade?!
ESTRANGEIRA
(Refletindo). Isto é uma verdade! É uma honra ser a mulher de meu marido que vai ser o prefeito da cidade! Agora, é uma desonra ser vizinha de um peidão sem escrúpulos... Descarado, que não tem vergonha na cara de levantar calúnia em cima da coitadinha da cachorra!
SOCORRO
Cachorra não é home... Cholinho é um cachorro... (Pega o cachorro). Oia a pinta dele!
ESTRANGEIRA
(Repreende com raiva). Mantenha a decência!
JOAO BUFAO
Tu tem cuidado, Socorro... Esse cholinho e sem veigonha e tu com esse alisado, daqui a pouco ele vai se animar e...
ESTRANGEIRA
(Sem entender). Se animar? Eu acho tão lindo quando um cachorro balança o rabinho de alegria! Eu tinha uma cadelinha, que era assim mesmo!
SOCORRO
(De olho arregalado para baixo do cachorro. Transição aos berros e com raiva). Tenha veigonha, Cholinho... Respeite sua mãe... Tá cum essa pinta dura pra eu, bem na minha frente...
JOAOA BUFAO
(Repreende). Socorro, oia a mixta!
ESTRANGEIRA
(Com raiva). Eu não estou acreditando no que eu estou ouvindo! Dona Socorro, a falta de vergonha tá partindo agora é da senhora, que no mínimo deveria tá dando bons exemplos de modos para seu marido! Eu não admito uma coisa dessa! Eu estou aqui para resolver o problema deste peidão sem escrúpulos, e não estou aqui para ver o estado de ereção desse guenzo não...
SOCORRO
(De salto). Guenzo não, dona Mixta; tenha prega na sua língua, que a senhora não tá na casa de sua pareceira não!
JOAO BUFAO
(Bate na barriga). Com sua licença, mixta... (Levanta a perna e solta um peido. A estrangeira arregala os olhos espantada).
ESTRANGEIRA
(Aos berros). O que e isso, hein?
SOCORRO
Tu num sabe que e um peido, mixta!? Por que fica perguntando merda?(João Bufão aponta novamente pro cachorro).
JOAO BUFAO
Foi ele!
ESTRANGEIRO
(Furiosa). Ah, mas esse peidão é muito desaforado! Esse sujeito não tem vergonha na cara e o cachorro é quem leva a culpa? Mas é cada uma, que da dez, viu?!
SOCORRO
E eu num tou gostando do jeito que tu tá falando com Jão, visse, mixta... É mió tu ir baixando a pancada, se não, quem perder paciença aqui é eu, e nem os peido de Jão, vai feder mais do que o jeito que eu vou ficar...
JOAO BUFAO
(Amenizando). Espere aí, Socorro... A gente tem que entrar num acordo, num é dona mixta? Vamos fazer um negócio... Cuma a senhora já tá sabendo, eu num peido proque eu quero... A Socorro cansa de me dar um remédio que um tá de moiseise mandou... Mas cada vez que eu tomo esse mardito remédio... Eu sinto logo as minhas tripa esquentá, e fica tudo mexendo assim, parecendo um bocado lombriga... E depois que mexe pro dentro, dona mixta; pode marcar carreira, pode correr dos pés bater na bunda, que a fedentina vai buscar as suas venta até na casa da peste!
ESTRANGEIRA
E o cachorro, onde fica nessa?
JOAO BUFAO
Vai, Socorro, diz pra ela... Me ajuda a desenrolar!
SOCORRO
E eu vou dizer o que, Jão Bufão?
JOAO BUFAO
Eu já vi que tem que ser eu mermo... Oi, dona mixta; a senhora tá vendo esse cachorrinho, mago, sarnento... Cheio de pulga e pereba... E principarmente depenado?
ESTRANGEIRA
Depenado? Estamos falando de um cachorro, ou de uma galinha?
JOAO BUFAO
Home num complique! Claro que é uma galinha... Quer dizer... É... Pode ser... Mas é... Num é, Socorro?
SOCORRO
É, eu não seio, mas acho que é...
ESTRANGEIRA
Eu não estou entendendo é nada... Um diz que é... Outro diz que não é... E como é que é; é ou não é?
SOCORRO
Hein, Jão?
JOAO BUFAO
E, dona mixta! Não é uma galinha e sim um cachorrinho, bonitinho e de linha... Esse cachorrinho vale tanto dinheiro, que eu tenho certeza, que se a senhora comprar, pode escrever que o seu marido já está eleito... Fala arguma coisa, Socorro... O que é que o cholinho faz, Socorro?
SOCORRO
(Sem jeito). Late, num é Jão Bufão?
JOAO BUFAO
Não, Socorro... Ele mia, cacareja... Mas peida também... Só que o peido do cholinho, é muito cheiroso!
ESTRANGEIRA
Que coisa mais nojenta! Para mim não é nada agradável!
SOCORRO
Inté agora eu tou sem entender, Jão... O Cholinho só quer ser o melhorzinho! Tu já viu peido cheirar?! Eu mermo nunca vi!
ESTRANGEIRA
Eu não quero saber de mais nada! Eu quero resolver o problema... Não me interessa saber quem é o peidão, se é o senhor João... Ou se é o cachorro... Eu só quero resolver este assunto, que não tem cristão que agüente! (Transição aos berros). Bota uma rolha nesta garrafa!
SOCORRO
Sem gritar, dona mixta... Por favor, sem gritar! Não grite! Eu num sou nem um pouquinho môca!
JOAO BUFAO
Deixe ela gritar, Socorro... Deixe ela gritar, que só assim, eu não vou dizer a forma de se ganhar dinheiro com os peidos de cholinho! E principalmente, fazer o marido dela ganhar a eleição...
ESTRANGEIRA
(Interessada). Ganhar o que?! A eleição? Eu não estou entendendo nada; seja mais claro, por favor!
SOCORRO
Eu também num tou entendendo bulhufas!
JOAO BUFAO
Por que você é tão burra, quanto a mixta!
ESTRANGEIRA
(De salto e com raiva). Pára com essa historia de mixta, que eu não estou agüentando mais, e diz logo como é que eu faço pra ganhar essa eleição... (Transição). Mas que é esquisito canalizar a vitória de uma eleição através de um peido, é... Mas se de repente a idéia me convencer... Eu vou lhe agradecer... Vou ficar eternamente gratificada...
JOAO BUFAO
(Debochado). Nunca ouvi dizer que eternamente gratificada enchesse barriga de ninguém! A senhora devia me agradecer, dona mixta... O Cholinho pode inté parecer um cachorro guenza, cuma a senhora mesma falou, mas isso aí é um colosso de animá...
