A Invenção Republicana
Resenha - A Invenção Republicana. LESSA, Renato - RJ, Top Books, 1990.
O período histórico brasileiro proposto a trato por Renato Lessa são na primeira república os anos que compreendem o mandato de Campos Sales (1889-1902), e que resultaram em um modelo de governo no qual é perceptível à herança institucional deixada pelo Império, espaço temporal em que se dará no novo regime fundado em 1889 a criação de um estrato institucional com características daquelas vigentes no segundo reinado, uma vez que nos primeiros dez anos republicanos dos governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto e do governo civil de Prudente de Moraes o abandono dos critérios monárquicos de organização do espaço público fez nascer um período de incerteza políticas que teriam sido resolvidas no império. Ainda, segundo o autor, a transição do Império para a República suprimiu a engenharia política do Poder Moderador - encontrado mais tarde no governo Campos Sales – considerado a “chave” para a organização institucional, uma vez que delineava os limites e a dinâmica do corpo político e que possuía como ponto marcante uma “doutrina de representação simbólica e do processo de geração e constituição de atores políticos legítimos, e por meio deles, o controle sobre os mecanismos de competição política”.
As questões impostas ao império tais como a geração de atores coletivos, as relações entre legislativo e executivo e a interação entre Poder Central e poderes regionais foram de alguma forma resolvidas mesmo sob um padrão do absurdo, pelo qual mesmo com a proposição de leis que objetivassem qualquer mudança nos trâmites eleitorais, no final das contas o balanço dos resultados sempre estava ligado às ações tomadas pelo poder moderador. Os novos atores a entrarem em cena seriam os chefes estaduais, os quais deveriam, assim como no Império, ter responsabilidade perante o imperador, e agora presidente.
Ao poder moderador sempre coube a atribuição de estabelecer as regras para determinação daqueles que fariam parte ou não do governo, delimitando sempre sérios obstáculos à incorporação do demos.
A Política dos Governadores ou dos estados adotados por Campos Sales tinha como eixo principal à administração e a estabilidade, gerando governabilidade. A hipercentralização administrativa se consolidava no controle do Executivo sobre os chefes estaduais ou sobre os estados, delineando as relações Executivo-Legislativo, causando a baixa competição eleitoral assim como a ínfima institucionalização e a impermeabilização entre demos e polis, no plano local.
Os governos militares com passagem do Império para a República demonstrados no decorrer da exploração são marcados pela incerteza advinda da quebra dos canais que ligavam a polis, o demos e governo no modelo da dinâmica Imperial. As formas institucionais que tinham encontrado alguma solução no regime anterior ficam sujeitas a partir de então a um estado de mundo caótico que continham em si uma multiplicidade de alternativas abertas aos possíveis atos de astúcia e acaso. A verdade é que os atores instituintes da vida política brasileira não dispunham de sentido claro para suas ações e, pior, não tinham controle sobre seus resultados. A verdade é que nos seus primeiros dez anos, assinalados pela idéia de entropia, a república constitui-se como um período carente de institucionalidade, caracterizado por um período de indefinições de funções. Os meios de que dispunha o Império para atingir a vida social e econômica do país já não existiam mais tão claramente dando a impressão da ausência de regime e existência de espaço público. Nas províncias, espalhavam-se demonstrações de poder privados autônomos do poder central, ao contrário da antiga lógica imperial. A baixa institucionalização dos atos do governo, causada pela pouca consolidação do novo regime e pela sua descentralização fez surgir instabilidade digna de consideração nos estados, como conseqüência também dos impasses da opção federalista. Demonstração pedagógica de tal afirmativa é o estado de tensão que se verificou na nas seções de preparação para a Constituinte, com o Governo enfrentando a anarquia estadual sem, no entanto influenciar e controlar questões sobre o funcionamento da nova assembléia. Esse quadro ainda se agravava pela ausência de partidos políticos e pela alta fragmentação quanto aos membros da assembléia.
