MORTE EM VENEZA, de Thomas Mann

Thomas Mann (1875-1955) foi um escritor alemão (filho de brasileira) reconhecido como um dos grandes romancistas do século XX. Ganhou em 1929 o Prêmio Nobel de Literatura pelo livro Os Buddenbrooks, onde narrava sobre três gerações de uma família em decadência. Apesar de homossexual, casou-se em 1905 e teve seis filhos. Reprimindo seus sentimentos afetivos, acabou exteriorizando em seus livros o que a sociedade da época não lhe permitia. A Morte em Veneza é um dos livros em que esse sentimento de Thomas Mann é visível.

Publicado em 1912, A Morte em Veneza conta a estória do escritor alemão Gustav von Aschenbach, que vai passar férias em Veneza. Lá, apaixona-se platonicamente pelo jovem polonês Tadzio, de 14 anos, e passa os dias a admirá-lo. O livro praticamente traz considerações de Aschenbach sobre as dicotômicas beleza natural do jovem e a arte da escrita tão arduamente trabalhada por ele. Ou sobre juventude e velhice, sabedoria e ignorância, saúde e doença.

"Não estava escrito que o sol desvia nossa atenção do intelectual para o sensível? Que ele entorpece e enfeitiça a razão e a memória de tal modo que a alma, entregue ao prazer, esquece inteiramente sua verdadeira condição e se apega surpresa e maravilhada ao mais belo dos objetos iluminados por ele?"

Há citações da literatura clássica, como o relacionamento entre Sócrates e Fedro, tentando embasar os sentimentos amorosos expressos pelo autor. Contudo, o que torna a obra digna de leitura não é a estória em si, mas a habilidade de Thomas Mann no manuseio das palavras para mostrar o psicológico. O protagonista, por exemplo, é inicialmente descrito por Mann quando este passa a analisar o que em cada livro escrito por Aschenbach revelava implicitamente sobre ele. Ironia ou não, o próprio A Morte em Veneza tem a mesma função em revelar ao mundo os segredos emocionais de Mann.

O professor Luiz Elias Sanches ainda traz uma outra interpretação interessante: ao chegar em Veneza, o escritor descreve a passagem através de um Portal, sendo logo após conduzido por um estranho gondoleiro até o seu destino, mas que ao final desaparece deixando apenas a frase: "O senhor pagará". O Portal é identificado como o do Inferno, e gondoleiro a Caronte, barqueiro do rio que leva as almas sobre o rio Estiges. Predição funesta, contudo mui pertinente ao final do livro. Também interpreta a necessidade dos moradores de Veneza em esconder a doença que assola a cidade dos turistas como um aviso, na verdade dois: o primeiro revelando o falso clima de paz que precedeu a Primeira Guerra Mundial (1914) e o segundo mostrando a falsa sensação de que "está tudo bem" de nosso tempo. É o pão e circo dado pelos governos ao invés da solução concreta dos problemas mundiais.

A trama tem aspecto sombrio, lembrando muito um pesadelo, como o apresentado em Breve Romance de Sonho de Arthur Schnitzler. Isso ocorre porque somos levados para dentro da mente de Aschenbach/Mann, onde escutamos os seus pensamentos e descobrimos os seus traumas, anseios, dúvidas e desejos. E contradições. Aschenbach critica justamente aquilo em que se transformará posteriormente. Se extasia hipnoticamente com o que será a causa de seu infortúnio. "A paixão, como o crime, não se adapta à ordem estabelecida, ao bem-estar da marcha do cotidiano".

Retirado de www.jefferson.blog.br