SOCORRO
E é jão?
JOAO BUFAO
(Repreendendo). Oia, Socorro... Se tu num quiser ajudar, antonse num atrapalha... Oh mulé, me ajuda pelo menos...
ESTRANGEIRA
O que tem esse vira-lata de tão especial assim, Sr. João? Pelo que eu estou vendo ele me parece ser muito normal... Tanto quanto, um carneiro, um peru, um boi, um veado... (Se refere ao João Bufão o qual arregala os olhos para a estrangeira). E para o senhor me convencer que ele é diferente, tem que dar uma boa prova... Tá certo que se for verdade, o senhor pode estar certo que estamos todos numa boa...
JOAO BUFAO
Quanto à senhora paga pelo cholinho...
ESTRANGEIRA
Nada!
SOCORRO
Nada?
JOAO BUFAO
Como nada, dona mixta?! Respeite o produto pelo menos! Esse cachorro, peida, que é uma benção... É como se fosse poeira mágica, a senhora tá entendendo?! (A estrangeira fica em dúvidas). Eita mixta burra da peste, home... Pode deixar, que eu vou expricar tudinho, pedacinho, por pedacinho, a poeira mágica é um peido abençoado que o cholinho sorta! O efeito é no povo que tá assistindo o seu marido falar... Oi, dona mixta... Pode acreditar por tudo quanto for sagrado, neste mundo... Eu juro pelo meu pai, que deixou minha mãe, desde quando eu era moleque! Pronto! Eu juro pela Socorro...
SOCORRO
(De salto). Tu fecha o pregueado pro meu lado Jão! Tu fecha a lasca de novo pras minhas banda! Tu me tira desse teu invento, que é melhor que tu faz...
ESTRANGEIRA
Não precisa tá jurando não... Diga apenas o que o cachorro tem de especial, para meu precioso marido vencer esta eleição!
JOAO BUFAO
Eu num tou dizendo, que essa mixta tá precisando de uma injeção de esperteza?! Oi, home... Preste atenção! Se não, eu vou ficar aqui falando, falando e vai ser tudo à toa! Faça como a coruja, num diz nada, mas presta uma atenção! Eu vou lhe expricar tudinho de novo! Tenha calma, que a noticia que eu vou lhe dar, tem que ser dada com muita calma, pra senhora e nem seus eleitores ter um ataque... A bufa desse cachorro faz os eleitores votar em seu marido dependendo da altura que ele sortar...
ESTRANGEIRA
(Espantada). Não brinca com coisa séria, seu João... Isto se constitui numa verdade?
JOAO BUFAO
Claro, que sim! (Transição com a Socorro). Eu dei a deixa, Socorro... Agora e cum tu...
SOCORRO
Pra eu?! Tá bom, Jão... Mas também toda merda tu deixa pra eu! (Transição com a estrangeira). É tudo verdade, o que Jão tá falando, dona mixta! Por isso é que o Cholinho vale dinheiro!
JOAO BUFAO
Tá vendo, dona mixta?! A Socorro é uma mulé sabedoura! Uma mulé que gosta de qualidade! Antonse o Cholinho é o produto que a senhora tava precisando...
ESTRANGEIRA
Eu nunca vi uma coisa dessa em toda a minha vida... Nunca ouvi dizer que o peido de um cachorro valesse dinheiro... E tivesse tanto poder assim!
JOAO BUFAO
Do cholinho tem... Pode acreditar no que eu tou falando! Cum esse cachorro, que a gente olhando pra ele num dá uma dose de cachaça por ele é duma eficiência, oi, pode ficar certa, que o seu marido já é prefeito dessa cidade... Num é, Socorro?!
SOCORRO
Pode ficar certa disso... (Transição). Como é, vamos fazer rolo no vira-lata?
ESTRANGEIRA
E caro?
JOAO BUFAO
Pra mim é, mas pra senhora que vive nadando na bufunfa, o valor que a senhora vai ter que pagar por ele vai ser a merma coisa que tirar o doce da boca de uma criança, num é, Socorro?
SOCORRO
Sem chorar ainda mais...
ESTRANGEIRA
Eu tenho interesse no animal...
JOAO BUFAO
Animal não... Também não vamos desconsiderar a fera, dona mixta! Cholinho pode entrar na historia da política desta cidade, daqui a pouco a senhora vai pegar um dinheirão por ele... Qual é a cidade que num vai querer um cachorro peidão desse tipo? Oi, eu tou vendendo o bichinho, porque realmente estamos precisando de dinheiro, num é, Socorro?
SOCORRO
Pra pagar a divida do boteco!
ESTRANGEIRA
(Pensativa). É, eu acho que a reserva que eu fiz pra campanha vai dar pra pagar...
SOCORRO
Começou bem...
JOAO BUFAO
E quanto à senhora tem de reserva, dona mixta? Num venha com mixaria não, que fazer negócio cum pobre é pedir esmola pra dois... E tenho certeza que a senhora num é pobre!
ESTRANGEIRA
Só cinco mil dólares... (Socorro desmaia. Transição tensa). Segura a mulher que ela teve um troço...
JOAO BUFAO
Isso é um cachorro abençoado, dona mixta... E agora rico... Eu preciso até me encostar aqui numa parede se não, quem vai acabar tendo um treco, é eu...
ESTRANGEIRA
Por que? Achou pouco?
SOCORRO
(Ainda tonta, achando demais). Pouco?
ESTRANGEIRA
Sim, pouco?
JOAO BUFAO
Ta pouquíssimo...
SOCORRO
Ai égua... Home deixa de ser zurento!
ESTRANGEIRA
(Sem entender). O que é isso?
JOAO BUFAO
Home, e eu seio lá... Deve ser alguma dor, que ela tá sentindo!
SOCORRO
Da pra falar de novo o valor do Cholinho, dona mixta? Só pra ver se eu entendi dereito...
ESTRANGEIRA
Eu falei cinco mil dólares... (Socorro cai de novo. Transição desesperada). Ela está doida, seu João? É ataque de epilepsia!
JOAO BUFAO
A Socorro num sabe o que é isso não, é que ela é anarfabeta! Agora eu seio... E se a senhora der outra noticia dessa, pode esperar que a Socorro tira a passagem de ida sem vorta vai cair durinha de novo... E a culpa é sua, dona mixta...
ESTRANGEIRA
(Espantada). Minha?
JOAO BUFAO
Quer bem dizer, que é minha?
SOCORRO
Diz de novo o valor...