Os governos militares, característicos dos anos entrópicos fizeram-se sob alto grau de incertezas, de indefinição de procedimentos, anarquia estadual e tensão entre Executivo e Legislativo. O Executivo desse período não tinha força necessária para formar atores coletivos capazes de assegurar a tranqüilidade institucional que coube ao império, deixando pelo menos por dez anos o novo regime sem respostas a questões que foram levantadas assim que o império esfacelou-se, tais como as relações entre polis e demos e do Centro com os estados.
A nova institucionalização republicana se distancia do modelo anterior, na qual as partes componentes do sistema políticos têm total independência. O arranjo a ser implantado, o que poderia se chamar de parte não constitucional do pacto políticos, gera uma estabilidade advinda do acerto entre governo nacional e os chefes estaduais, cuja finalidade é a regulação da ordem e um processo intencional de fabricação institucional. Ou seja, os estados são autônomos, com a promessa do presidente de não intervenção neles, e desfazem-se as tentativas feitas pelo congresso de sobrepor-se ao executivo.
Mesmo tais acertos não eliminavam de todo as ameaças de entropia que poderiam ser causadas pelas eleições de 1900, levando então à mudança do regimento da Câmara Congressual, aumentando ainda mais o poder dos estados nas trocas de favores junto ao poder central. Tal ato, por outro lado, torna o executivo menos dependente das acomodações do legislativo uma vez que seus acertos agora se transferem diretamente para acordos estaduais. Portanto, os atores relevantes verdadeiramente são o centro e os estados, com o parlamento como uma extensão de seus domínios.
Campo Sales na tentativa de institucionalização da república em alguns pontos imita o Império. O pacto oligárquico nos estados não deixa de ser um busca pelo equivalente funcional ao poder moderador ao mesmo tempo em que congela os meios de incorporação de escolha política do demos tal qual no império, fazendo o conceito de cidadania liberal irrelevante.
Os chefes políticos estaduais então, pela sua maneira de intermediador do Estado junto ao demos, caracterizado pelo prestígio moral, é condição necessária ao controle das paixões encontradas na base da sociedade. Nesse corpo político, seus integrantes são dotados de diferentes graus de virtudes, uns agindo por apetites, outros pela prudência e moderação. A ordem pública garante sua manutenção quando sua constituição não é produto de competições apaixonadas, mas da utilização de ferramentas desinteressadas por agentes cujos atributos pessoais proporcionam uma relação de equilíbrio entre política e verdade. Esse quadro poderia ser então descrito resumidamente: as paixões como elemento perigoso que propicia o egoísmo, tendo então de ser controlada pela ação dos chefes locais para a criação do espaço público altruísta. Por esse modelo, Renato Lessa, demonstra que o bom partido seria aquele de índole conservadora, com unidade e que não expressasse somente preferências individuais.
O Governo Campos Sales caracterizou a república em suas rotinas políticas até 1930, isso se manifesta, exemplo caro a Renato Lessa, pelos modelos de sucessão naquele período, todas previsíveis e controláveis, com raríssimas exceções.
No entanto, procedimentos e valores que possibilitaram à República esse modelo de estabilidade, no final das contas, são formados por aspectos em interação errática. As incongruências entre o que o Renato Lessa chama de premissa altruística e premissa particularista pouco a pouco fraturaram o sistema, pois as retribuições do governo federal às oligarquias estaduais ultrapassaram os limites do critério de organização do poder inerentes à administração pura, passando a beneficiar interesses por demais egoístas dos agentes estaduais na busca por seu espaço na administração federal.
Podemos caracterizar isso como um desajuste do modelo de administração de Campos Sales, em que os procedimentos davam margem a algum tipo atuação egoísta por parte dos estados no tratamento com seu demos ao mesmo tempo em que não nutria suficientemente as idéias de controle, pelo menos previsibilidade, eleitoral tradicionais.
Bibliografia:
LESSA, Renato. A invenção republicana. RJ, Topbooks, 1990.