Parte da peça "O URUBÚ DE PALETÓ" Autor: Flávio Cavalcante
O urubu de Paletó
Peça teatral regional nordestina
De
Flávio Cavalcante.
ROLL DOS PESONAGENS
PADRE ZELITO
CAPITÃO MAJUBA
MULHER DO CAPITÃO (Potira).
FILHA DO CAPITÃO (Damiana).
CORONEL RUFINO
MULHER DO CORONEL (Judite).
DELEGADO
SOLDADO
PESCADOR VICENTE
FILHO DO PESCADOR (Jucão).
SANTINO (Empregado do coronel).
BARBEIRO (Patrício).
MULHER DO BARBEIRO (Lenira).
SACRISTÃO
VENDEDOR DE LITERATURA DE CORDEL
Obs. O ator que interpretar o padre Zelito, é o mesmo que vai fazer o vendedor de Literaturas de cordel.
SINÓPSE
A mina de ouro que o Nordeste fornece, em si tratando de cultura, é algo esplendoroso; é uma fonte de água cristalina na inspiração de um romanesco contador de histórias.
A humildade do povo nordestino já carrega naturalmente essa riqueza, mesmo sem perceber a grandiosidade do seu lugar. As histórias contadas pelas pessoas anosas da cidade de um interior atrasado fazem qualquer autor degustar de tanto prazer o prato realista, que encontramos a cada passo que damos na estrada nordestina.
Os ditos populares, segundo os nossos avós, são de extrema importância na vida, e é para ser obedecido à risca. A fé, a crença, a supertição e outros fatores que entranham na vida do povo de uma forma magnânima, é alvo de grandes teatrólogos, teledramaturgos e etc, que rabiscam em papel, temas maravilhosos, construídos através de fatos reais, romances e ou comédias apreciadas pelos mais diversos espectadores.
Os temas com essa linguagem que escrevo, é para mim, a maior riqueza que existe. No caso da peça “O URUBU DE PALETÓ”, tratamos de uma crença de uma cidade de interior do Nordeste, uma lenda propriamente dita. Assim como nasceu, o saci pererê, a sereia no mar, estória de mau assombro, eu conto a estória do Urubu de Paletó. Quem concebe uma criança com corpo de menino e cabeça de Urubu? Segundo os personagens da estória, acreditam piamente nesse episódio e o que eles mais temem é que o Urubu sumiu, mas prometeu um dia voltar e parece que voltou mesmo, praticando tudo que a lenda relata com o decorrer de todos os anos. Assaltava fazendeiros, deixando-os praticamente de esmolas, tudo, pra alimentar os mais necessitados da cidade, depois devolvia a carcaça, como se fosse o sinal do Urubu, dormia à força com as mulheres dos coronéis. Perguntas e respostas a serem desvendadas nesse conto, depois que o urubu resolveu surgir no cenário nordestino. Será que o urubu de paletó que apareceu é o tal bicho da lenda?
“O URUBU DE PALETÓ” é mais uma comédia nordestina, onde o autor amarra uma seqüência de fatos engraçados, acontecidos no dia a dia.
Prepare-se para morrer de tanto rir.
FLÁVIO CAVALCANTE
1º Ato.
O URUBU DE PALETÓ
De
Flávio Cavalcante.
VENDEDOR DE LITERATURAS DE CORDEL
(Entra pela platéia com uma cesta cheia de livreto de cordel contando a estória do urubu de paletó).
I
Ba noite, meus senhore
Ba noite, minhas senhora
Sou um home sem leitura
Mas sou um home de fé
Vendo literatura de cordé
Donde tirei essa estória
II
Lá pras banda donde moro
Lugar ermo e atrasado
Existe um comentário danado
Sobre um bicho que ali viveu
Que à muito tempo desapareceu
Deixando o povo assustado
III
Na cidade já dizia os antigo
Falando a verdade, digo
Que aqui já teve um buruçu
Um dia nasceu uma criança
Cum coipo imbigo e pança
Mas cabeça de Urubu
IV
Num sou home que mente
Mentira num gosto de contar
Nunca ouvi dizer isso
E nunca vi coisa iguá
Ou Jesus excomungou a gente
Ou o mundo tá perto de acabar
V
Foi uma faladeira
Corre, corre da gota serena
Metero a língua sem pena
No tal bicho de capataz
Será que é coisa do céu?
Ou será que é aimada do satanás?
VI
E o bicho foi crescendo
A fama se espalhando
O povo se amedrontando
Num verdadeiro brucutu
Temia encontra o bicho
Parecido com Urubu
VII
O urubu ficou conhecido
Porque de noite andava só
Fazendo mal escondido
Roubava gado que só
Andava de terno preto
Daí o nome... Urubu de Paletó
VIII
Assaltava fazendeiro
Do mais rico ia roubar
Roubava gado o dia inteiro
Pro povo pobre se alimentar
Depois deixava a carcaça
Do urubu o siná
IX
Roubava as mulé casada
E as moça virgem, inté
Deixando o fazendeiro virado
Rodando num só pé
E ai de quem não aceitasse
Dar pra ele sua mulé...
X
O urubu é uma lenda
que ainda hoje assusta o povo
Todos reza o dia inteiro
Pedindo a seu padroeiro
Que é santo verdadeiro
Prele não vortá de novo...
(O foco de luz em cima do vendedor de literaturas de cordel, vai apagando gradativamente até ficar totalmente escuro. É madrugada com muita chuva e trovoada. Todos estão dormindo. A sonoplastia libera sons de trovão e a iluminação joga fachos de luz, dando idéia de relâmpagos, clareando o cenário, que se trata da sala e demais cômodos da residência do coronel Rufino. Repentinamente chega o Santino, empregado coronel, batendo na porta, aos berros, como se tivesse com medo).
SANTINO
(Apavorado pelo lado de fora). Coroné, abra essa porta... (Batendo na porta). Coroné, pelo amor de Deus, abra essa porta... Dona Judite onde tá a senhora, mulé de Deus... (Chorando. Entra o coronel, ainda de pijama e a Judite, mulher dele. Ela na frente e ele atrás, como se tivesse com medo).
CORONEL RUFINO
Tem gente aí, Judite!
JUDITE
Que tem, tem que a gente num tá môco das oiças, num é Rufino?! Mas quem será a essa hora da madrugada? Parece que o mundo tá acabando lá fora...
CORONEL RUFINO
Sei lá! A gente só sabe se abrir a porta...
JUDITE
Oxente! Então abra logo...
CORONEL RUFINO
(De salto). Eu não... E se for ladrão?
JUDITE
Que ladrão, Rufino?! Isso tá parecendo a voz de Santino!
CORONEL RUFINO
É mesmo, Judite... (Abre a porta e Santino entra de vez, provocando susto em todos).
JUDITE
(Suspirando forte). Ai, meu Deus que susto!
CORONEL RUFINO
(Também assustado). Você tá ficando doido, é Santino? E isso é hora de tá abusando na casa dos outro?
SANTINO
(Com medo). Coroné me perdoe, mas se eu lhe contar, o senhor não vai acreditar...
JUDITE
Contar o que, home de Deus?
SANTINO
O que eu acabei de ver!
CORONEL RUFINO
Parece que tu viu fantasma! Fala logo, criatura...
SANTINO
Eu juro por tudo que é mais sagrado que eu vi...
CORONEL RUFINO
Viu o que?! Eita home compricado!
SANTINO
(Temeroso). Ele!
JUDITE
Ele quem, Santino? Fala de uma vez!
SANTINO
(Com ar de cochicho). O urubu!
JUDITE
E tu não tem vergonha não? Com medo de um urubu, Santino?
CORONEL RUFINO
(Com raiva). Agora eu vi merda mermo! Sair da minha cama três horas da manhã, num temporal da gota serena desse, por causa de um bacurau com medo um urubu! É cada uma!
SANTINO
Mas coroné não é um urubu... (Rufino atrapalha).
JUDITE
Deu a peste mermo! Já num tou entendendo mais é nada...
CORONEL RUFINO
Pior tou eu... Sem entender piroca nenhuma! Primeiro diz que tá com medo de um urubu, depois diz que não é mais urubu! Home, eu acho que tu teve um pesadelo e ainda não acordou, visse? (Bate na cara dele). Acorda, Santino!
SANTINO
Mas eu tou acordado, coroné! Eu vi com esses oios que a terra um dia há de comer...
CORONEL RUFINO
O que aconteceu, foi que você acordou azoado... Mas agora já tá acordado! Vá dormir que amanhã a gente conversa, pronto!
JUDITE
Rufino tá certo, Santino!
SANTINO
(Paulatinamente). Mas dona Judite, aquilo que eu vi, não é um urubu qualquer...
JUDITE
Rufino, o coitadinho deve ter se assustado com pesadelo, caiu da cama e bateu com a cabeça no chão!
CORONEL RUFINO
Também acho! Vá buscar um copo de água com açúcar pra ele e...
SANTINO
Vocês tá pensando que eu tou ruim do quengo! Mas não tou não! O Jucão, filho do pescador Vicente, também viu...
JUDITE
Antonse não foi sonho não, Rufino...
SANTINO
E eu não tou dizendo que não foi, mulé de Deus?!
CORONEL RUFINO
Home conte essa estória dereito...
SANTINO
Eu tou tentando, mas o senhor não deixa!
CORONEL RUFINO
Oi, sente aqui nessa cadeira... (Puxa a cadeira). E comece à falar... Comece a contar a estória, que eu e a Judite tamo aqui pra ouvir... Mas conte depressinha, que eu tou morrendo de sono... (Boceja).
SANTINO
O urubu que eu vi... (Paulatinamente). Foi o urubu de paletó e...
CORONEL RUFINO
(Corta o bocejo). O que tu tá me dizendo, home?
SANTINO
O que o senhor tá ouvindo! Ele voltou, coroné...
CORONEL RUFINO
(Dá uma gargalhada de zombaria). Já pude crer que você não tá nada bom! Quem já se viu?! O urubu de paletó... (Outra gargalhada). Santino, enfia na tua cabeça, que o urubu de paletó é uma lenda...
SANTINO
Eu seio, coroné... Mas eu vi... Eu e o Jucão...