ESTRANGEIRA
É gostar de ter ataque... (Transição). Como é? Fechado pelo valor?(João faz menção que vai abrir a boca pra falar alguma coisa, mas a Socorro se impede).
SOCORRO
Tá...
JOAO BUFAO
Eu num diche nada...
ESTRANGEIRA
Eu não vou aumentar mais nenhum centavo... É pegar ou largar!
SOCORRO
(Nervosa). Home, deixa de ser burro, Jão... Pega antes que ela desista... Negocio fechado, dona mixta... Pode ficar certa que a senhora fez uma boa compra... Passe pra cá o dinheiro...
ESTRANGEIRA
Fechado, seu João Bufão?
JOAO BUFAO
Vou pensar...
SOCORRO
Pensar o que, Jão!? Home tu fecha a lasca, pro meu lado que é melhor o que tu faz! Tu num tá vendo que eu num vou perder uma oportunidade dessa, Jão? O passarinho tá aqui, na mão da gente e tu ainda tá cunversando merda?! Nem que eu me arrebente no tapa cum tu, mas o negocio tá fechado, dona mixta e eu duvido esse bestão dizer que num tá...
ESTRANGEIRA
Eu estou vendo que acabamos de chegar em um ponto comum... Negocio fechado! (Chamando o cachorro). Chega, Cholinho... (Pega na corda e sai puxando o cholinho. Transição). Agora, como é que eu vou me garantir que o peido desse cachorro vai funcionar mermo, hein, senhor João?
JOAO BUFAO
Hein? ... Diz pra ela, Socorro... Eu já falei tanto, que agora tou cansado dos miolo... Eles já trabalhou muito hoje!
SOCORRO
Eu sabia que nessa poça de merda eu ia ser a primeira a mergulhar de cara... (Transição com a estrangeira). Home, diz logo o que tu quer... Eu nem queria vender o meu cachorro peidão, foi a senhora merma quem insistiu... Agora tá arrependida, é? Nem pense em desistir, quando eu faço uma coisa, nem que eu leve tromba, mas depois que eu faço, tá fazido e pronto...
ESTRAGEIRA
Eu só quero saber como funciona... Afinal de contas eu comprei um produto que não foi nada barato!
JOAO BUFAO
Como tem coragem de dizer uma coisa dessa, dona Mixta?! Meu Deus do céu, como existe gente surenta no mundo! Eu cheguei inté pensar que o único zurento aqui era eu... Dona mixta, a senhora pra ser a mulé do futuro prefeito, devia primeiramente aprender a confiar mais nas pessoas... Se eu estou dizendo que o peido desse cachorro e poderoso, porque e poderoso...
SOCORRO
E garantido! E se a mixta comprou caro, porque o produto é eficiente, num é Jão?
JOAO BUFAO
Eu num vou dizer mais é nada! (Transição). Ah, sim... Não aceitamos devolução, hein?
ESTRANGEIRA
E se não prestar?
JOAO BUFAO
Aí, é problema seu... Eu estou lhe vendendo um produto de qualidade, funcionar, a senhora já viu que funciona... Agora e só levar e usar...
SOCORRO
Na primeira reunião, já vai logo ver a diferença, num é Jão?
JOAO BUFAO
Duvido que não dê certo!
SOCORRO
Pra garantir mais ainda, eu vou lhe dar um remédio que o seu moiseise deu pra dar o jão... Como é pra o cachorro, eu acho que tem que carregar mais na dose... Oi... Vai ser um negócio, viu?(Pega o produto).
ESTRANGEIRA
Dou por vista! Que remédio é este?
JOAO BUFAO
Ah, mixta... Aí é querer saber demais! Eu num vou entregar ouro a bandido, tu vai, é, Socorro?
SOCORRO
(De Salto). Repara, se eu vou dar o segredo a qualquer merda!
ESTRANGEIRA
Por acaso, essa merda... Sou eu?
SOCORRO
Ai, meu Deus do céu... Tenha paciência... A senhora é complicadinha, não é, dona mixta? É desse jeito que a senhora quer eleger o seu marido, é? Se continuar assim, vai ser difici, viu? Num já tá certo? O que nois tinha de mais precioso, foi vendido pra senhora! (Transição olhando pra janela). Oia! Parece que a reunião vai começar na sua casa... Já tem gente que só na sua porta! Eu acho mió a senhora pegar logo o cholinho e se mandar daqui, viu!? E peça a Deus, pra que ele faça o que tiver de fazer na hora certa!
JOAO BUFAO
Cum esse remédio, pode esperar que nunca vai falhar mermo!
ESTRANGEIRA
Tomara, senhor João... Tomara! (Com o cachorro). Vamos embora, Cholinho?! (Sai levando o cachorro).
SOCORRO
Espere ai, dona mixta... Num acha que tá esquecendo alguma coisa não?
ESTRANGEIRA
Não, o que?
SOCORRO
Num tem problema não... Eu lembro! Se tem uma coisa na vida, que não acontece cum eu é esquecer das coisas; principalmente quando uma pessoa, assim como a senhora, se faz de esquecida!
ESTRANGEIRA
Me desculpa, mas eu não sei do que a vocês estão falando!
JOAO BUFAO
Fala logo, Socorro... Tem certas coisas que a gente tem que ser direto... Ela tá falando do dinheiro que a senhora esqueceu de pagar!
ESTRANGEIRA
Eu não esqueci... Primeiro eu vou testar a mercadoria...
SOCORRO
(De salto e com raiva). Mas repara a peste mermo! Mercadoria não... Mas respeito com o cholinho, que ele num é seu pareceiro! Cholinho é um cachorro decente! E também a gente não vende fiado!
ESTRANGEIRO
Eu prometo...
SOCORRO
Num tou vendo nem um santo aqui, pra enricar com promessa! Ou paga agora, ou pode deixar o Cholinho aí! Num tem problema nenhum... O cholinho é um cachorro, pra enricar do dia pra noite; num é Jão? Só basta a gente abrir o bico e daqui a pouco o que num vai fartar é gente querendo comprar, num é Jão?
JOAO BUFAO
E apois...
ESTRANGEIRO
Ah é? Tá certo...(Transição). E por que é que vocês não são ricos?
SOCORRO
Hein... É... Eita, Jão... Dessa vez ficou difice! É porque Jão nunca partiu pra ser candidato, num é Jão?
