Almas no Caminho - Nelson de Medeiros
Poucas sensações são tão agradáveis quanto encontrar nas páginas insuspeitas do livro de um novo autor grande prazer. Aconteceu comigo e Almas no Caminho. Não se trata exatamente de um novo autor: este é o terceiro livro de Nelson de Medeiros, que também publica seus textos no Recanto das Letras desde 2005.
Trata-se de uma coletânea de poemas bem construídos, rondéis ritmados e sonetos primorosos, garimpados dos “guardados nas gavetas e pastas particulares”. Sua poesia repleta de sensibilidade e melancolia traz à lembrança “a grande dor das coisas que passaram”. O verso de Camões, de certa forma, descreve a essência do livro: um olhar poético fixo no passado. O autor não recorre a ousadias experimentais: assume a expressão poética na clausura dos modelos tradicionais, respeitando métrica e forma. Nelson de Medeiros descreve seus poemas como “... de escola antiga, rimas e versos que hoje não se usa mais”. Aí reside um dos grandes encantos da coletânea: o lirismo faz ponte entre passado e presente, tradição e modernidade, técnica e sentimento.
São 71 poesias reunidas em livro de edição de autor, para ler e reler com o espírito da poesia romântica. A obra impressiona pelo acerto formal, pela linguagem sóbria, sem erudição redundante. Versos ternos e melodiosos cantam o amor, a fugacidade do tempo, a saudade, a desilusão, misturados a boa dose de transcendentalismo. A grandeza maior se dá pela simplicidade: é o bardo que expõe seu estado d’alma à musa, com lirismo gracioso e cristalino.
Nelson de Medeiros é advogado em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. De lá também veio o cronista Rubem Braga. Talvez as águas capixabas ou as linhas da estação de trem local tenham sintonizado os dois autores. Tanto a prosa de Braga quanto os versos de Medeiros apresentam, de forma pungente e delicada, o amor, os sonhos perdidos, as mulheres, em escritos líricos e despretensiosos. Ambos se eternizam em páginas de beleza triste e avassaladora. Braga escreve sobre um de seus amores: “perdida, para sempre perdida, mas tão viva, tão linda, batendo os saltos na cidade da minha memória e da minha saudade”. Medeiros parece completá-lo: “mas ficaremos no mutismo sem qualquer definição/pois é verdade o que diz o coração:/o silêncio, nesta hora, é poesia”.
“Estamos sempre condenados a remar rumo ao passado, contra a corrente” - assim Fitzgerald finaliza Gatsby. Foi o que fez Rubem Braga em toda a sua obra. Nelson de Medeiros repete a proeza em Almas no Caminho. Recomendo a leitura dos três.
Livro: Almas no Caminho
Autor: Nelson de Medeiros
Editora Ferrari
2008, Poesia, Literatura Brasileira