Hellen Keller e sua luta contra as trevas

HELLEN KELLER E SUA LUTA CONTRA AS TREVAS

Miguel Carqueija

 

Resenha da auto-biografia “Lutando contra as trevas”, de Hellen Keller. Subtítulo: “Minha professora Anne Sullivan Macy”. Editora Fundo de Cultura S.A., Rio de Janeiro-GB, 1959. Biblioteca Fundo Universal da Cultura, Estante de Pedagogia. Título original em inglês: “Teacher Anne Sullivan Macy”, “A tribute by the Foster-child of her mind”; Doubleday & Company, INC., New York (EUA), 1957. Tradução: Áurea Weisemberg. Introdução: Nella Braddy Henney.

Hellen Keller é um dos nomes mais marcantes do século 20 e talvez o mais conhecido e impressionante exemplo de superação das limitações físicas. Como se sabe, Helen, ainda um bebê (menos de dois anos) tornou-se cega e surda e, em consequência, muda. Vivendo assim num mundo isolado, foi providencial o aparecimento em sua vida, anos depois, de Anne Sullivan, “a professora”, como Hellen costumava se referir a ela.

Hellen nasceu em Tuscumbia (Alabama) em 27 de junho de 1880. Já Anne Sullivan nasceu em Feeding Hills em 4 de abril de 1866, portanto era só 14 anos mais velha. Anne era pobre, estivera quase cega e melhorou com cirurgia na vista. No entanto tornou-se a professora de Hellen Keller e conseguiu penetrar na barreira de escuridão da menina, com métodos que a gente quase não acredita, como se lê na introdução:

“Enquanto Anne Sullivan jogava água na sua mão, ocorreu à criança, num lampejo, que água, estivesse onde estivesse, era água e que os movimentos dos dedos que acabara de sentir sobre a palma das mãos significavam “água” e nada mais. Naquele momento emocionante Hellen descobriu a chave do seu reino. Cada coisa tinha um nome e ela possuía um meio de aprendê-lo.”

Hellen iria longe, aprendeu a falar, embora precisasse de intérprete já que sua voz era pouco inteligível, e escreveu livros. Este começa assim:

“Numa tarde de novembro de 1946, eu e Polly Thomson nos encontramos na Acrópolis, em frente ao hotel onde estávamos passando alguns dias. Tínhamos vindo de Nápoles para Atenas, num avião militar americano, com o propósito de investigar as condições dos cegos atingidos pela guerra, no sul da Grécia.”

Polly surgiu na vida de Hellen quando Annie Sullivan ainda vivia (o nome da professora aparece na obra ora como Anne, ora como Annie). Esta faleceu em 1936 e Polly tocou adiante – duas pessoas, dois anjos, que dedicaram suas vidas para serem os olhos e ouvidos de Hellen Keller.

O relato de Hellen é fascinante e fala de preconceitos, calúnias, dificuldades financeiras. Sua afeição por Annie Sullivan – que ela chama “minha professora e libertadora” – é patente:

“Annie Sullivan considerava os cegos não como uma classe à parte, mas como seres humanos dotados de direitos à educação, à recreação e aos empregos tanto quanto possível apropriados a seus gostos e habilidades.”

O famoso inventor Graham Bell aparece na história, tendo acompanhado Hellen e Annie à Feira Mundial de Chicago. Hellen fala de seus esforços para se aprofundar na literatura e idiomas:

“Comecei a ler a “Guerra Gália” de César e comecei a adorar o estudo de línguas estrangeiras, considerando-as minhas matérias favoritas.”

Hellen devia ter uma inteligência fora do comum e o mesmo se pode dizer de Anne, que a partir dos 21 anos até morrer aos 70, viveu para Hellen Keller. Mesmo tendo se casado, pois acabou por se separar.

Com os limitados meios de que dispunha, Hellen Keller combateu o preconceito:

“Em cidades como Chicago, talentosos cegos músicos achavam dificuldade em obter contratos, porque se pensava que aqueles que viriam ouvi-los ficavam demasiado dominados pela compaixão para gostar do espetáculo.”

Como se vê, Hellen Keller não se preocupava apenas com o seu direito de afirmação como pessoa cega e surda, mas também com os direitos em geral de todos os portadores dessas deficiências.

Vieram depois os anos de declínio de Annie, que em 1929 submeteu-se a uma operação na vista direita. Em seguida o trio – Polly já as acompanhava – ficaram algum tempo numa casa perto de um lago.

“Era um lugar delicioso, onde eu podia passear até a praia guiando-me por uma corda, usando uma outra para nadar; a professora, porém, não podia mais me acompanhar dentro d’água ou andar comigo e com Polly por entre os abetos. A sua saúde estava em declínio e eu precisava lutar incessantemente para impedi-la de ler.”

Isso porque a vista de Annie piorava, e o esforço de ler livros era prejudicial.

Em suma, uma obra fascinante sobre o drama humano, que vale muito a pena ler.

 

Rio de Janeiro, 9 de março de 2025.