JOAO BUFAO
É... Nem disso eu gosto! Mas que o Cholinho é eficiente, é, e eu assino embaixo, cuma tou falando a verdade! Dou minha palavra de home, num é à toa, que eu visto essas calca não, dona mixta... Quem olha logo pra esse cachorro, morre de pena, o bichinho só tá o gradeado, é de fome mermo! Nem sarna o coitadinho tem mais, ele é seco assim, por causa das bufas milagrosas que ele sorta! Eu mermo tava cum três mês que num cagava nada! Eu fazia uma forca da peste e num saia nada! Tomei todo tipo de remédio, que a senhora possa imaginar, oi, tomei chá de beterrabo, abroba, limão, berinjela, e disseram que comer cunhão de boi também fazia efeito! E num é que eu comi?! Num fez efeito nenhum!
ESTRANGEIRA
E o senhor teve coragem de comer... Cunhão de boi?
JOAO BUFAO
Pra ficar bom, quem num tem, dona mixta? Eu juro cuma foi verdade... Só vim melhorar depois, que eu cheirei a bufa de cholinho!
ESTRANGEIRA
E onde entra Cholinho na eleição de meu marido?
JOAO BUFAO
Muito simples... (Pensativo). Deixe eu ver...(Transição). Diz pra ela, Socorro!
SOCORRO
Jão é bom tu aprender a desenrolar os teu babado, que só de tanto pensar, pensar, eu já tou as queda aqui dentro de casa... Oi, dona mixta... Esse home tinha um probrema muito sério, que eu tive que arguentá quase cinco dias de ressaca... Cada arroto que esse home dava, num tinha peste quem agüentasse! Mas de repente, quando eu pensei que tudo ia ficar ruim... Esse home... Mudou da água pro vinho... Parecia que ele tava cum uma coisa ruim no coro... Mas também tudo que eu mandava ele fazer, ele fazia... Foi aí, onde eu vi que a bufa de cholinho é de uma importância na vida de cada pessoa que tivesse a oportunidade de cheirar com forca e fé essa bufa tão milagrosa de cholinho, que é tão maravilhoso...
JOAO BUFAO
Agora o Cholinho só sai daqui depois que a senhora deixar as folhas verde na mão de nóis...
ESTRANGEIRA
Se é assim, então eu vou confiar! (Vai abrindo a bolsa). Vou passar um cheque!
SOCORRO
Eu merma num quero! Tu quer, Jão?
JOAO BUFAO
De jeito nenhum... A casa é pobre exatamente porque cobra barato no que vende... Mas também num aceita caloteiro de jeito nenhum...
ESTRANGEIRA
(Com raiva). O senhor tá me chamando de caloteira, senhor João?!
SOCORRO
Do jeito que a senhora tá querendo fazer, isso é coisa de quem tá querendo passar um calote dos brabo mermo... Isso num se faz, dona mixta!
ESTRANGEIRA
Tudo bem... Eu não quero mais saber de nada! Tome o seu cachorro de volta... Não quero mais compra-lo!
JOAO BUFAO
(De salto). Socorro, num atrapalha as coisa! Que coisa mais feia, dona mixta! Depois que a senhora deu a sua palavra de mulé, agora vai querer voltar atrás... É desse jeito que quer conquistar a confiança dos eleitores de seu marido, é? Mas tudo bem; se é assim, pode deixar o bichinho do Cholinho aí... Socorro, liga pra outra parte da política... Vamos mostrar pra ela cuma é que faz o marido dela perder as eleição...
ESTRANGEIRA
O senhor não vai fazer uma coisa dessa!
SOCORRO
Eu tou cum Jão e num abro... Eu vou ajuda-lo na campanha... Pela luz que alumia os seus olho azul...
ESTRANGEIRA
(Fica zarolha). Eu num tenho olho azul?!
SOCORRO
Antonse fica alumiando seus olhos verde mermo!
ESRANGEIRA
Vocês têm certeza, que olharam direitinho para a minha cara? Meus olhos são escuros...
JOAO BUFAO
Ninguém diche o contrário! Tudo é cor... A senhora num venha cum compricação, que aqui num cabe de jeito nenhum... Se quiser desistir do cholinho pode desistir, ninguém tá lhe segurando pelo pescoço... Agora, depois que se arrepender, num venha chorar, que aí, num tem doutor e nem pai de santo que faça eu mudar de idéia...
SOCORRO
Oi, dona mixta, e quando Jão fala é de palavra mermo, viu?! Uma vez ele comprou na venda, diche pro home, o dono da venda, assim... Cum a cara bem dura, assim cuma quem comeu e num gostou, diche pra ele, que num tinha peste que fizesse ele pagar... O no é que o peste num pagou inté hoje?!
ESTRANGEIRA
Eu fico com o cachorro... (Puxa de dentro da bolsa algumas notas de doláres e entrega pra Socorro). Ta aqui... Pode contar... (Socorro olha de um lado para o outro, vira as notas de um lado para o outro. Transição). O que foi?
SOCORRO
Nada! (Conta e faz cara de quem não sabe contar).
ESTRANGEIRA
Esta certo?
SOCORRO
Eu contei e acho que tá; mas pra coisa ficar mais certa ainda, eu vou mandar o Jão dar mais uma contadinha, pra num ficar nenhuma duvida na contada, ta certo, dona mixta?
ESTRANGEIRA
Fique à vontade!
SOCORRO
Toma, Jão... Dá uma contada aí... (Entrega o dinheiro para o João Bufão).
JOAO BUFAO
(Com raiva). E por que tu num conta, Socorro? Por que é que tudo que num presta tu joga pra cima deu, hein? Deu a moléstia mermo! Me dá isso aqui! (Tenta contar o dinheiro). E tudo diferente! Cuma é que conta isso aqui, hein, dona mixta? Sem enrolada, viu, que apesar de eu num conhecer esse dinheiro aí, num quer dizer que eu num conheça dinheiro, eu só quero ver a senhora contar. Eu num vou dizer nada, mas eu vou prestar uma atenção, que se a senhora pensar em enganar nóis, pode ficar certa que tem dois farol de fusca oiando pra ver a safadeza... Aí num vai prestar, viu?
SOCORRO
Esse Jão é a gota serena mermo! (Transição). Ai, égua... Será que eu ouvi dereito? Teus olhos é o que? Não, isso num é um olho mais não! Mas vá, dona mixta... Num precisa contar não, viu? Nóis vai confiar na senhora... Cuma a gente tá falando cum uma mulé decente, que mora parede vizinha cum a nossa, que até um peido se ouvi do outro lado, antonse, num tem pra que num confiar... Qualquer coisa e só ir lá e pegar nossa mercadoria de volta...
JOAO BUFAO
Eu acho, que é por ai...
ESTRANGEIRA
Não, senhor! Não tem nada de é por aí... Num vejo pra que tanta discussão! Se o peido do cachorro é milagroso, então, todos nós vamos ficar satisfeitos com a negociação... (Transição). Bom o dinheiro já tá aí, nas mãos de vocês, agora eu vou lá pra casa preparar essa lavagem...