JUDITE
Rufino, eu acho que Santino tá ouvindo muita literatura de cordel...
CORONEL RUFINO
É... E eu acho melhor, Santino... Você parar com essas estórias, porque se o padre Zelito descobrir que você acredita nisso, vai lhe excomungar na premeira missa que ele rezar!
SANTINO
Eu sabia que o senhor não ia acreditar, neu! Agora, dormir naquele celeiro sozinho?! Quem vai é a porca véia... Eu não...
JUDITE
Home, ele tá com medo é do trovão!
CORONEL RUFINO
Eu também acho! Por isso que ele inventou essa estória...
SANTINO
Mas eu não tou inventando... Será possível?
JUDITE
Rufino, pra ter tanta certeza no que tá dizendo, o Santino deve ter visto alguma coisa mermo!
SANTINO
E vi mermo!
CORONEL RUFINO
Até tu, Judite? Pelo cu tou vendo, o padre Zelito vai ter um trabalhão danado pra excomungar tanta gente...
JUDITE
Mas Rufino... Se fosse o Jucão, filho do pescador, o nosso compadre Vicente, eu já não dizia nada! Aquilo conta uma mentira tão bem contada, que até Deus duvida se é verdade... Mas Santino não é home de mentira, Rufino...
CORONEL RUFINO
Tá, nisso você tem razão! (Vão chegando: O pescador Vicente e o seu filho Jucão).
PESCADOR VICENTE
Oh, de casa, compadre Rufino!
SANTINO
Oi o pescador Vicente...
JUDITE
Oh de fora, compadre Vicente...
CORONEL RUFINO
Entre pra dentro pra gente bater uma prosa... (Ambos vão entrando).
JUCÃO
Ba noite coroné...
PESCADOR VICENTE
Isso não é hora de prosear, não é, compadre? Mas o assunto que eu tou aqui pra tratar é de grande interesse... É muito urgente...
CORONEL RUFINO
Mas compadre Vicente... Não venha o senhor me dizer, que também acredita nessa estória maluca do urubu de paletó, não é?
PESCADOR VICENTE
Compadre, também queria eu, não acreditar, num sabe?! Mas o pior, é que é verdade...
JUCÃO
É sim, coroné... Eu vi, não foi, Santino?
SANTINO
E eu também não vi, home?
JUDITE
Vocês fique aí proseando, que eu vou buscar um café esperto pra nós... (Sai de cena).
CORONEL RUFINO
É bem verdade que quando eu era moleque, a minha mãe falava muito nesse urubu de paletó, num sabe? Mas eu nunca acreditei nisso... Que eu mermo nunca vi nada! Nem ela e nem ninguém viu... Agora depois de tantos anos aparece dois mocréia e diz que viu?! (A Judite dá um grito na cozinha e corre pra sala apavorada. Transição de salto). O que foi isso?
JUDITE
(Quase sem fala). Eu vi... Eu vi...
PESCADOR VICENTE
Tá vendo a prova aí, compadre?
CORONEL RUFINO
(Espantado). Tu viu o que, mulé?!
JUCÃO
Só pode ser ele, coroné!
SANTINO
Eu também acho...
CORONEL RUFINO
Foi o urubu de paletó?
JUDITE
(Com medo e gaguejando). Foi um rato! Tá lá dentro com dois olhos desse tamanho... Rufino, ele ficou me encarando... Oi, que é um gabiru... Tá a lapa! (Exagera um pouco no tamanho).
PESCADOR VICENTE
Comadre... A senhora tem certeza que o que a senhora viu, foi um rato mermo?
JUDITE
Juro por tudo que é de mais sagrado nesse mundo...
PESCADOR VICENTE
Mas comadre... Com medo de um ratinho à toa...
CORONEL RUFINO
É! Ela sempre teve medo de ratos...
PESCADOR VICENTE
Agora tá explicado...
JUDITE
Eu odeio eles...
PESCADOR VICENTE
É, comadre... Se o assunto fosse ratos, até que a gente tirava de letras... Mas acontece, que é muito pior do que é isso...
CORONEL RUFINO
O que é que há, minha gente! Vocês tão botando o carro na frente dos boi, sem necessidade...
PESCADOR VICENTE
(Repreende). Compadre Rufino, não brinque com coisa séria!
SANTINO
Eu tou falando, mas ninguém acredita!
CORONEL RUFINO
Cadê o café, Judite?
JUDITE
Eu acho que o rato já foi embora... Vou buscar, Rufino... (Sai de cena, meio temerosa).
PESCADOR VICENTE
É, compadre... Como eu tava dizendo...
CORONEL RUFINO
Compadre Vicente! Eu sei que o senhor é conhecedor da estória desse tá de urubu de paletó e...
PESCADOR VICENTE
E sou mermo, compadre! Aqui na região, só tem eu e o capitão Majuba que conhece... (Transição). E por falar no capitão Majuba... Ele já sabendo, Jucão?
JUCÃO
Acho que não, papai...
SANTINO
(Dando certeza). Tá nada...
CORONEL RUFINO
Como você sabe disso, Santino?
SANTINO
(Embaraçado). Hem?! (Temeroso). Eu não tou sabendo de nada não, coroné...
CORONEL RUFINO
Apois eu acho, que você tá me escondendo alguma coisa...
SANTINO
Tou não, coroné! Oh, home de Deus... Tire isso da sua cabeça... Pro favor... Dê licença... (Faz menção que vai sair).
CORONEL RUFINO
(Autoritário). Santino, venha aqui...
SANTINO
(Falando da porta de saída). Pois não, coroné!
CORONEL RUFINO
Eu não tou lhe chamando aqui? Venha cá, seu cabra...
PESCADOR VICENTE
Eu acho melhor passar outra, compadre... (Vai se levantando).
JUCÃO
É, meu pai... Vamo embora...
CORONEL RUFINO
Vocês não vai sair daqui não...
SANTINO
(Desconfiado). Oi eu aqui...
CORONEL RUFINO
Agora eu tenho certeza que você tá me escondendo alguma coisa!
JUCÃO
Fala logo, Santino! Ele vai entender...
CORONEL RUFINO
Oxente! Virge! E tu sabe o que é, é?
SANTINO
Pode deixar que eu falo... Oi, coroné, é que... Ai, meu Deus, como é que eu vou falar isso pra esse home?! Aquele boi que o senhor comprou... Aquele que deu um trabalhão danado pra trazer aqui pra fazenda! Aquele que desapareceu...
CORONEL RUFINO
Claro, que eu sei... Tou lebrado sim... Fala, home...
SANTINO
Tá lá na fazenda do capitão Majuba!
CORONEL RUFINO
Hum... Já num tou gostando... E o que meu boi tá fazendo na fazendo do capitão Majuba, Santino?
SANTINO
Oi, coroné...
CORONEL RUFINO
Eu não quero saber mais de nada... Vá lá na fazenda do home e traga o meu boi de volta pra cá...
SANTINO
Mas coroné...
PESCADOR VICENTE
Faça o que seu patrão tá mandando, Santino...
SANTINO
Mas seu Vicente! Não tem mais boi...
CORONEL RUFINO
Que conversa é essa, Santino? Você tá me deixando enjuriado... Ou é, ou não é!
JUCÃO
Mas Santino tem razão, Coroné!
SANTINO
O seu boi só tá a caicaça...
CORONEL RUFINO
Então foi o capitão Majuba que matou o meu boi, pra zombar com a minha cara... Mas isso não vai ficar assim não... (Prepara o rifle). Vou acabar com a raça dele... (A Judite entra em cena com uma chaleira de café e algumas canecas de ágata ou de alumínio).
JUDITE
Tu vai acabar com a raça de que quem, Rufino?
CORONEL RUFINO
Daquele capitãozinho enfadado! Foi ele que matou meu boi que desapareceu!
JUDITE
Home, sai desse impressado! O capitão Majuba, não era teu amigo? Como é que ele matou teu boi?
PESCADOR VICENTE
A senhora tem razão, dona Judite! Oi compadre... Quem costumava fazer isso, era ele!
CORONEL RUFINO
(Em dúvidas). Será compadre?
SANTINO
Eu mermo vi o bicho! E pra não dizer que eu tou mentindo, ainda bem que o Jucão tava comigo...
JUDITE
Estória doida! Vamos tomar esse café esperto pra clarear as idéias...
CORONEL RUFINO
Compadre Vicente! Como o senhor é conhecedor dessa lenda, me conte uma coisa! Como foi que o urubu de paletó desapareceu?
PESCADOR VICENTE
Home, foi uma estória e tanto! O urubu de paletó pegava mulé daqui, pra ser mulé dele. Aí, um certo dia ele foi roubar uma mulé que era filha do pastor Juarez, ainda parente do capitão Majuba! Mas o pastor Juarez , era brabo que só uma serpente... E disse pra o urubu de paletó, assim com a cara bem feia! Você só leva a minha filha se passar por cima da minha ossada... Aí, o urubu de paletó ficou virado na peste e disse... Ru... Ru... Ruuuu... E o pastor Juarez pensou que o urubu de paletó tava tirando uma prosa com a cara dele! Mas não era! O negócio era que ele não sabia falar... Por causa disso, o pastor Juarez passou a ser o pior inimigo do urubu de paletó e começou aquela briga de foice entre os dois! Era um botando armadilha para o outro! Virgem, compadre... O senhor não queira saber o que aconteceu com a filha do pastor Juarez!
CORONEL RUFINO
Quero sim, compadre...
PESCADOR VICENTE
Desapareceu... E nunca mais o pastor teve notícia dela...
SANTINO
E foi o urubu de paletó, foi?
PESCADOR VICENTE
O pior é que ninguém sabe, Santino! Com pouco tempo, o urubu de paletó também desapareceu até os dias de hoje! Ninguém sabe o que aconteceu realmente...
JUDITE
Que estória maluca...
JUCÃO
É verdade, dona Judite... (Entra Damiana, filha do capitão Majuba, super apavorada).
DAMIANA
Coronel, coronel... Corra home! Salve sua pele, pelo amor de Deus!
JUDITE
(Espantada). O que foi que houve, menina?
SANTINO
Tu tá tremendo, Damiana...
PESCADOR VICENTE
Virgem! A coisa tá é braba por aqui...
