A tirania na obra de arte literária

Neste breve texto, iremos analisar duas obras literárias nas quais se pode observar o poder de forças tirânicas e opressoras exercidas por um sistema corrupto e autoritário no qual os personagens estão inseridos. Também abordaremos a reação desses personagens a esse sistema, um elemento essencial na construção do clímax e dos desfechos de qualquer trama.

As obras aqui analisadas serão “Fuente Ovejuna”, de Lope de Vega e “Michael Kohlhaas”, de Henrich Von Kleist.

“Fuente Ovejuna” é uma obra teatral do Século de Ouro espanhol, período histórico no qual floresceram o pensamento, a arte e as letras espanholas e que coincidiu com o auge político e militar do país durante os séculos XV e XVI. É escrita em diálogos em versos rimados de grande poder poético.

A obra é baseada em um evento histórico real que ocorreu em 1476, quando os habitantes da aldeia Fuente Ovejuna se uniram para se opor à opressão de um comendador, Fernán Gómez, que abusa de seu poder e oprime os moradores do lugar. A trama se intensifica quando o Comendador tenta seduzir a bela Laurencia, uma jovem da aldeia, que se recusa a ceder às suas investidas. Porém, em uma das cenas do terceiro ato, quando estava ocorrendo um reunião dos homens da aldeia para decidirem as medidas a serem tomadas contra as forças que os oprimiam, Laurencia entra no local, dizendo que acabara de ser abusada violentamente pelo Comendador e, em versos carregados de emoção e indignação, Lope de Vega nos presenteia com toda a sua genialidade, mostrando-nos porque foi um dos maiores dramaturgos de toda a história do teatro ocidental.

Em “Fuente Ovejuna” não há um personagem tido como protagonista. Este papel quem interpreta é o próprio povo da aldeia, sendo uma obra de conteúdo social e reivindicativo, na qual as mazelas daquela sociedade tornam-se pano de fundo na construção do enredo, havendo o atemporal conflito histórico entre opressores e oprimidos e que também podemos ver no outro título que aqui será brevemente analisado.

“Michael Kohlhaas” é uma novela do escritor alemão Henrich Von Kleist, que, assim como a peça de Lope de Vega, também é baseada na busca por justiça e honra, porém, desta vez, é o personagem principal da obra quem enfrenta as forças de um sistema corrupto e deteriorado.

A história começa quando Kohlhaas é injustamente tratado por um nobre, que lhe toma seus cavalos sem compensação. Esse ato de injustiça desencadeia a busca de Kohlhaas por reparação, havendo no protagonista uma transformação de um simples comerciante de cavalos a um rebelde que se utiliza de todos os meios possíveis, inclusive da extrema violência, para ter seus cavalos e sua honra reestabelecidos. Não há como não lembrarmos da saga de John Wick, a quem podemos chamar de Michael Kohlhaas hollywoodiano. Este é um ponto extremamente importante do assunto aqui tratado. Quem é um conhecedor dos grandes clássicos da literatura mundial, bem como de filmes, sempre consegue encontrar alguma influência de obras literárias nas produções cinematográficas.

Mas não vemos apenas no cinema a influência dos grandes clássicos. É sabido que Kafka foi um grande admirador da obra de Kleist, sendo este citado inúmeras vezes nos diários do criador de obras como A metamorsose, O castelo ou O processo, como uma grande influência e modelo de estilo. Kafka levou quase à perfeição o estilo de Kleist. Em ambos autores podemos ver uma estrutura narrativa fragmentada, com saltos temporais que refletem a confusão e a intensidade emocional dos personagens, além de outras características semelhantes, como a exploração da condição humana levada ao limite, o que na maior parte das vezes leva os personagens a situações absurdas, carregadas de tensão e desorientação psicológicas, levando o leitor a questionar a realidade apresentada.

Tanto “Fuente Ovejuna” quanto “Michael Kohlhaas” nos oferecem uma profunda reflexão sobre a luta contra a tirania e a busca por justiça em contextos opressivos. As trajetórias dos personagens, que se tornam símbolos da resistência e da indignação diante da injustiça, revelam a força do coletivo e a determinação do indivíduo em enfrentar sistemas corruptos, permanecendo muito relevantes até aos dias atuais, ecoando em nossas próprias realidades e inspirando novas gerações de escritores a criarem suas obras, como também influenciando qualquer indivíduo a se levantar contra qualquer forma de opressão.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 13/04/2025
Reeditado em 14/04/2025
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