SOCORRO
Isso num é um poico não, dona mixta... É um cachorro... (A estrangeira sai de cena). Oia só pra isso aqui, Jão... Será que e dinheiro mermo? Home, se num for, mas pela boniteza do papel deve valer muito dinheiro! Eu quero comprar uma casa nova! Benza a Deus o nosso cachorrinho, Cholinho, num é Jão? (João Bufão fica andando de um lado para o outro preocupado).
JOAO BUFAO
Tou calado!
SOCORRO
Tu pode inté ficar calado... Cum esse papel parecido cum dinheiro, eu quero ser pelo menos metida a rica! E tu também, num é Jão?
JOAO BUFAO
Home me deixa eu calado...
SOCORRO
Tu tá parecendo um peru no cio, arrodeando a perua... Uma galinha procurando o ninho pra por o ovo, uma siriema pisando manso pra pegar a isca... Um viado...
JOAO BUFAO
... Pule essa parte, que ai e outra região... Eu nunca cacei pra essas banda, principalmente esse bicho que tu falou aí...
SOCORRO
Antonse para de tá andando pra cima e pra baixo, que eu vou acabar dando um nó meu pescoço... Tu devia era tá dando pulos de alegria... Num é toda hora que a gente consegue fazer uma venda tão bem fazida! E as dispois, o Cholinho só fazia raiva, da bingada nas perna da gente, se coçar e comer que só a peste! Eu só vou sentir farta, quando ele sobia nas minha perna e ficava pensando que eu era arguma cachorrinha... Mas quando eu tava invocada, Jão... Eu rodava a mão pro cima das orelha dele, oi, que eu ficava doida, viu... Eu gritava... Cholinho... Tenha veigonha... Respeite sua mãe... Tá cum a pinta dura, Cholinho...(João Bufão repreende).
JOAO BUFAO
Home cala tua boca, se não, daqui a pouco a casa da gente vem à baixo quando a mixta descobrir que quem sortava os peido era eu...
SOCORRO
E tu acha, que eu acho ruim, é, Jão? E num foi tu mermo que peidou aqui na sala, passou pela cozinha, incensou essa casa todinha e o estrondo depois de abalar essa casa, varou a parede e foi bater na casa da mixta?! Não, Jão... Só um burro pra saber que o peidão num foi tu... Se o Cholinho peidasse daquele jeito, eu merma já tava ganhando dinheiro cum ele, oi, há muito tempo!
JOAO BUFAO
É o meu medo, Socorro...
SOCORRO
Medo de que Jão? Tu num tá se afrouxando, depois de tudo que tu aprontou!? Oi aqui, Jão... Tu me botou na dança a agora vai ter que dançar cum eu...
JOAO BUFAO
Essa mulé é a peste virada em gente, Socorro... Vamos fazer uma corrente bem forte, pra que o Cholinho peide na hora certa e cum efeito sonoro...
SOCORRO
Num vai precisar, primeiro proque... Ele num tem essa mania feia que tu tem... Apesar de ser um cachorro, tem mais educação que tu... Mermo ele cum vontade, ele num faz na frente de ninguém...
JOAO BUFAO
Tu num diz uma coisa dessa nem de brincadeira! Eu tou é lascado, se esse cachorro num peidar na hora certa! Ela vem virada na gota! Eu num seio mais o que fazer... E além de tudo, vem devolver aquela praga de volta e levar esse monte de dinheiro de novo...
SOCORRO
(De salto). O que? Levar o meu dinheiro de volta? Ah, mas nem que eu me arrebente no tapa cum ela, isso num vai acontecer! Negocio é negocio! (Entra a Estrangeira com alguma coisa imóvel dentro de um saco).
ESTRANGEIRA
(Furiosa). Ah, como eu tou virada de raiva! (Transição). É com o senhor mesmo que eu quero falar...
SOCORRO
(De salto e aos berros). Num venha pra cá cum a sua história de devolver o dinheiro não, que isso, dona mixta... Nem que eu me arrebente no tapa cum a senhora, eu sorto isso aqui!
ESTRANGEIRA
Eu não vim para isto...
JOAO BUFAO
Graças a Deus...
ESTRANGEIRA
(Com raiva).Eu vim dar umas bombadas nesse sujeito!
SOCORRO
Só que esse sujeito, dona mixta... É o meu marido! E pra senhora dar umas bombadas no meu marido, pode ir se armando pra dar uma bombada neu primeiro!
ESTRANGEIRA
Não seja por isso... (Parte pra cima da Socorro e as duas se agarram no tapa embolando pelo chão).
JOAO BUFAO
Ai, meu santo piriquito! (Separa as duas que se xingam).
SOCORRO
Poica... Eu vou fazer uma macumba cum o Zé pilintra, que eu vou lhe deixar toda intrevada!
JOAO BUFAO
Deixa de teu faro, Socorro!
SOCORRO
Fecha o preguiado pro meu lado, Jão... Eu tou te defendendo dessa coisa e tu ainda vem me escuiambá... Mas eu num tou dizendo... Só matando um peste desse mermo...
ESTRANGEIRA
Caloteiros, enrolões...
SOCORRO
Caloteiro não... Enrolão, pior ainda... Vai contar quantas pregas ainda resta na tua língua, oh, gringa desaforada! Vai olhar seu eu ainda tou ali na esquina! Tu devia tá puxando os cabelos do teu... (João bufão da um grito, dando basta).
JOAO BUFAO
(Gritando). Olhe a apelação, Socorro! (Transição). O que é isso, dona mixta!? Que coisa mais feia... Invadir a casa dos outros sem a devida permissão?! A senhora poderia pelo menos me dizer o que é que tá acontecendo? Desse jeito, eu só vou ficar cuma merda n’água, cuma toca gado de baixo pra cima de cima pra baixo e o que é pior, sem entender bulhufas nenhuma
ESTRANGEIRA
Veja o cachorro que o senhor acabou de me vender...
SOCORRO
O que foi que aconteceu com o Cholinho, dona mixta?
ESTRANGEIRA
Endureceu... Entrevou!
SOCORRO
Endureceu? Entrevou?
JOAO BUFAO
A senhora matou o Cholinho, dona mixta! Que malvadeza! Num pensei que a senhora tivesse esse instinto de mulé tão mal...