DAMIANA
(Com o coronel Rufino). O senhor tá ficando doido, home?! Se esconda!
CORONEL RUFINO
O que tem eu? Virgem já não tou gostando...
DAMIANA
Não é pra gostar mermo não, coronel! É pra se esconder...
CORONEL RUFINO
(Apavorado). E pra onde eu vou?
DAMIANA
Sei lá, coronel! Qualquer canto, é canto...
JUDITE
Damiana, minha filha... O que tá acontecendo? Explique direitinho, pra se começar a pensar em fazer alguma coisa...
JUCÃO
Diga logo, Damiana...
DAMIANA
O meu pai, Jucão!
SANTINO
(Espantado). Oxe! Ele morreu, foi?
DAMIANA
Não, Santino...
CORONEL RUFINO
Eita agonia da gota serena... Eu não tou entendendo é nada...
DAMIANA
É meu pai, Coronel! Tá vindo aí pra lhe pegar...
CORONEL RUFINO
Deixe ele vir, que eu tenho uma conta pra ajustar com ele também... (Prepara o rifle).
DAMIANA
Eu não sei, como é que dois amigos se torna inimigos do dia pra noite...
PESCADOR VICENTE
E o que é que o capitão tá querendo, Damiana?
DAMIANA
Eu não sei não, seu Vicente! Agora, o velho tá virado no satanás! Disse até que vinha acabar com o coronel Rufino... Por isso que eu vim correndo pra não acontecer uma desgraça...
CORONEL RUFINO
Que desgraça, que nada! Eu também tenho umas conta pra acertar com esse capitãozinho enfadado... (Preparando a arma).
DAMIANA
(Rindo). Mas coronel! Isso aí, não mata nem mosquito...
JUDITE
(Escandalizada). Não mata? Hum! Diz pra ela, Santino... Sem exagero, viu?!
SANTINO
Com isso aí, a gente já matou... Galinha, peru...
PESCADOR VICENTE
Caranguejo...
DAMIANA
(De salto). Caranguejo?! Quem já se viu matar caranguejo com espingarda, seu Vicente?
JUCÃO
Meu pai já matou...
PESCADOR VICENTE
Eu já matei mermo...
JUCÃO
Eu vi! Era um caranguejo tão grande, mas tão grande... Oi, como era grande, viu?
JUDITE
(Com ironia). Que tamanho, Jucão?
JUCÃO
(Abre os braços). Desse tamanho!
JUDITE
Mentira da gota...
CORONEL RUFINO
Eita home exagerado da peste...
JUDITE
Bota exagerado nisso! O pior é que tem peste que acredita...
CORONEL RUFINO
E por acaso esse peste é eu, é Judite?
JUDITE
E quem disse que eu falei com tu, hen, Rufino?! Deu a bexiga mermo! Tu não vai botar merda nos teus ouvidos...
DAMIANA
Coronel, eu acho melhor o senhor se esconder porque pela cara do meu pai, não vai ser essa soca tempero, que vai derrubar ele não...
SANTINO
Eita, coroné! Esculhambou com seu rivorve!
CORONEL RUFINO
(Com raiva). Você tá pensando que eu tou com brincadeira, é, Damiana?
PESCADOR VICENTE
Se acalme, compadre, Rufino...
CORONEL RUFINO
Compadre Vicente... Me perdoe a minha atitude... (Transição). Mas eu dou boi pra não entrar numa briga... Mas também quando eu entro, dou uma boiada inteirinha pra não sair dela...
DAMIANA
Eu tou dizendo, mas parece que o senhor não tá entendendo é nada, do que eu tou falando... O meu pai vem armado até os dentes! Oi, o home tá cuspindo bala pelas venta...
JUCÃO
Entonse o home tá mermo virado no cão...
CORONEL RUFINO
(Com ar de deboche). Deixe ele vir pra cá deixe, que eu quero arrancar os dentes dele tudinho...
DAMIANA
Mas coronel, meu pai não tem dente não...
CORONEL RUFINO
(Espantado). E não?!
SANTINO
É banguelo, é? É muito feio, oxente!
JUDITE
Feio não, Santino... É horroroso...
DAMIANA
Falando do meu pai, é? Já não tou gostando...
PESCADOR VICENTE
E ele usa perereca?
DAMIANA
Parece que usa...
CORONEL RUFINO
Antonse tá mais fácil...
SANTINO
Por que, coroné?
CORONEL RUFINO
Só assim eu arranco tudinho de uma vez só... (Dá uma gargalhada). Já pensou aquele monte dente podre, tudo rindo pra mim, aqui na palma da minha mão? (Outra gargalhada).
PESCADOR VICENTE
Mas a gente não sabe pra que tanta raiva! O capitão Majuba deve tá ficando pirado... (O capitão Majuba vem entrando com a sua mulher, Potira e fica atrás do coronel Rufino).
CORONEL RUFINO
(Empolgado). Pirado ou não, eu pego ele é pelos dente mermo, porque ele não sabe ainda que é o coronel Rufino...
SANTINO
(Temeroso). Coroné...
CORONEL RUFINO
(Repreende e se empolga ainda mais). Cala a boca, Santino! Como eu tava dizendo, eu também pego o meu rifle e furo ele todinho de bala... Depois, eu pego a perereca dele e boto lá praça, pra todo mundo que passar e se acabar de tanto rir... Mas vou furar ele de bala... Cuspir na cara dele... E depois pisa-lo de pé...(Cai na gargalhada. Vira e dá cara com o capitão Majuba, ficando assim descabreado).
CAPITÃO MAJUBA
Em quem, coronel? Eu posso saber?
CORONEL RUFINO
(Espantado). Eita, peste... Ninguém me disse nada! Hen? É... No urubu de paletó...
JUDITE
(Tomando a frente). Não foi não! Tudo isso que o Rufino tava falando que ia fazer, era o com senhor mermo...
CORONEL RUFINO
(Repreende). Judite...
JUDITE
(Falando em tom alto). Deixa eu falar, Rufino... Solta os cavalos que eu seguro as rédea... Foi com o senhor mermo... E qual é o problema, capitão Manjuba?
POTIRA
(Aos berros). Êpa! Fale baixo com meu marido...
CAPITÃO MAJUBA
(Repreende a Judite). Majuba... Meu nome é MA-JU-BA... Ouviu bem, dona Judite?
CORONEL RUFINO
E ela falou alguma coisa demais? Dá tudo na merma merda...
CAPITÃO MAJUBA
(Furioso). Mas isso é uma peste mermo! Coronel se prepare pra morrer! Nunca ouvi dizer que macho nenhum tira prosa com a cara do capitão Majuba, pra ele escapar com vida...
CORONEL RUFINO
O pior é que eu também digo a merma coisa! (Prepara a arma).
PESCADOR VICENTE
Não era melhor a gente parar pra conversar?
POTIRA
Não tem conversa não, seu Vicente! Essa gentinha baixa, já vem aprontando com nós já faz é tempo!
JUDITE
(Desafia com raiva). Gentinha não; mas respeito! A senhora tá pensando o que?!
DAMIANA
(Embaraçada). Olhe aqui! Quem já tá se abusando aqui, é eu...
POTIRA
(Surpresa). Damiana, o que tu tá fazendo aqui nessa hora da noite?
CAPITÃO MAJUBA
(Com ironia). Ah, Potira... Onde o Jucão tá, ela tem que tá por perto, né? Já tou até desconfiado que ela não é mais moça...
SANTINO
(De salto e admirado). Virgem!
PESCADRO VICENTE
(Repreende). Capitão, o senhor tá me ofendendo! Eu sempre aconselho meu filho Jucão, num sabe?!
JUCÃO
E o obedeço ao meu pai...
CORONEL RUFINO
Compadre Vicente, deixe comigo, que essa parada, eu resolvo...
JUDITE
(Repreende). Rufino...
CORONEL RUFINO
É isso mermo! O jucão é como se fosse meu filho e o que ele fazer tá bem fazido! Prenda a sua cabrita, capitão... O meu pai de chiqueiro tá é sorto!
POTIRA
(Insultando). E tu não vai fazer nada não, é, Majuba?
CAPITÃO MAJUBA
Eu vim aqui pra fazer...
POTIRA
Antonse faça logo...
CORONEL RUFINO
Pode atirar, capitão Majuba! Eu tou esperando...
CAPITÃO MAJUBA
Home, não mande não, que eu atiro...
SANTINO
Eu não quero nem ver... (Venda os olhos com as mãos).
DAMIANA
(Fica na frente do coronel). Tem que atirar n’eu primeiro, papai...
CAPITÃO MAJUBA
(Espantado). Mas repara!
JUCÃO
Ah, se for pra Damiana morrer, prefiro eu... (Fica na frente da Damiana).
PESCADOR VICENTE
Eu não tou acreditando no que eu tou vendo...
CAPITÃO MAJUBA
O senhor também não quer ir pra fila não, seu Vicente?
PESCADOR VICENTE
Se eu quisesse já tava lá, não é, capitão Majuba?
JUDITE
(Decidida). Home me dê essa arma... (Tenta tomar a arma da mão do capitão Majuba).
CAPITÃO MAJUBA
(Reage). Dona Judite! Saia desse imprensado! Saia da frente, Damiana, que eu vou acabar com esse coronelzinho!
DAMIANA
(Decidida). Saio não, meu pai!
PESCADOR VICENTE
(Tenta amenizar). Mas capitão... Por que tanta raiva do coronel Rufino? Vocês não era tão amigo?
CORONEL RUFINO
Deixe ele vir, compadre Vicente! Deixe ele vir, que eu vou mandar ele bater na porta do inferno...
POTIRA
O que tá acontecendo, é que Majuba comprou um cavalo no ano passado e gastou um dinheirão! Só que esse cavalo desapareceu dos nossos olhos...
JUDITE
(Com raiva). E o que tem a ver Rufino, com seu cavalo desaparecido?
CAPITÃO MAJUBA
Tem a ver muita coisa, sim senhora...
CORONEL RUFINO
(Debochado). Eu?! Coronel Rufino? Nunquinha!
SANTINO
O que é que tem a ver, capitão Manjuba?
CAPITÃO MAJUBA
(Corrige repreendendo). Majuba! Meu nome é Ma-ju-ba... Será possível?
