O JOVEM TÖRLESS, de Robert Musil
O Jovem Törless foi o primeiro livro escrito pelo austríaco Robert Musil, mais conhecido pela enorme e inacabada obra O Homem sem Qualidades. Escrito em 1906, o livro faz parte dos romances classificados como "De Formação", em que o personagem principal passa por uma transformação interior durante a história. Assim como em Um Retrato do Artista Quando Jovem de James Joyce e Sidarta de Hermann Hesse, traz referências à juventude e ao aprendizado de uma maneira psicológica em que importam mais os pensamentos e sentimentos do protagonista do que aquilo que acontece ao seu redor.
Törless é um jovem austríaco que, mandado para um internato no interior, descobre um mundo em que as aparências não revelam a verdade, antes ocultam a real personalidade das pessoas. Colegas considerados por seus pais como de boas famílias são cruéis, mesquinhos e vingativos longe dos adultos. Törless observa aos atos vis de seus colegas tentando descobrir seus próprios sentimentos, as respostas às suas dúvidas interiores e conhecer um pouco mais dos assuntos ainda desconhecidos na adolescência. Sexualidade, homosexualidade, Complexo de Édipo e jogos pelo controle dos mais fracos são alguns dos temas levantados na estadia de Törless no internato. A tortura e humilhação são as principais formas de se manter a dominação dos alunos mais velhos sobre os mais novos.
Há uma discussão interessante (a partir da página 81) que inicialmente parece inocentemente ser sobre matemática e filosofia, mas que depois revela ser sobre a própria crença naquilo que os homens não podem comprovar, como Deus ou o destino, por exemplo.
"- Escute, você entendeu aquilo há pouco?
- O quê?
- Esse negócio de números imaginários?
- Sim. Não é tão difícil. A gente apenas tem de lembrar que a raiz quadrada de um negativo é a unidade básica com que se trabalha.
- Pois é isso. Esse número nem existe. Qualquer cifra, algarismo, seja negativo ou positivo, tem como resultdado algo positivo quando elevado ao quadrado. Por isso não pode existir um algarismo cuja raiz quadrada fosse negativa.
- Muito bem. Mas por que, ainda assim, não se poderia tentar aplicar a raiz quadrada num número negativo? Naturalmente, não pode dar nenhum valor real, por isso dizemos que o resultado é imaginário. É como se a gente dissesse: aqui sempre se sentou alguém, então vamos imaginá-lo hoje na sua cadeira; e mesmo que esse alguém tenha morrido, vamos fingir que está aqui.
- Mas como se pode fazer isso, sabendo com certeza, com certeza matemática, que é impossível?
- Mas a gente faz de conta que não é assim. Algum resultado vai aparecer. Afinal, não é o mesmo com os números irracionais? Uma divisão que nunca chega ao fim, uma fração cujo valor jamais aparece, por mais tempo que se calcule? E o que imaginar de duas paralelas que devem se cruzar no infinito? Acho que se a gente tivesse muito escrúpulo, não haveria matemática.
- Você tem razão. Imaginando assim, é muito esquisito. Mas o singular é exatamente que, apesar de tudo, se pode calcular direitinho com esses valores impossíveis e no fim obter resultdados palpáveis.
- Bem, os fatores imagináveis têm de se anular mutuamente durante o cálculo.
- Sim, sim; sei tudo isso que você está dizendo. Mas não permanece algo muito estranho? Como poderei me expressar? Pense bem: numa dessas contas aparecem no começo cifras bem sólidas, que podem representar metros, ou pesos, ou qualquer outra coisa concreta, ou que pelo menos são números reais. O mesmo existe no fim da conta. Mas as duas extremidades estão ligadas por alguma coisa que sequer existe. Não é como uma ponte da qual só existem começo e fim, e que ainda assim ultrapassamos, como se ela estivesse ali, inteira? Um cálculo assim me deixa meio tonto; como se um pedaço do caminho levasse Deus sabe onde... Mas o mais sinistro é a força que existe num cálculo desses, e que nos prende tanto, que acabamos afinal chegando ao outro lado."
A maioria dos críticos literários é unânime ao declarar que o livro critica as instituições (escola, governo, etc.) que aparentam uma imagem de ordem e boas motivações, contudo em seu interior é repleta de imundície e devassidão humana. Esta conclusão poderia perfeitamente se encaixar também em relação à nossa personalidade, pois mesmo querendo ser (ou parecer) bons, tramitam em nosso interior desejos e emoções desumanos. Tentando se localizar no meio desses opostos fundidos está Törless, que apesar de não concordar com as atitudes de seus colegas, nada faz para impedí-los. A sua opinião diferente é anulada pela maioria, mesmo estando certo. A individualidade é tolhida pela democracia.
Apesar do livro tratar da juventude de Törless, Robert Musil faz uma espécie de flashfoward (o oposto de flashback) em que mostra como tais experiências transformarão o jovem quando este ficar adulto. É um recurso literário interessante em se tratando de uma obra escrita a mais de 100 anos. Em 1966, foi produzido o filme alemão O Jovem Törless dirigido por Volker Schlondorff, que ganhou o Festival de Cannes e o Prêmio da Crítica Internacional. Apesar de retratar fielmente o livro e ter uma ótima fotografia, não chamaria a atenção do público hoje pois livros com apelo psicológico e interno não costumam se destacar nas telas.
Retirado de www.jefferson.blog.br