ESTRANGEIRA
E eu tive lá culpa desse desgraçado morrer... Eu só fiz dar antecipado o remédio, só deu tempo chegar na porta de casa... Eu vi o bicho arregalando os olhos pro meu lado... Que eu pensei inté que ele tivesse querendo me morder... Depois ele esticou as pernas... Ai eu disse... O bichinho esta se espreguiçando... Mas não o ultimo latido do infeliz, fez ele ficar assim, durinho, durinho... Enferrujou...
SOCORRO
(Desesperada). Ai, meu Deus... Eu vou telefonar pra mariá... Vou chamar o seu moiseise, pra curar o Cholinho... (Pega o telefone e disca um numero qualquer). Mariáááá... Cholinho morreu... Cholinho... Não Mariá, tá... Eu num seio Mariá, tá... Tá, Mariá, tá... Não, enterro ele aqui no quintal mermo... Pode deixar! (Desliga o telefone. Transição com a mão na cabeça como quem esta desesperada). Ai, meu Deus... Cholinho morreu... Assassina, mixta... Foi a senhora quem matou o meu cholinho... Ai... Ai... Ai...
JOAO BUFAO
Deixa de ser besta, Socorro... Guenzo a gente encontra em todo canto por aí...
ESTRANGEIRA
Não precisa chorar... O dinheiro que eu paguei por ele não da pra comprar outro cachorro não? (Socorro pára de chorar bruscamente).
SOCORRO
Da... Craro, que dá... E como dá, num é, Jão?
JOAO BUFAO
E num é, home?
ESTRANGEIRA
O prejuízo foi meu! Quem perdeu fui eu!
SOCORRO
A senhora perdeu o seu dinheiro, mas eu perdi o Cholinho... Eu perdi de ver a safadeza dele, quando ficava dando bingada na minha perna... Que Deus bote ele num bom lugar!
JOAO BUFAO
Vai botar, Socorro... Vai botar!
SOCORRO
(Desesperada). Ai, meu Deus... Eu sabia que eu num ia agüentar viver, se um dia Cholinho morresse... Ai, cuma é dura essa cruz, que eu tou carregando...
ESTRANGEIRA
Mas a senhora estava boazinha agora, de repente se desmancha em lágrimas, como se alguém tivesse lhe matando...
SOCORRO
A senhora matou o meu cholinho...
ESTRANGEIRA
Seu não... Quem devia estar no seu estado era eu, que perdi cinco mil dólares, que eu dei pelo cachorro peidão e agora nem um e nem outro... Perdi tudo e tudo foi por causa daquele remédio que a senhora mesma deu pra eu dar pra ele... Aquele remédio foi que matou o cholinho!
JOAO BUFAO
(Dando um tapa na testa, como lembrou de alguma coisa). Eita!
SOCORRO
O que foi?
ESTRANGEIRA
Algum problema, senhor João?
JOAO BUFAO
(Com desdém). Não, só estava falando com os meus botões!
SOCORRO
Mas que você ficou estranho, ficou... E isso está me deixando pensar que você também tá envolvido na morte de Cholinho, Jão...
ESTRANGEIRA
E se tiver mesmo, pode ir devolvendo o dinheiro que eu não estou aqui pra fazer papel de besta não...
SOCORRO
(Querendo se safar). Isto é o que eu estou pensando, dona mixta... Eu tou achando que a senhora tá dizendo coisa que num deve antes da hora... Isso não quer dizer que o Jão realmente teve culpa...
JOAO BUFAO
Eu mermo num fiz nada demais... O remédio que a senhora levou foi o mermo que eu tomei! Só que a gente deu uma dose mais forte!
ESTRANGEIRA
Pois foi o remédio que matou o cachorro...
SOCORRO
Eita remédio venenoso da peste...
ESTRANGEIRA
(Expondo o remédio) Foi esse aqui...
JOAO BUFAO
(Pega o remédio). É isso aqui, que eu estou tomando, Socorro? Isso aqui num e bicarbonato...
SOCORRO
(Espantada). Não?
JOAO BUFAO
Isso aqui e carbureto!
SOCORRO
(Mais espantada ainda). Carbureto? E tu tomou carbureto até agora e ainda tá aí contando estória? Eu já vi que o pau só quebra na cabeça do mais fraco mermo! Coitado do Cholinho!
ESTRANGEIRA
E por que o senhor estava tomando esse remédio, seu João?
JOAO BUFAO
(Embaraçado). Ai, meu Deus... Essa mulé progunta demais, Socorro... E eu seio lá, dona mixta? Só seio que quem me dava remédio era a Socorro; antonse progunte a ela...
SOCORRO
Mas é tu nada! Me tire dessa, viu Jão... Tu fecha... (E atrapalhado pela Estrangeira).
ESTRANGEIRA
(A estrangeira imita a Socorro). A lasca... Tu fecha o pregueado... (Transição). Mantenha a classe... Tudo que vocês falam é com palavras feias na boca...
JOAO BUFAO
Pra senhora ver, dona mixta... A cruz que eu tenho que carregar nas costas...
SOCORRO
(De salto e com raiva). E por acaso, essa cruz é eu Jão? Eu num seio o proque, ainda fico ouvindo essas coisas... Eu num seio aonde é que eu tou, que num já meti a mão na tua cara, seu João peidão safado...
ESTRAGEIRA
(De olhos arregalados). Peidão o que?
JOAO BUFAO
(Repreende). Socorro, não estraga...
SOCORRO
(Com raiva). Não estraga? Tu me joga nas tuas cachorradas e ainda tem coragem de dizer que eu sou tua cruz, sujeito?
JOAO BUFAO
Home, eu tou falando outro negocio...
ESTRANGEIRA
Pelo que eu ouvi, a senhora dona Socorro... Chamou o senhor João de peidao... Quer dizer, que quem soltava aquelas bufas estrondosas não era o Cholinho e sim, o senhor João... Eu desconfiava que tinha entrado numa enrascada!
SOCORRO
Era ele sim...
JOAO BUFAO
(Repreende em tom alto). Socorro...
ESTRANGEIRA
Eu não disse?! Quando eu desconfio de uma coisa, ou é, ou tá pra ser! Vamos... De pressa... Passe pra cá o meu dinheiro de volta...
SOCORRO
(Com raiva). Dinheiro?! E quem disse que a informação que eu lhe dei é de graça... Tá elas por elas, dona mixta... Esse dinheiro num sai da minha mão nem que arranque meu coro, amarrada num pé de mandacaru e depois me dê uma surra de urtiga, cansanção e xiquexique...
ESTRANGEIRA
Eu fui passada para trás... Isso é caso de policia... (Gritando). Socorro! Chamem a policia...