SANTINO
Descurpe, capitão!
CAPITÃO MAJUBA
O meu cavalo apareceu aqui, na sua fazenda...
PESCADOR VICENTE
Então tá muito bem guardado! Graças a Deus!
SANTINO
Onde ele tá, que eu quero ir busca-lo agora mermo!
JUCÃO
Eu também posso ajudar...
CAPITÃO MAJUBA
É melhor você levar uma pá, pra apanhar a ossada que tá lá porteira da vacaria!
CORONEL RUFINO
(Escandalizado). O que é que tu tá me dizendo, home?
CAPITÃO MAJUBA
Não venha querer chorar o leite que já foi derramado! Eu seio muito bem, que foi o senhor, Coronel Rufino... Foi o senhor que matou o meu cavalo...
JUDITE
(Alterada). O senhor tá ficando é besta, capitão!
POTIRA
(De salto).Meu marido não é besta não, viu? Drobe a língua, sinhá peste!
JUDITE
Peste pro seu Marido!
POTIRA
Oi o respeito! Pro meu marido uma peste!
CAPITÃO MAJUBA
(Espantado). O que?!
DAMIANA
Mas minha mãe...
POTIRA
(Repreende). Cala a boca, Damiana...
CORONEL RUFINO
Seu capitãozinho enfadado, de uma vaca sem leite! O que mim diz de meu boi que também desapareceu da minha fazenda, num piscar de olho, hem?
CAPITÃO MAJUBA
E o que eu tenho a ver com isso?
CORONEL RUFINO
(Irônico). Tá me achando com cara de égua no cio, capitão? O meu boi foi encontrado no quintal da sua casa... Também só a ossada e eu, não tenho a menor dúvida, que foi o senhor que matou o meu boi, pra tirar uma prosa com a minha cara!
CAPITÃO MAJUBA
Agora eu vi merda!
PESCADOR VICENTE
Compadre Rufino... Veja a coincidência...
SANTINO
Coincidência mermo! Já tou vendo que todo mundo, seu Vicente... Vai começar a acreditar n’eu...
POTIRA
Acreditar? Em que?
CORONEL RUFINO
É mermo, compadre Vicente!
JUCÃO
Eu também falei... Mas ninguém acreditou!
DAMIANA
Falou em que, Jucão?
JUCÃO
No urubu de paletó...
CAPITÃO MAJUBA
(Dá uma gargalhada). Agora foi que eu vi merda mermo!
JUDITE
O Jucão tem razão, Capitão... Oi, o Santino chegou até ver o coisa ruim... No começo também não acreditei não... Mas com essa estória do boi e do cavalo, eu não tenho mais dúvida...
CAPITÃO MAJUBA
Não tou entendendo! O que tem a ver boi, cavalo, com urubu de paletó?
PESCADOR VICENTE
Oh capitão Majuba! O senhor conhece essa estória tão bem, quanto eu! O urubu de paletó, quando roubava gado, não devolvia a carcaça, home?
CAPITÃO MAJUBA
(Espantado). O que o senhor tá me dizendo, seu Vicente? Que o urubu de paletó voltou, foi?
JUCÃO
Voltou sim, capitão Majuba...
JUDITE
Se ele voltou mermo, isso vai dar uma confusão dos diabos...
CORONEL RUFINO
Só vai...
CAPITÃO MAJUBA
Coronel Rufino! Se não foi o senhor que matou o meu cavalo e não foi eu quem matou o seu boi, então tem alguma coisa errada por trás disso , não acha...
CORONEL RUFINO
Acho sim, capitão...
JUDITE
Mas é o urubu de paletó! O Santino viu, não foi, Rufino?
CORONEL RUFINO
Foi...
POTIRA
Que interesse teve o urubu de de paletó de querer fazer essas intriga do coroné Rufino, com tu, Majuba?
PESCADOR VICENTE
Ah, dona Potira! O urubu de Paletó fazia essas intriga pra ninguém desconfiar que era ele que roubava...
SANTINO
E agora, coroné? O que é que a gente vai fazer?
CORONEL RUFINO
Prestar queixa ao delegado...
DAMIANA
Aquele e merda é tudo uma coisa só...
CAPITÃO MAJUBA
(Repreende). Damiana...
POTIRA
Mas nossa fia tem razão, Majuba...
CORONEL RUFINO
O que não pode é ficar assim...
JUCÃO
Tá certo, coronel...
CAPITÃO MAJUBA
A gente tem que pegar esse tá urubu de paletó...
JUDITE
Mas como, capitão?
CAPITÃO MAJUBA
Não seio ainda...
CORONEL RUFINO
Eu não acredito muito nessa história de urubu de paletó não! Mas se for verdade, ele não vai gostar de ter aparecido...
JUDITE
E o que tu vai fazer, Rufino?
CORONEL RUFINO
Vou acabar com ele num piscar de olho...
POTIRA
(De salto). Nada disso! Quem vai pegar o urubu de paletó é o Majuba!
CORONEL RUFINO
(Com raiva). É eu e pronto...
CAPITÃO MAJUBA
(Com raiva). Oi a maneira que se fala com minha mulé...
JUDITE
(Aos gritos). E não venha gritar com meu marido não, que eu lhe dou banho de café quente, capitão...
JUCÃO
Oh, peste!
PESCADOR VICENTE
É melhor a gente parar com essa confusão que não leva pra lugar nenhum...
SANTINO
O seu Vicente tem razão...
DAMIANA
Eu também acho, meu pai...
JUDITE
Mas quem começou, foi esse capitão enfadado...
POTIRA
(Com raiva). Oi, como você fala com o meu marido, sua vaca...
PESCADOR VICENTE
(Tentando apaziguar). Se a gente continuar com essa confusão, não vai resolver esse problema nunca...
SANTINO
É verdade, seu Vicente...
CORONEL RUFINO
Eu já tou calado!
CAPITÃO MAJUBA
E eu também...
JUDITE
Mas Rufino calou primeiro...
POTIRA
Mentira, foi o Majuba...
DAMIANA
(Dando um basta). Pára com essa confusão, que eu já com meus ouvido doente...
JUCÃO
Finalmente, a gente pega ou não pega esse urubu de paletó?
CORONEL RUFINO
Isso é um assunto que a gente tem que resolver mais tarde!
PESCADOR VICENTE
O compadre Rufino tem razão! Apesar de tudo, ainda é madrugada! Eu já tou indo... Inté, meu compadre! Inté, minha comadre...
JUDITE
Inté compadre Vicente!
PESCADOR VICENTE
Inté, capitão Majuba... Vamos, Jucão?
JUCÃO
Vamos sim, papai... (Saem de cena: O pescador Vicente e o Jucão).
CAPITÃO MAJUBA
Inté, seu Vicente... É, coronel Rufino! Também estamo indo! Amanhã a gente conversa mais sobre esse assunto...
CORONEL RUFINO
Não tenha dúvida, Capitão! Precisamos mermo conversar, pra esclarecer tudo isso que tá acontecendo...
CAPITÃO MAJUBA
Perfeitamente! Inté! Vamos Damiana... (Saem de cena: O capitão Majuba, Damiana e a Potira).
CORONEL RUFINO
Só restou a gente! Vou ver se ainda consigo tirar uma soneca!
JUDITE
Acho difícil, Rufino... Depois dessa notícia, não seio se a gente vai conseguir pregar os olhos não... (Transição). E você, Santino?! Vai ficar aí, olhando pra gente com cara de bacurau, é? Vá dormir, que seu mal é sono!
SANTINO
Naquele celeiro? Sozinho? É ruim d’eu ir...
JUDITE
Rufino, tu não tá vendo, que Santino tá com medo, home?!
CORONEL RUFINO
Tou vendo sim, mulé...
JUDITE
Então vamos deixar ele dormir aqui na sala...
CORONEL RUFINO
Só por hoje... Vá se arranchando por aí, que eu vou dormir um pouquinho... (Saem de cena. O Coronel Rufino e a Judite).
SANTINO
Brigado, Coronel... (Deita-se no chão ou no sofá. O refletores vão se apagando em resistência até ficar totalmente escuro, chegando o fim do primeiro ato).
Fim do 1. Ato.
2.Ato
Acende-se um facho de luz na platéia, onde está o vendedor de Literaturas de cordel, continuando a estória.
Um certo passou... (Pausa).
I
Na casa do coroné
O Santino seu empregado
Seu Jagunço de mais fé
Foi chegando todo afobado
Dizeno que tinha o recado
Trazido nas ponta dos pé...
II
Que pras banda da cidade
Tinha um murtidão de gente
Passou pro ele Vicente
Dizendo que tinha um mandado
Que o coroné fosse correndo
Falar com o delegado
III
Pelo jeito do Vicente
Com cara de procupado
Falando num tom ardente
Parecendo um cão danado
Pra dizer pro coroné
Que o home tava virado...
IV
Danando-se numa carreira
Mais veloz que uma bala
Santino desceu a ladeira
Pulou riacho e vala
E chegou numa canceira
Quaje perdendo a fala...
V
Percebendo a situação
Do empregado Santino
Pensou o coroné Rufino
(Que tá quaje na miséria).
Prele chegar tão repentino
Virgem, que coisa séria!!!
(As luzes se apagam e começa o 2. ato).
Passado vários dias, o Urubu de Paletó praticou várias desordens, deixando a população em pânico; e o coronel Rufino com o Capitão Majuba, numa situação financeira penosa, por causa do desaparecimento dos seus gados! Será que os dois amigos vão pegar o urubu de Paletó? Ou ele vai ser mais esperto que eles, deixando-os de esmolas?... (A cena ainda escura, a sonoplastia libera um som de sino com badalar muito lento e chamativo. A cena vai clareando e a Judite entra em cena com um terço na mão).
CORONEL RUFINO
Pra onde é que tu vai, Judite?
JUDITE
Vou pra missa! Oi o sino tocando...
CORONEL RUFINO
Tou vendo! Agora, tu volta logo?
JUDITE
Volto sim, Rufino...
CORONEL RUFINO
Tem certeza?
JUDITE
Talvez... (Transição). Pêra aí! Por que tanta progunta, home?
CORONEL RUFINO
Nada...
JUDITE
Então inté!
