Uma vida inventada - Maitê Proença

Se você, como eu, não é dado a fofocas sobre famosos e dificilmente leria o livro escrito por uma atriz, talvez seja hora de rever conceitos. Também nunca me imaginei escrevendo uma resenha e cá estou, equilibrando um inusitado em cada mão. Na livraria do aeroporto, abro o livro ao acaso e a narrativa me prende. Simples assim: duzentas páginas devoradas em dois dias.

Não sou invejosa, apenas lido mal com a injustiça divina. Deveria haver uma lei proibindo uma única mulher de ser linda, simpática, competente, culta, inteligente, equilibrada, interessante e argh... escrever bem. Maitê se define comum num livro que guarda histórias extraordinárias, tecidas com delicadeza, fina ironia e senso de humor elegante. Pouco sabia sobre a atriz até poucos dias atrás. Li suas crônicas publicadas na Época, assisti Saia Justa no qual ela é uma das apresentadoras ( sem muito entusiasmo: o programa tem estrógeno demais para o meu gosto), sabia por alto de sua consolidada carreira. Aprendi mais: posou nua para a Playboy ( e deitou no divã para enfrentar o conseqüente furor masculino), fez cinema, escreveu peça de teatro.

No livro, Maitê alterna capítulos de reconstrução do próprio passado com a história de uma menina – seu alter ego – que descobre o mundo e a si mesma. Ficção e realidade misturam-se de forma lírica numa trama que tinha tudo para entristecer, mas enternece. Aos doze anos, a autora perdeu de uma só vez pai e mãe: a mãe, morta a facadas e o pai, o agressor, internado em uma clínica de repouso após o ato insano. A menina, criada em ambiente livre e ateu, peregrina só entre lares luteranos e católicos e se confunde com os deuses que lhe são apresentados. Nenhuma ficção daria conta de uma tragédia assim.

Com invejável lucidez e coragem, ela fala de suas muitas viagens pelo mundo, amores, drogas, trabalho, busca espiritual e reflete sobre convivência, falsos moralismos e a relação com a filha única, a quem o livro é dedicado. Discreta, identifica interlocutores de sua vida por falsas iniciais, evitando o recurso fácil de usá-los como chamariz publicitário. Sua franqueza surpreende: “Não considero sexo fundamental. Sexo é apenas delicioso”. Conta, com incrível simplicidade, que começou a escrever para exorcizar um amor de mais de vinte anos que acabou por vontade do outro.

O livro transborda o feminino e o transcende. As vivências e reflexões são universais: impotência ante a morte, desejos inviabilizados pela realidade... A abordagem o resgata do comum: poucos conseguiriam tratar estes temas sem auto-compaixão ou pieguice.

Fui conquistada pela escrita sensível, madura e direta. Ao fim, ficou o gostinho de quero mais. Lerei seu primeiro livro “Entre ossos e escrita”.

Título: Uma vida inventada ( memórias trocadas e outras histórias)

Autor: Maitê Proença

Agir Editora Ltda.

R$ 29,90

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 24/04/2008
Reeditado em 25/04/2008
Código do texto: T960284
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