SOCORRO
Que vai chamar a policia? Eu, Maria das Socorro? Ai, ai... Queria
ESTRANGEIRA
Claro que eu vou receber o meu dinheiro de volta... Vocês agiram de má fé... O seu marido é um pilantra...
SOCORRO
Pilantra não... Tenha mais respeito, que a mixta num tá na sua casa... Aqui dentro a senhora tem que cantar a música que a gente botar! Ele pode ser esperto, pode num prestar... Pode ate sair roncando e fuçando por aí... Latindo cuma um cachorro doido... Mas deixe que isso eu merma chamo... A patroa dele ainda é eu... E quem manda nesse frebento ainda é eu também... Se o peidão é ele, e a senhora acreditou que era o cachorro, é probrema seu, dona mixta... A vida é isso mermo... É vivendo e aprendendo... Eu tenho certeza que depois dessa, nunca mais a senhora se passa...
ESTRANGEIRA
Quer dizer que a senhora também sabia que era ele quem peidava ao invés do cachorro?
SOCORRO
Eu num falei nada disso! As orelha é sua e ouve o que quer!
JOAO BUFAO
A Socorro tem razão...
ESTRANGEIRA
Vocês me fizeram de otária? Isso mesmo que vocês acabaram de me fazer... Vocês estão me achando cum cara de otária...
JOAO BUFAO
Tá aprendendo a adivinhar, dona mixta?
SOCORRO
Vai ver que ela virou bruxa de repente... Cadê a bola de cristal, hein, dona mixta? Já aprendeu a voar em vassouras?
ESTRANGEIRA
(Espantada). Que adivinhar? Que bruxa? Que vassoura?
SOCORRO
Ora dona mixta, bruxa! Se lhe der uma vassoura a senhora vai conhecer o mundo montada nela...
JOAO BUFAO
Eu acho incrível como a senhora tem essas propriedades e ainda não sabe quem é realmente o peidão da casa, que está incomodando a candidatura de seu marido... Francamente!
SOCORRO
Francamente mermo!
ESTRANGEIRA
Vocês mesmo acabaram de dizer que é o senhor João quem...
SOCORRO
Essa historia a senhora já falou... Agora mude o disco que estamos falando de outro assunto, que misturado com esse, vai dar a merma coisa que a gente tá falando, num é Jão?
JOAO BUFAO
Eu fiquei meio sem entender... Mas é...
ESTRANGEIRA
Eu é que num tou entendendo mais é nada! O cachorro tá aí, durinho, que parece um pedaço de pau! Eu não quero saber de muita conversa! Eu dei nesse cachorro os olhos da cara! Eu comprei um produto de qualidade e vocês mesmos me garantiu isso... Agora deu problema...
SOCORRO
Ninguém garantiu nada, dona mixta... O problema todinho foi que a senhora se empolgou demais e aí num deixou a gente falar! O cachorro saiu daqui funcionando, incrusive, dona mixta... Saiu peidando, que a senhora num é môca das oiça... (Transição). Que o Cholinho peidava, peidava, que num tá cá peste da senhora dizer o contrário... Daí o motivo da senhora vir aqui... O Jão tá aí de prova, e se a senhora tá pensando que vai tirar esse dinheiro da minha mão, pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, que ele pode se molhar... (Transição). Oia, Jão... Ai, ai, ela pensa que eu sou besta... Nem ligo...
JOAO BUFAO
Deixe eu dar uma olhadinha no Cholinho, dona mixta! (Vai se aproximando do saco. Transição. Espantado). Não... (A estrangeira arregala os olhos).
ESTRANGEIRA
(Espantada). O que?
SOCORRO
(Também se aproxima). Com esse espanto todo, eu também quero dar uma espiada! (Olha para o interior do saco. Transição também espantada). Não... (A estrangeira arregala os olhos ainda mais).
ESTRANGEIRA
Pelo amor de Deus me digam o que?
JOAO BUFAO
Espere aí, dona mixta... (Afasta a estrangeira) Vamos se afastar que a coisa que eu tou vendo aqui bem diante dos meus olhos não é nada interessante...
ESTRANGEIRA
(Espantada). E o que é que o senhor está vendo, seu João?
JOAO BUFAO
Eu não tenho nem coragem de lhe dizer uma coisa dessa, dona mixta...
ESTRANGEIRA
(Assustada de olhos arregalados). Diga sim, diga...
JOAO BUFAO
Eu mesmo num tenho coragem... Diz tu, Socorro...
SOCORRO
(Se afasta falando consigo mesma). Ai, meu Deus... O que peste eu vou dizer... (Coça a cabeça. Transição). Já seio...
JOAO BUFAO
(Vibrando de alegria). Já sabe?! Você é uma gênia!
ESTRANGEIRA
(Repreende). Ela um gênio, seu João...
SOCORRO
Obrigada, dona mixta... Eita, que cum essa eu fiquei toda arrepeada...
JOAO BUFAO
Não, senhora, é uma gênia mermo... A senhora por acaso tá cega, que num tá vendo que a gente tá falando com a Socorro e a Socorro é uma mulé, dona mixta? Eu num sabia que na sua terra tem tanta gente burra assim... Mas faça pelo menos um esforço pra entender o que a Socorro descobriu... Que no mínimo, foi uma grande verdade...
SOCORRO
E foi mermo... A senhora tá vendo o estado do Cholinho num tá?
ESTRANGEIRA
Tou vendo!
SOCORRO
Já se olhou no espelho pra ver como a senhora tá também?! Num tá se sentindo mais leve não?
JOAO BUFAO
Assim, cuma quando as penas tá fora do coro da galinha!
ESTRANGEIRA
Não...
SOCORRO
Apois daqui a pouco a senhora vai ficar, porque o problema num tá, nem neu, nem no Jão e nem no Cholinho... O problema tá na senhora merma! Seus olhos tá mais apagado do que noite sem lua e sem estrela... Sua pele tá amalera que dá pra ver que num tem um pingo de sangue dentro dela... O Cholinho foi a sua sarvação!
JOAO BUFAO
(Como quem esta aliviado). Foi isso mermo!
ESTRAGEIRA
E como é que vocês sabem disso?
SOCORRO
Hein? ... É... Aí já parte pra meu assistente Jão...
JOAO BUFAO
Eu tinha certeza que a merda ia embolar, embolar e ia acertar justamente na cabeça do otário aqui... Dizido e fazido! Nois sabe, pela experiência de nossos avós...
ESTRANGEIRA
Nesse ponto vocês estão cobertos de razão... As pessoas velhas tinham essas palavras como regras... É verdade sim... Sabedoria popular...
SOCORRO
É o sabedouro do povo... Apois foi isso mermo que aconteceu... Cholinho puxou a sua doença todinha pra ele... Num foi, Jão?