CORONEL RUFINO
Inté! Mas volta logo, não volta?
JUDITE
(Sem entender). Oh, Rufino! O que diabo é que tá acontecendo, hen? Tu tá ficando doido, é?
CORONEL RUFINO
Não, meu bem! É que hoje, como esse sino tá tocando lento, a missa, com certeza, vai demorar pra terminar...
JUDITE
Como se tu tivesse preocupado com isso! Tu nunca te preocupou com a hora que eu vou voltar? O sino tá tocando lento... (Transição). Rufino, eu não te conto...
CORONEL RUFINO
(Espantado). O que foi?
JUDITE
Home tu num tá sabendo?
CORONEL RUFINO
Sabendo o que mulé!
JUDITE
Home, repara! O sino tá tocando lento, porque o saco de cristá...
CORONEL RUFINO
(Repreende). Sacristão, Judite!
JUDITE
Mas é o apelido dele!
CORONEL RUFINO
Mas ele não gosta que chame assim, gosta?
JUDITE
(Rindo). Fica virado na peste...
CORONEL RUFINO
Antonse não chame!
JUDITE
Eu chamo, oxente! É o mundo todinho pra falar d’eu e eu pra falar do mundo todinho! A maior preciosidade que Deus me deu, foi a língua...
CORONEL RUFINO
Quem tem rabo de palha, não toca fogo no dos outros...
JUDITE
Eu não tenho!
CORONEL RUFINO
(Irônico). Qual é o pior? Saco de cristá, ou Judite Maria Bandinha...
JUDITE
(Com raiva). Rufino, você sabe muito bem que eu não gosto desse nome...
CORONEL RUFINO
(Irônico). O saco de cristá também não...
JUDITE
E aquele moleque tá com a murrinha nada! Eu acabo com a raça dele!
CORONEL RUFINO
Entonse num chame! Até o padre Zelito pode não gostar...
JUDITE
Até o padre Zelito também tem apelido!
CORONEL RUFINO
Não acredito que você...
JUDITE
Eu não botei apelido nenhum! Foi as minhas amigas de missa e...
CORONEL RUFINO
E qual é o apelido do padre Zelito, Judite?
JUDITE
Diz as minhas amigas de missa, que é bode cheiroso... Eu não seio, que eu nunca andei cheirando a padre... Ainda mais agora, que as minhas amigas diche, que é uma fedentina, que não tem peste que agüente chegar perto dele...
CORONEL RUFINO
(Dá uma gargalhada). Bode cheiroso?! É isso é nome de ninguém, Judite?
JUDITE
Eu seio lá!? É que elas acha, que ele não toma banho!
CORONEL RUFINO
Coitado do padre Zelito!
JUDITE
Mas vamos deixar apelidio pra lá! (Transição). Mas me conte, Rufino! Pro que a preocupação com eu?
CORONEL RUFINO
Não é nada, mulé, oh...
JUDITE
Apois eu acho que é! E não vou pra missa, se você não falar...
CORONEL RUFINO
Tá bom, tá bom... Eu falo! Oh mulé chata, tu é, visse?! Eu tou preocupado com essa coisa que tá acontecendo com a gente, né, Judite? Oi, o gado desapareceu quase tudo e ocê sabe o que isso quer dizer? (A Judite balança a cabeça, dizendo que não sabe). Isso quer dizer que a gente vai ter que vender a fazenda pra cobrir as despesas...
JUDITE
(Espantada). É mermo, Rufino? A situação tá desse jeito, assim cuma tu tá me dizendo, é?
CORONEL RUFINO
(Espantado). Agora eu vi merda! (Transição). Oh, Judite... Tu não tá sabendo que o urubu de paletó roubou a nossa fazenda?! Tu tá ruim dos miolos, é? Será possíve que ocê só sabe botar apelídio no saco de cristá... (Transição). SA-CRIS-TÃO... Tá vendo só? Tá vendo que até eu, tou ficando pirado?
JUDITE
É, Rufino... E agora?
CORONEL RUFINO
Agora?! Se a gente não pegar o urubu de paletó, vamos ter que arrumar um saco pra pedir esmola...
JUDITE
(Assustada). Cruz credo, Rufino! (Entra Santino, correndo e cansado).
SANTINO
Coroné, coroné...
CORONEL RUFINO
(Espantado). O que foi, Santino?
JUDITE
Sumiu mais um boi da fazenda, foi?
SANTINO
Como a senhora tá sabendo disso?
CORONEL RUFINO
(Nervoso). Que sina, que sina...
SANTINO
Oi, mas eu tou aqui proque...
CORONEL RUFINO
Oi, Santino... Não venha com problema pra cá não! Porque a gente já tem demais até...
SANTINO
(Insistente). Mas coroné o seu Vicente...
CORONEL RUFINO
(De salto). O que?! Mataram o compadre Vicente, foi?
JUDITE
(Aperreada, cai em prantos). Ai, meu Deus! Isso não pode tá acontecendo...
SANTINO
Que povinho compricado...
JUDITE
(Ainda chorando). Onde vai ser o velório, Santino?
SANTINO
Nenhum canto, que ninguém morreu? Oh, meu Deus!
CORONEL RUFINO
Morreu não, Judite!
JUDITE
Morreu não?
SANTINO
Não, pelo menos eu não tou sabendo, não...
JUDITE
E por que eu tou chorando, hen?
SANTINO
Se a senhora não sabe, como é que eu posso saber?
JUDITE
(Com raiva). Rufino, esse moleque tá muito rebelde!
RUFINO
Deixa pra lá, Judite... O Santino tá nervoso...
JUDITE
Tudo bem... Por essa eu vou deixar passar... Mas fale... Eu pensei que o home já tava morto, Santino!
SANTINO
A senhora e o coroné não entendeu nada! Mas também ocês não deixa eu falar primeiro, não é? O seu Vicente mandou dá um recado pro coronel Rufino...
JUDITE
Foi mermo?! Tá e eu pensei que o home já tivesse morrido...
CORONEL RUFINO
O pior, é que eu também, visse?
SANTINO
Oxente! Entonse foi o esprito dele que mandou esse recado pro senhor, não é?
CORONEL RUFINO
Diga logo, Santino! O que o compadre Vicente quer?
SANTINO
Não seio não, coroné! Mas que ele tava com uma cara de vaca lambida, tava!
CORONEL RUFINO
E qual foi o recado, Santino?
SANTINO
Pro senhor ir falar com o delegado! Eu ouvi um comentaro, que o delegado tá brabo, virado na peste!
JUDITE
Quem? O beiçola?
CORONEL RUFINO
(Espantado). Quem é beiçola, Judite?
JUDITE
O delegado, oxente!
SANTINO
(Dá uma risada). Oia! Dona Judite sabe o apelido do delegado...
CORONEL RUFINO
Eu mermo não sabia...
JUDITE
Mas agora já sabe! Deixa pra lá, que o home num gosta!
CORONEL RUFINO
Mas vamos deixar isso pra lá! (Transição). Mas Santino, me conte! O que diabo o delegado quer com eu?
SANTINO
Não seio não, coroné... Mas deve ser uma coisa muito séria...
CORONEL RUFINO
Por que, Santino?
SANTINO
Pela cara de seu Vicente, não é?
JUDITE
Rufino, se compadre Vicente, tá com cara assim como tá dizendo o Santino, a coisa não tá muito boa não...
SANTINO
Dona Judite, a senhora já falou pro coroné da pisa que o sacristão levou? Vai ver que é por isso, que o delegado tá brabo!
JUDITE
(Como quem lembrou). Oia, Rufino! O sacristão levou uma sulipa, tão bem sulipada, que até o padre Zelito, já tava pensando que ia marcar a missa de sete dias...
SANTINO
Foi mermo, coroné...
CORONEL RUFINO
Por causa de que, Judite?
JUDITE
Oia, saiu um comentário, que o saco de cristá...
CORONEL RUFINO
(Repreende). De novo, Judite?
JUDITE
É o costume, Rufino! Tão dizendo por aí, que o sacristão, é o urubu de paletó...
CORONEL RUFINO
(Escandalizado). O que?! O Urubu de paletó?
SANTINO
Isso mermo, coroné...
JUDITE
É! Esse negócio dele tá ensinando a mulé do barbeiro... (Transição). Aquele português... O Patrício... A rezar e toda noite sair da casa dele todo de preto na noite escura, pensaram logo que ele era o urubu de paletó! Oi, mas o bicho é azarento mermo! O povo pegou o infeliz e baixaram o cacete nele! Oi, o home tá todo quebrado, visse? Dá pena de ver o estado dele!
CORONEL RUFINO
(Pensativo). Hum, como era que eu não tinha pensado nisso? Mas é craro! Só pode ser...
JUDITE
O que foi, home? O que foi que bateu aí no teu quengo?
SANTINO
Com certeza é uma grande verdade...
CORONEL RUFINO
Mas é claro, que é, Santino...
JUDITE
O que foi, Rufino?
CORONEL RUFINO
No fundo, no fundo, eu já vinha desconfiando! Agora eu tenho certeza!
JUDITE
Certeza de que, Rufino?
CORONEL RUFINO
Do urubu de paletó!
SANTINO
E o que tem o urubu de paletó, coroné?
CORONEL RUFINO
Tá aqui, no meio da gente...
SANTINO
(Procurando). Oxe! Cadê ele?
CORONEL RUFINO
Tá aqui! Nessa cidade!
JUDITE
(Sem entender). Oh, Rufino! Que tá na cidade, a gente já sabe...
CORONEL RUFINO
Mas não é o urubu de paletó de mermo...
JUDITE
Rufino, agora que eu tou começando a entender tudo! Ocê tá querendo dizer, que o urubu de paletó é alguém que a gente conhece, é?
CORONEL RUFINO
Exatamente! Isso mermo!
SANTINO
Virgem que coisa mais complicada, num é?
JUDITE
Não é não, Santino... (Transição). Eita, é o sacristão mermo!
CORONEL RUFINO
É o primeiro suspeito! Isso não quer dizer que seja ele! O capitão Majuba vai gostar de saber dessa...
JUDITE
(Orgulhosa). Rufino, ocê é um home que obra!
CORONEL RUFINO
Sou mermo, Judite! Mas a gente vai ter que pensar num plano pra pegar o urubu de paletó...
