CIÊNCIA E POESIA DA CITAÇÃO EM O "TRABALHO DAS PASSAGENS"
RESUMO do texto que segue abaixo a partir de tradução do Prof. Dr. Sílvio Medeiros:
OEHLER, Dolf. “Science et Poésie de la Citation dans le Passagen-Werk”. Traduit de l’allemand par Sylvie BUFALA et Helen STIERLIN, in Walter Benjamin et Paris. Colóquio International edité par Heinz WISMANN – CERF: Paris, juin 1983.
CIÊNCIA E POESIA DA CITAÇÃO EM O “TRABALHO DAS PASSAGENS”
O “Trabalho das Passagens” apresenta uma ciência da leitura praticada como poesia. Se Pound nos ensina que a “poesia é uma condensação da linguagem”, então, consoante Oehler, as citações “das Passagens” correspondem aos versos e às estrofes de um poema. Se Baudelaire entregou-se às ruas parisienses a fim de compor poemas, Benjamin, inspirando-se no poeta francês, recolhe-se às bibliotecas; e, “passeando” pelos textos de diversos literatos, escolhe e coleciona uma série de citações que, mais tarde, cintilarão nas páginas “das Passagens”. Oehler enfatiza que a crítica literária benjaminiana é desprovida de novidade ou de originalidade, porque, na verdade, o filósofo alemão está em busca (mediante condensação de pedaços de citações) de novas significações para os textos literários.
Consoante Oehler, inúmeras analogias podem ser estabelecidas entre os procedimentos de Benjamin e de Baudelaire. Nesse caso, para que possamos compreender a técnica da citação em Benjamin, basta compararmos a estrutura do “Trabalho das Passagens” com a poética do poeta francês em “As Flores do Mal”. Com efeito, os principais temas do “Trabalho das Passagens” correspondem ao conteúdo do espólio baudelauriano; contudo, o sentido é alterado e adquire novas significações por meio da técnica de desconstrução e montagem aplicada por Benjamin no referido texto. Assim, a citação é o produto da desconstrução de um texto encontrado e o elemento da construção de um novo texto original.
O método da citação está presente em todas as dimensões da escrita benjaminiana; ele ocupa uma posição central nas “Teses sobre a história” (1940). Opondo-se à pura descrição dos fatos históricos efetuada pelo historicismo, a concepção benjaminiana materialista da história entende que o falso tempo contínuo da historiografia oficial deve ser interrompido por meio do uso da citação. A exemplo do teatro épico brechtiano, no qual a citação interrompe a ação dos atores; para Benjamin, a citação tem a força de suspender o conteúdo histórico presente ao vincular o tempo de agora com o tempo passado, em perigosa constelação de perigo. Desse modo, ao produzir uma constelação fulgurante, a citação, na verdade, produz uma imagem dialética, ou seja, produz uma correspondência e uma atualização recíprocas entre dois momentos históricos distintos. Nesse caso, a citação é o momento crítico por excelência.
O método da citação tem uma enorme capacidade de atualizar até mesmo os textos clássicos, pois ela possui a força de interferir num contexto histórico, revelando, com isso, outros aspectos do passado. Assim, a citação, uma vez descontextualizada, adquire nova significação; ela passa a cintilar destituída de todos os conformismos de outras épocas que até então a impregnava.
Consoante o pensamento benjaminiano, só é possível avançar na historiografia e história modernas mediante a citação. A última novidade explicitada por uma citação pode trazer em seu bojo uma crise primordial (concepção de revolução em Benjamin). Daí Benjamin deixar-se fascinar por textos que estimulavam as dimensões citacional e alucinatória da modernidade. Desse modo, Benjamin aproximou-se dos textos de Blanqui, de Kafka e de Baudelaire, pois, citando-os, Benjamin constrói no “Trabalho das Passagens” uma concepção de modernidade como círculo infernal de eterna repetição.
Na qualidade de historiador materialista, Benjamin divergiu dos fundamentos marxistas, sobretudo aqueles que afirmavam existir uma simples relação de causalidade (mecânica) entre infra e superestrutura; para Benjamin, existe, na verdade, entre economia e cultura uma relação de expressão, ou melhor, as configurações abstratas marxistas – tradicionalmente relegadas à superestrutura – adquirem concretude no pensamento benjaminiano.
Concluindo, Oehler afirma que em Benjamin todos os caminhos levam à citação, mas é no interior dos estudos historiográficos benjaminianos que a citação adquire um papel relevante.
Prof. Dr. Sílvio Medeiros
Campinas, é outono de 2008.