JOAO BUFAO
Foi...
ESTRANGEIRA
Cachorrinho abençoado, esse Cholinho... O bichinho morreu por mim... Eu gostaria nesse momento que ele me entendesse pra eu poder agradecer...
SOCORRO
Como ele não entendia... Não entende e nem vai entender, a senhora deixa mais um corinho na caixinha que aí tá resorvido, num é Jão?
JOAO BUFAO
O cholinho vai lhe agradecer onde quer que teja...
ESTRANGEIRA
Mais eu já paguei muito caro pelo cachorro!
SOCORRO
Era, caro... Mas agora ficou mais caro ainda... E oi, que se num botar mais um corinho... Toda doença do cholinho vai voltar pra senhora, viu? Eu num digo mais é nada...
ESTRANGEIRA
Todo dinheiro que eu tinha, eu lhe dei... Eu num tenho mais nem um tostão pra contar história! Aliás, tome a bolsa... Me lembrei que ainda resta alguma coisa! (Entrega a bolsa para a Socorro. Ouve-se um barulho de sirene de polícia. Transição Espantada). Escutem... São eles... São eles... (Levanta um revolver, que estava dentro de seu porta-seios).
JOAO BUFAO
(Se esconde embaixo da mesa, quando vê o revólver). Misericórdia... O que diabo tá acontecendo, dona mixta?! A senhora tá ficando doida?
ESTRANGEIRA
(Espantada). Fiquem calados... Saiam da frente! (Gritando com os policiais). Venham, seu vermes...
SOCORRO
Oia, Jão... Essa mulé tá cum a mulesta doida!
ESTRANGEIRA
Salvem a pele de vocês... (Em Off, o alto-falante da polícia). “Saiam todos daí, com a mão na cabeça". Eu não vou sair daqui! (Saca a arma disparando vários tiros pela Janela e fala sem sotaque. Socorro e João Bufão gritam desesperadamente). Tome bala pra vocês aprenderem...
SOCORRO
Cadê a língua dela? Cadê a mixta? A senhora num é mixta não, e? (Desesperada). Ai, meu Deus do céu...O que diabo tá acontecendo?Dona mixta trate de resorver essa confusão...
ESTRANGEIRA
(Desesperada). Joga o dinheiro, joga o dinheiro...
JOAO BUFAO
(De salto). Nunca! O Dinheiro nunca!
SOCORRO
A senhora tá cum doença também no quengo?
JOAO BUFAO
Essa peste tá é doida!
ESTRANGEIRA
(Gritando com a policia no lado de fora). Eu não vou me entregar... Eu só saio daqui depois de morta! O dinheiro não está comigo!
SOCORRO
Apois eu também só entrego o dinheiro pra senhora se me matar!
JOAO BUFAO
(Com medo). Mas Socorro, quem tá aí fora, é a polícia! Tu num ouviu essa chuva de bala aí?(Transição. Desesperado). Ai, meu Deus... Eles tá afim do dinheiro! Eles vai matar a gente!
SOCORRO
E eu tenho nada haver com polícia, Jão Bufão?(Bota a mão na boca como quem disse uma besteira. Transição). Quer dizer... Jão!
ESTRANGEIRA
(De olhos arregalados). Eu ouvi, eu ouvi e muito bem... A senhora chamou ele de Jão Bufão... Isso eu ouvi perfeitamente... E eu estava certa... Confirmou tudo mesmo... Quer dizer que eu fui lesada, me fizeram de besta e eu como uma idiota caí como uma patinha na água... (Transição revoltada). Senhor João peidão, isso não vai ficar assim não!
SOCORRO
(Com raiva). E pensa que vai fazer o que o que? Não, por se tiver pensando que vai dermoralizar o meu Jão na frente dessa mundiça que aí no lado de fora, nois vai se atracar aqui, que vai dar trabalho de tirar eu de cima de tu, visse?A polícia já tá aí, até pra levar gente pra cadeia!
JOAO BUFAO
(Com a estrangeira). A senhora teve coragem de fazer uma coisa dessa? Chamou a policia por causa de uma confusão que podemos resolver em família?!
ESTRANGEIRA
Eu não chamei policia nenhuma... (Uma voz em OFF "Saiam daí de mãos para cima ou caso contrário vamos invadir"). Escondam-se... Salvem as suas peles... Vem chumbo e não é fino... Saiam da frente, que eu vou mandar bala pra cima... (Dispara o revolver através da janela. A sonoplastia libera uma rajada de metralhadora e muitas sirenes juntas). É melhor entregar a grana!
JOAO BUFAO
Vai ser difícil, viu? A Senhora não conhece ainda a minha Socorro!
SOCORRO
Pode me matar... Não está vendo eu dizer? Pode me matar... Mas o dinheiro eu não dou... Eu defendo esse dinheiro até a morte!
ESTRANGEIRA
Eu acho melhor vocês devolverem esse dinheiro pra policia... Isso é um gato muito preto...
SOCORRO
É nada... É dinheiro mermo...
ESTRANGEIRA
(Desesperada). Esse dinheiro foi roubado... E a polícia descobriu...
JOAO BUFAO
(Sem entender). Roubado... (Transição brusca). Roubado?
SOCORRO
(Espantada). Roubado? É por isso que a polícia tá aí, na minha porta? Pra pegar o dinheiro, é? Antonse, minha fia... Pode levar a bolsa... (Joga para a estrangeira).
ESTRANGEIRA
Eu mesma não quero isso não... (Joga para o João Bufão). Eu comprei o cachorro, lembra?
JOAO BUFAO
É, mas acontece que a gente está desfazendo o negócio... (Joga para a estrangeira).
ESTRANGEIRA
Eu não quero essa mala... (Joga para a Socorro).
SOCORRO
E eu pior... (Joga para o João Bufão. A sonoplastia libera muita confusão no lado de fora e rajadas de metralhadoras. Todos gritam apavorados. A sonoplastia libera uma voz em OFF "Teje preso”. Da um black out. A sonoplastia entra com um barulho dos policiais derrubando a porta e em seguida conseguem derrubar. A luz vai clareando em resistência. Estão todos algemados e sendo puxados por alguém).
ESTRANGEIRA
(Chorando). Eu mandei entregar o dinheiro... Agora estamos em cana... (Todos são puxados. Música sobe. As luzes se apagam bruscamente e termina a peça "A História de João Bufão").
PEÇA: A HISTÓRIA DE JOÃO BUFÃO
AUTOR: FLÁVIO CAVALCANTE
MÊS: JANEIRO
ANO: 2000