JUDITE
Rufino, eu tive uma idéia porrêta!
CORONEL RUFINO
Entonse fale, oxente!
JUDITE
A gente espalha na cidade que o urubu de paletó é alguém que a gente conhece...
CORONEL RUFINO
Aí, o povo vai perguntar que é o bicho?
JUDITE
Precisa não, Rufino! As minha amigas de missa, vai se encarregar de descobrir quem é o tá urubu de paletó... E daqui a pouco, a cidade inteira tá sabendo...
SANTINO
Isso que a dona Judite falou é uma verdade... Dinheiro aquelas mulé não tem não, mas língua... Deus benza o tamanho...
CORONEL RUFINO
Apois eu acho que não vai dar certo não...
JUDITE
Entonse a gente manda pegar o saco de cristá, dá outra surra, pra ele descobrir se é ou não o urubu de paletó!
SANTINO
Mas dona Judite... E o home vai agüentar?
CORONEL RUFINO
Isso não tá certo! Deixe que eu faço da minha maneira mermo! Eu vou fazer uma reunião aqui na minha casa e vou chamar todo mundo! Daí, quando tiver todo mundo aqui, eu dou a notícia que o urubu de paletó tá entre nós mermo...
JUDITE
E como é que tu vai descobrir quem é o urubu de paletó, Rufino?
CORONEL RUFINO
Pela cara de cada um! Aquele que tiver nervoso, suando frio e falando gaguejando, é o urubu de paletó! Aí, eu não conto conversa... Chamo o delegado pra prender o desgraçado!
SANTINO
E se for o delegado, coroné?
CORONEL RUFINO
Aí, lascou... (O Santino vai até a janela).
JUDITE
Rufino, se a gente não descobrir quem é o urubu de paletó, a gente tá tudo é lascado...
CORONEL RUFINO
Tá mermo, visse?
SANTINO
Coroné, o capitão Majuba tá vindo aí!
CORONEL RUFINO
É mermo, Santino?
SANTINO
É sim, coroné!
JUDITE
Ele vem só, é?
SANTINO
Não, dona Judite! Vem ele e o capanga do delegado! Foi ele quem deu a surra no sacristão e...
CORONEL RUFINO
Entonse, ele vai ser mais uma pista pra descobrir esse mistério!
CAPITÃO MAJUBA
(Falando de fora). Oh, Santino... O coronel Rufino tá aí?
SANTINO
(Em tom de cochicho). O que é eu digo coroné?
CORONEL RUFINO
Eu preciso pensar no que eu vou dizer pra esse povo! Diga que eu não tou não...
SANTINO
Ele mandou dizer que não tá não!
CORONEL RUFINO
(Vai correndo à janela). Mentira, capitão Majuba! É que esse Santino tá meio atravessado esses dias! Claro, que eu tou em casa! Quanta honra tê-lo em minha casa, Capitão Majuba! Vamos entrando... Fique à vontade...
CAPITÃO MAJUBA
Coronel Rufino! Mais um boi desapareceu da minha fazenda! Só tenho agora, vinte cabeça! Esse urubu de paletó, tá me deixando na miséria!
CORONEL RUFINO
Mas não é só o senhor não, capitão! Eu também tou na merma situação! Já tava até pensando em vender a fazenda pra cobrir as despesas!
SOLDADO
E o senhor não vai vender mais não, é?
CORONEL RUFINO
Não! Eu pensei, pensei... E cheguei uma conclusão, que se eu tiver certo, todo problema tá resolvido...
CAPITÃO MAJUBA
Home, se a sua situação é merma da minha, antonse tu fala, que pra solução, também é igual...
JUDITE
O capitão tá certo, Rufino!
SOLDADO
E qual foi a conclusão que o senhor teve, coroné?
CORONEL RUFINO
(Falando com a Judite). Eu tou notando que tu tá doidinha pra falar, não é, Judite?
JUDITE
Home, ainda bem que tu notou! Se eu não falar eu esprudo!
CORONEL RUFINO
Entonse fala logo...
JUDITE
Desde a hora que eu falei pra Rufino que o sacristão tinha levado uma surra...
SOLDADO
Como a senhora sabe disso?
JUDITE
As informação, meu fio! Sim, como eu tava dizendo, eu falei pra Rufino, que você tinha dado uma surra no saco de cristá!
SOLDADO
(Espantado). Em quem?!
CORONEL RUFINO
Home, deixa pra lá...
SANTINO
O coroné tá certo, num é?!
CORONEL RUFINO
Continua, Judite...
JUDITE
Aí...
CORONEL RUFINO
Peraí, Judite! (Transição com o soldado). Por que, tu bateu no sacristão, hen, home?
SOLDADO
Coroné, o comentário da cidade, era que o sacristão é o urubu de paletó! E ontem ele provou isso...
CAPITÃO MAJUBA
(Espantado). Provou?! Como?
SOLDADO
Eu vi quando ele saiu da casa do baibêro Patrício! (Transição). O Português... Ele saiu mais de meia noite, todo de paletó preto! Aí, pegaro o bicho e levaram lá pra delegacia, já mole de tanta porrada, aí eu compretei... (Transição). Por que, coroné? O senhor acha que eu fiz errado?
CORONEL RUFINO
De jeito nenhum! Tu fez foi bom pra nós...
CAPITÃO MAJUBA
Pra nós? Não entendi!
JUDITE
Rufino tá certo, capitão Manjuba...
CAPITÃO MAJUBA
(Com raiva). Quantas vez eu já falei que meu nome é Majuba!
JUDITE
Descurpa! É que eu esqueci! Mas que Rufino tá certo, tá!
CORONEL RUFINO
E tou mermo! Oi, capitão! A gente não parou pra pensar na coisa direito! Oi, só! O urubu de paletó quando roubava os gados, não alimentava a pobreza da cidade?
CAPITÃO MAJUBA
Diz a lenda que era!
CORONEL RUFINO
Ele não tá fazendo nada disso! Na cidade, o que mais tem é esmolé!
CAPITÃO MAJUBA
(Pensativo). Coronel, o senhor tem razão...
CORONEL RUFINO
Capitão Majuba, isso quer dizer, que o urubu de paletó tá no meio da gente, é?
SOLDADO
(Sem dar créditos). Donde o senhor tirou essa idéia, coroné?
CORONEL RUFINO
Ora! Da surra que você deu no sacristão...
CAPITÃO MAJUBA
Eu não tinha pensado nisso, coronel Rufino!
SANTINO
O que o coroné achar, eu também acho, num é?
CAPITÃO MAJUBA
Coronel Rufino! O senhor tá querendo dizer que a gente tem condição de recuperar o nosso gado?
CORONEL RUFINO
Acredito, Capitão!
SOLDADO
E quem pode ser o urubu de paletó?
JUDITE
Isso é o que a gente tá querendo saber!
CORONEL RUFINO
Eu vou marcar uma reunião aqui na minha casa! Aí, eu dou a notícia! Daí, a gente conhece a cara do safado, logo, logo!
CAPITÃO MAJUBA
É uma boa idéia, coronel... (Ouve-se a voz de Damiana e Potira).
POTIRA
(Do lado de fora). Me larga, Damiana... Me larga, que eu vou inté lá!
DAMIANA
Não faça isso, minha mãe!
CORONEL RUFINO
Que barulho é este? O que é isso?
SANTINO
(Vai à janela). É Damiana e dona Potira!
POTIRA
(Entra em cena falando furiosa com o soldado). Oi, esse cachorro, guenzo da murrinha aí! Ocê tá pensando que faz o que quer na cidade e fica por isso mermo, é?
CAPITÃO MAJUBA
Pra que tanta raiva desse soldado, Potira?
POTIRA
Porque você não sabe o que ele fez com o sacristão...
CAPITÃO MAJUBA
(Com raiva). Já, já seio sim! E o que você tem a ver com isso, Potira?
SOLDADO
Eita, peste!
SANTINO
Virge!
JUDITE
(Debochada). Botou quente, o capitão...
POTIRA
(Com a Judite). E pode a senhora ficar calada aí, porque a conversa ainda não chegou na pocilga...
CORONEL RUFINO
(Espantado). Oxe!
JUDITE
(Furiosa). Ocê tenha coidado na sua vida, que eu não sou poica não, sua cachorra...
CAPITÃO MAJUBA
Vamos parar com essa confusão! (Transição). Mas diga, Potira... Eu tou esperando...
POTIRA
Esperando o que, Majuba?
CAPITÃO MAJUBA
Eu tou querendo que ocê me diga, pra que tanta raiva do soldado...
JUDITE
(Debochada). Vai ver que ela é chegada numa farda, Capitão!
POTIRA
(De salto e com raiva). Ocê me respeite!
SOLDADO
Mas dona Potira e eu fiz nada demais?
POTIRA
(Irônica). Não, quase aleijou o sacristão...
SOLDADO
Um safado daquele? Eu acho que a senhora devia até me defender! E também ele tá sendo acusado de ser o urubu de paletó... (Transição). Tem mais é que ir pra madeira mermo...
POTIRA
E quem lhe deu ordem de fazer isso?
SOLDADO
O delegado meu chefe, oxente!
SANTINO
(Vai à janela).
POTIRA
Ah! Minha amiga Lenira e o barbeiro Patrício foi cuidar dele, pessoalmente...
SANTINO
Isso vai dar uma confusão, num é?!
CORONEL RUFINO
Por que, Santino?
SANTINO
Ora, coroné! Proque tá vindo aí, o delegado, dona Lenira, o Baibeiro Patrício e o sacristão, que tá virado na gota! Oi, pelo cu to vendo, o home tá brabo, virado na peste serena! (Transição). Eita! Ele puxou nos cabelo do delegado...
DAMIANA
Isso vai dar o que falar...
CAPITÃO MAJUBA
(Sem entender). O que foi que tu falou, Damiana?
DAMIANA
Nada! Eu não falei nada!
CAPITÃO MAJUBA
ÔÔÔHHH
SANTINO
Virge! Ele agora tá parado discutindo com o baibeiro Patrício! E pelo jeito chamou ele de chifrudo, que ele fez assim, oh... (Bota dois dedos em pé na cabeça. Transição). Agora tá todo mundo vindo pra cá...
SOLDADO
Isso não vai prestar!
CORONEL RUFINO
Agora é que vai ficar bom demais...
POTIRA
Vai ficar bom demais mermo, coroné Rufino...
JUDITE
(Com desdém). Não seio não...
CORONEL RUFINO
Ora, Judite! Já que tá vindo todo mundo pra cá, eu não vou precisar de tá marcando reunião! A gente resolve tudinho, agora mermo...
CAPITÃO MAJUBA
Coronel Rufino, o senhor tem toda razão! Só assim, a gente descobre de vez, quem é o urubu de paletó...
POTIRA
(Sem entender). Quem é o que?!
CAPITÃO MAJUBA
Oi, daqui um pouquinho você vai saber tudinho...
POTIRA
Tomara!
JUDITE
Tá todo mundo vindo aí! Eita confusão arretada!
DELEGADO
(Entra em cena, se referindo ao sacristão). Esse safado tem culpa!
LENIRA
Não tem não!
DELEGADO
Tem sim...
SACRISTÃO
Eu já disse que eu não tenho...
DELEGADO
E eu já disse que tem e pronto!
PATRÍCIO
(Com sotaque português). Minha mulher não está dizendo que não tem, senhor delegado?
DAMIANA
(Grita dando um basta). Pára com essa confusão da gota!
PATRÍCIO
Graças a Deus, apareceu uma filha dele para acabar com essa confusão!
DAMIANA
Isso não é confusão não! É cachorrada mermo! Povo mundiçado da peste!
PATRÍCIO
(Com a Damiana). Qual é a sua graça, minha filha?
DAMIANA
Damiana sem mentira... Sou fia do capitão Majuba, com a minha mãe, a dona Potira...
LENIRA
Gostei da embolada...
PATRÍCIO
(Falando com o capitão Majuba). É a sua rapariga mais nova?
POTIRA
(De salto). Eita peste!
DAMIANA
(Com raiva). Rapariga é a sua mãe...
PATRÍCIO
Já foi quando era mais nova...
JUDITE
(Dá uma gargalhada de zombaria).
CAPITÃO MAJUBA
(Autoritário). Como o senhor se atreve sair de sua casa pra esculhambar com a minha filha!?
PATRÍCIO
E o que foi que eu fiz demais?
JUDITE
(Continua rindo). Nada! Só chamou a Damiana de rapariga! Mais uma pro meu caderno! As minhas amigas de missa precisa saber dessa!
DELEGADO
Que confusão da gota serena, sem necessidade!
SOLDADO
Hoje não é o dia... (A Judite continua rindo).
POTIRA
(Com a Judite). É muito desaforo dessa mulé! Tu tá pensando o que?
JUDITE
Eu?! Não tou pensando nada! Foi o baibeiro Patrício quem falou...
PATRÍCIO
Mas é uma rapariga muito bonita...
SANTINO
(Recuando). Virge!
CAPITÃO MAJUBA
(Explosivo). Eu vou acabar com a raça desse português nojento...
LENIRA
Vai acabar com ele, pro que?! Ele não falou nenhuma mentira...
DAMIANA
(Decepcionada). Inté a senhora também, dona Lenira... (Querendo chorar).
SACRISTÃO
O capitão Majuba tem razão...
CORONEL RUFINO
Razão de que?!
SACRISTÃO
De acabar com a raça desse baibeiro aí...
LENIRA
Não concordo! A gente tem que acabar não é com o meu marido não! É com o delegado, que mandou bater em você!
DELEGADO
(De salto). Eu mermo não!
POTIRA
(Sem entender). E não foi o senhor, não?
SACRISTÃO
Não?! Já não tou entendendo mais é nada!
SANTINO
Compricou mais ainda... Virge!
CORONEL RUFINO
Compricou mermo, Santino!
JUDITE
É assim que eu gosto! De coisa compricada!
CAPITÃO MAJUBA
Se não foi tu, quem peste foi?
SOLDADO
Foi ele mermo! Agora tá querendo tirar a bunda da reta...
DELEGADO
Tu não tem vergonha não?! De tá mentindo?
PATRÍCIO
Eu acredito no delegado...
LENIRA
Ou o delegado ou quarquer pessoa, não vem o caso! O negócio é que o sacristão apanhou sem merecer e isso não pode ficar assim...
DAMIANA
(Com o sacristão). O que foi que o padre Zelito disse, Sacristão?!
SACRISTÃO
Ficou doido de raiva!
SOLDADO
Mas também eu já bati no finzinho, porque, quando o sacristão chegou na delegacia trazido pelo povo, ele já tava mais mole do que papa de véia... Aí, eu completei...
CORONEL RUFINO
(Com o sacristão). E você é o urubu de paletó mermo?!
SACRISTÃO
(Espantado). Oxente! Eu mermo não! Eu fui na casa de dona Lenira ensinar a ela a rezar...
PATRÍCIO
Isso ele tá certo, que eu estou de prova! Ele saiu lá de casa, era quatro horas da manhã!
CORONEL RUFINO
(Com o barbeiro). E o senhor deixou o sacristão cometer essa façanha?!
PATRÍCIO
Claro! Minha mulher Lenira é muito rezadeira! Eu fiquei na sala só esperando e acabei dormindo! Antes d’eu dormir eu fiquei ouvindo! Ela gemia tanto, que parecia uma cadelinha quando acaba de nascer! Às vezes eu até dizia! É muita emoção... Ela é muito emotiva, a minha Leninra...
CORONEL RUFINO
(Vai a Lenira. Transição com ironia). Tem marido que é cego, não é, dona Lenira?
LENIRA
(Descabreada). Hem?!...
SACRISTÃO
... Aí, eu saí de paletó preto por causa do frio! O povo me viu e pensou que eu era o tá urubu de paletó... E quem me bateu mais ainda, foi umas véias com umas sombrinhas na mão...
JUDITE
Minhas amigas de missa... Ali, é eficiência pura!
DAMIANA
Que conversa!
CAPITÃO MAJUBA
Conversa não, Damiana! O coronel Rufino, chegou uma conclusão, não foi, coronel?
CORONEL RUFINO
Perfeitamente, capitão! Eu até ia marcar uma reunião, mas já que tá todo mundo aqui, vamos aproveitar e fazer agora mermo...
SANTINO
Quem é que falta, coroné?
CORONEL RUFINO
Só o compadre Vicente, o Jucão e o padre Zelito...
DELEGADO
(Meio temeroso). Mas essa reunião é pra que?
CORONEL RUFINO
É melhor eu adiantar as coisa! Como nós já sabe, o urubu de paletó tá solto por aí...
SOLDADO
Mas isso a gente já sabe, coronel...
CORONEL RUFINO
Mas não sabe que o urubu de paletó tá aqui, no meio da gente!
SOLDADO
Não entendi! É mermo?!
JUDITE
Isso mermo! Um de nós é o urubu de paletó...
POTIRA
Pode falar o que falar... Mas nem eu e nem o Majuba, é!
CORONEL RUFINO
Numa hora dessa, qualquer pessoa é suspeito!
POTIRA
(Gritando). O senhor tá querendo dizer que eu e o Majuba é o bicho, é?
JUDITE
(Com raiva). Venha gritar com meu Rufino, que hoje a gente se atraca!
DAMIANA
Ih, vai começar de novo...
SACRISTÃO
Coroné, o senhor acha que eu sou o urubu de paletó? Fale a verdade!
CORONEL RUFINO
Se eu soubesse não tava aqui, marcando reunião! Mas que tá aqui, tá! E ninguém vai sair, antes de acabar esse mistério! (O coronel começa à olhar a cara de cada um, pra ver se nota alguma coisa estranha. O delegado começa à ficar inquieto, como se estivesse nervoso. Transição). Seu delegado o senhor tá se sentindo mal? Alguma coisa tá me dizendo que o senhor...
LENIRA
Faz sentido, coroné! Quando eu fui na casa dele, pra ele explicar a surra que deu no sacristão, tá aí, o Patrício que não me deixa mentir! Tava tudo modificado! Até o Patrício que é abestalhado, achou estranho! Oxente! O home tá é rico...
CORONEL RUFINO
Como o senhor explica isso, seu delegado?
DELEGADO
(Com medo). Explicar o que?
SOLDADO
Ora, chefe! O coroné tá querendo saber, onde o senhor arrumou tanto dinheiro pra ficar rico do dia pra noite! Sim, porque o que o senhor ganha como delegado, não dá nem pra comer!
PATRÍCIO
É verdade! Esse rapaz tem toda razão!
SANTINO
Mas oia.... O delegado é o urubu de paletó!
DELEGADO
(Nervoso). Isso é uma calúnia! Eu mermo não sou nenhum urubu de paletó não, visse?
CAPITÃO MAJUBA
Tem nada disso não! Tá na cara que tu é o próprio...
POTIRA
Se é ele mermo o urubu de paletó, então vamos mata-lo... (Prepara a arma).
JUDITE
(Irônica). Que mulé mais afobada essa sua, hem, capitão Manjuba?
CAPITÃO MAJUBA
(Repreende a Judite). Majuba! Meu nome é, MA-JU-BA...
POTIRA
Ela faz isso pra injuriar com a minha cara...
DAMIANA
Não vamos começar de novo não! O urubu de paletó tá aí, nas mãos da gente...
DELEGADO
(Nervoso). Mas eu não sou nenhum urubu de paletó...
SACRISTÃO
Tá vendo só, coroné? O safado é o delegado mermo e ainda fica querendo tirar a bunda da palmatória... Agora, o que eu não entendo, é o porquê ele mandou me dar uma surra...
CORONEL RUFINO
Isso a gente não vai saber nunca, que ele não é besta dizer...
SANTINO
Eita, coroné! Me alembrei...
SOLDADO
Do que, Santino?
CAPITÃO MAJUBA
(Curioso). O que foi, Santino?
SANTINO
Virge, coroné! O pacote!
LENIRA
Pacote?! Que pacote, Santino?
SOLDADO
Aquele que você me deu?
SANTINO
Ele mermo!
SOLDADO
(Com o delegado). Ele mandou eu guardar no cofre da delegacia e proibiu d’eu olhar o que era que tinha dentro!
CAPITÃO MAJUBA
Coronel Rufino! Alguma coisa tá me dizendo, que esse pacote vai acabar com as dúvidas da gente...
DELEGADO
(Nervoso). Não mexa nele! O pacote é meu e ninguém deve mexer...
PATRÍCIO
Já que sabemos, que este pacote vai desvendar o mistério, o que estamos esperando?
LENIRA
O Patrício tem razão...
JUDITE
Oh, Rufino! Só tem um jeito...
CORONEL RUFINO
E qual é, Judite?
JUDITE
Mandar o Santino buscar o pacote...
SACRISTÃO
Dona Judite tem razão! Só assim, todo mundo fica sabendo que eu não sou o urubu de paletó!
DAMIANA
Tou com o sacristão e não abro!
DELEGADO
(Apavorado). Eu conto toda a verdade! Mas não mexam naquele pacote, pelo amor de Deus!
CORONEL RUFINO
Santino!
SANTINO
Pois não, coroné!
CORONEL RUFINO
Vá com o soldado na delegacia e traga pra cá o pacote que o delegado mandou guardar no cofre...
DELEGADO
(Com medo). Eu conto toda a verdade... Por favor, não mexam no pacote! Eu conto a verdade, eu prometo...
CAPITÃO MAJUBA
Não precisa, que a gente já sabe! E se você for o urubu de paletó mermo, vai devolver o nosso gado todinho, nem que seja na base da porrada... E se prepare pra comer terra...
DELEGADO
(Apavorado). Mas eu não sou o urubu de paletó, quantas vez quer que eu diga!?
POTIRA
Isso é o que a gente vai ver...
CORONEL RUFINO
Vá logo, Santino!
SANTINO
Tou indo, coroné... (Saem de cena, Santino e o Soldado).
CORONEL RUFINO
(Vai até à porta). Mas vorte logo, moleque!
DELEGADO
Eu tou perdido mermo!
POTIRA
Oia, Majuba! O delegado já tá entregando os pontos...
CAPITÃO MAJUBA
Tou vendo! E se for ele mermo, o que a gente vai fazer com ele?
JUDITE
Isso é um assunto de interesse do Rufino!
POTIRA
(Irônica). E de Majuba também!
PATRÍCIO
Graças a Deus estamos chegando ao fim desse caso!
DAMIANA
Dê graças a Deus mermo! Proque se for o delegado mermo o urubu de paletó, ele tá é lascado!
DELEGADO
(Apavorado). Eu não sou o urubu de paletó... Quantas vezes quer que eu diga?!
SACRISTÃO
(Vai até a porta). Isso a gente só vai saber quando o Santino chegar!
DELEGADO
Tou lascado de novo...
LENIRA
Eu tive uma idéia...
PATRÍCIO
Graças a Deus...
POTIRA
E qual foi?
LENIRA
Mas essa não vai prestar não!
DAMIANA
Já não gostei...
LENIRA
Mas eu tive outra!
PATRÍCIO
Graças a Deus, de novo!
CAPITÃO MAJUBA
Então fala, mulé...
LENIRA
Ora, capitão! Do que a gente deve fazer, se o delegado for mermo o urubu de paletó...
CORONEL RUFINO
Então fale oxente!
LENIRA
A gente enforca o bicho e depois arranca a cabeça dele, que vai servir de prova pro povo...
DELEGADO
(Apavorado). Nãããããããooooo...
JUDITE
Mas ele não tem cabeça de urubu...
CORONEL RUFINO
Você tem toda razão, Judite! Nisso você tem toda razão do mundo!
POTIRA
Mas o urubu de paletó tem cabeça de urubu!
JUDITE
(Imitando a Potira). Mas o delegado não tem!
POTIRA
(Com raiva e aos berros). A senhora tá me arremedando, é?
DAMIANA
(Grita dando um basta). Pára com essa cachorrada...
CAPITÃO MAJUBA
Damiana, fale baixo com a sua mãe!
DAMIANA
É uma latumia da febre do rato!
SACRISTÃO
Santino e o soldado vêm aí!
CORONEL RUFINO
Vem trazendo o que eu pedi?
SACRISTÃO
Vem sim, coroné! (Transição). Eita! O Jucão, fio do pescador Vicente também vem...
DAMIANA
(Romântica). Jucão?!
CAPITÃO MAJUBA
Oia, que bicha sem vergonha! Quando fala no Jucão, fica logo vadia! (Transição). Puxou a mãe!
POTIRA
(Com raiva). Ocê tá ficando besta, Majuba! (Entram em cena: O Santino, o Soldado e o Jucão).
SANTINO
Tá aqui, coroné... (Expõe a caixa).
SOLDADO
Eu pensei que fosse dar um trabalhão da peste! Ainda bem que a porta do cofre tava aberta!
JUCÃO
O Santino encontrou com eu e me contou toda estória! E já comentei até pro meu pai, que deve tá vindo correndo pra cá...
SANTINO
O que eu faço com esse pacote, coroné?
CORONEL RUFINO
Me dá ele pra cá... (Pega o pacote).
JUDITE
(Curiosa). Abra logo, Rufino...
DAMIANA
Tou louca pra ver o que é!
JUCÃO
Só tu?!
POTIRA
Home, pode deixar que quem vai abrir é eu! Demora da gota! (Pega o pacote da mão do Coronel Rufino e abre).
CAPITÃO MAJUBA
Abra logo, Potira!
DELEGADO
(Apavorado). Se vai abrir, abra logo pelo amor de Deus!
SACRISTÃO
Oia o delegado neivoso!
SOLDADO
Coroné, o seu Vicente tá vindo aí!
CORONEL RUFINO
(Toma o pacote da Potira). Antonse me dê pra cá esse pacote que o compadre Vicente tem que presenciar também...
DELEGADO
(Com medo). Eu acho que me caguei!
JUDITE
(Botando a mão no nariz). Que fedor da gota!
POTIRA
Eita! O delegado tá é cagado!
SANTINO
Virge! (Entra o pescador Vicente).
PESCADOR VICENTE
Demorei, mas cheguei! Cadê o urubu de paletó?
JUCÃO
É o delegado, meu pai!
CORONEL RUFINO
E a prova tá aqui, oh! (Exibe o pacote).
PESCADOR VICENTE
O que é isso?
CAPITÃO MAJUBA
É o que a gente vai saber agora! Só tava esperando o senhor!
PESCADOR VICENTE
Não seja por isso! Já tou aqui! Vamos acabar de uma vez por todas com esse mistério...
DAMIANA
Abra logo esse pacote, coroné! (O coronel abre a caixa e dái o susto. Todos fazem fila passeando pela caixa, menos o coronel Rufino que fica parado, olhando para dentro da caixa).
JUDITE
O que é isso?
SANTINO
(Admirado). Virge!
POTIRA
Ohhhh!
JUCÃO
Maldito delegado!
DAMIANA
Quem dizia?! O delegado...
CAPITÃO MAJUBA
Deixa eu ver também... (Transição com raiva). Desgraçado!
PESCADOR VICENTE
Só tou acreditando, porque eu tou vendo com meus próprios olhos!
LENIRA
Eu também quero ver!
PATRÍCIO
Se tu queres ver, eu também quero ver!
SACRISTÃO
Tá vendo agora que nunca foi eu o urubu de paletó?!
SOLDADO
Era isso que o chefe guardava?
CORONEL RUFINO
(Vai puxando de dentro da caixa, bem lentamente, as vestes do urubu de paletó, inclusive, a máscara). E quando acabar, ainda tem a coragem de dizer que não é o bicho!
JUDITE
Vamos fazer o que dona Lenira falou! Vamos enfoica-lo!
CAPITÃO MAJUBA
Também acho, que é a maneira mais correta!
DELEGADO
(Querendo chorar). Mas não é eu o urubu de paletó! Aí, meu Deus! Que imbé eu tou metido...
POTIRA
(Com raiva). Mas é safado mermo, não é?
DAMIANA
Minha mãe, a senhora tem toda razão! Isso é um cabra safado mermo...
CAPITÃO MAJUBA
Tem toda razão, mermo! A gente com a prova na mão e ele continua negando! Que fi da peste!
DELEGADO
(Já chorando). Mas não é eu... Eu juro!
SACRISTÃO
Agora eu vi merda!
SOLDADO
E viu mermo, que ele tá todo cagado! Mas que ele é o urubu de paletó, eu não acredito não, de jeito nenhum!
CORONEL RUFINO
Eita, bexiga! Já não tou entendendo! Por que, home?
SOLDADO
Pelo que eu conheço o delegado, ele não tem capacidade pra ser tão esperto assim, não, coroné!
DELEGADO
Continue, continue...
POTIRA
Deixa o samango falar, bexiguento!
SOLDADO
Isso aí é um jumento de carga, coroné!
DELEGADO
Continue, continue...
POTIRA
(Nervosa). Eu vou estourar os miolos desse poico, se ele continuar a falar!
DELEGADO
Eu tou calado! Mas continue... (A Potira olha com a cara feia para ele).
SOLDADO
Por isso que eu não acredito!
JUDITE
(Falando com o delegado). Agora pode falar!
DELEGADO
Eu vou explicar tudinho o que aconteceu! Oi, eu não sou o urubu de paletó, podem acreditar em mim...
SANTINO
E ele não é não, é? Virge!
PESCADOR VICENTE
Mas isso você já falou...
CORONEL RUFINO
Mas eu não acreditei, que eu não sou besta! Oi, compadre Vicente! Eu tou vendo a roupa que o safado vestia pra fazer essa cachorrada, que a gente tá vendo aí! Agora, ele vem dizendo que o urubu de paletó não é ele?! Essa não dá pra acreditar!
CAPITÃO MAJUBA
O coronel tem razão, seu Vicente! Ele foi o culpado da gente... Ou melhor, d’eu e o coronel Rufino tá na miséria! Mas que ele vai devolver isso, vai!
DELEGADO
Home! Deixe eu contar a estória, pelo amor de Deus! Eu inté que me arrependo do que eu fiz!
DAMIANA
Tá vendo que foi o safado mermo?
JUCÃO
Deixe ele falar, Damina!
LENIRA
O Jucão tem razão!
DELEGADO
Eu achei essa roupa n