Paul Auster - Invisível, Companhia das Letras, 2010, 280 páginas

A partir de cenários acadêmicos e literários desenvolvidos em Nova York e Paris, somos envolvidos numa história onde o acaso, como quase sempre nas histórias de Paul Auster(1947-2024) desempenha importante papel: um encontro, numa festa, entre um estudante americano (Adam Walker), um professor universitário suíço (Rudolf Born) e sua companheira francesa (Margot). Situação que aos poucos vai se transformar numa relação tumultuosa.

A história começa em 1967, nesse encontro, depois prossegue com um acidente trágico envolvendo Adam e o professor (por acaso um assalto), e avança por quarenta anos, com algumas voltas no tempo. Além de diferentes tempos narrativos, também são postos em cena outros personagens: Jim (um amigo de Adam), Gwyn (a irmã de Adam) e Cécile (enteada francesa de Rudolf) – todos que conheceram Adam ou tiveram algum relacionamento com ele.

Uma das partes mais perturbadoras da história é uma relação incestuosa envolvendo o rapaz e sua irmã Gwyn. Mas as cenas de incesto são trabalhadas por Auster com competência e parecem perfeitamente naturais, tinham de acontecer mesmo, por todo o background que ele havia colocado em foco anteriormente.

E além do mais isso é ficção, não é um relato pessoal, não precisamos ficar chocados, ainda que esteja presente certa voltagem erótica e algumas partes de nossos corpos sejam designadas por nomes que nem sempre usamos na vida real. Se os personagens não fossem irmãos, até poderiam passar pelos amantes de O Amante de Lady Chatterley, tomando um pouco de liberdade com o livro.

Mas a relação incestuosa – que ocorreu não apenas uma, mas se repetiu diversas vezes -, teria acontecido de fato ou seria apenas fruto da imaginação de Adam, que tinha a ideia fixa de se tornar poeta e escritor? E o acidente que presenciou, envolvendo Rudolf e um jovem assaltante negro, lá atrás, em 1967, terminou da forma que Adam contou até mesmo à polícia, ou a versão do professor é que é a verdadeira? Mais: podemos ter certeza de que aquele primeiro encontro entre eles, naquela festa – onde tudo começou -, foi casual mesmo ou foi intencional (a pergunta tem a ver com o passado do professor, que era muito mais do que isso)?

Quer dizer, para quem aprecia reviravoltas e mudanças de rumo em ritmo acelerado, Invisível é desses livros que prendem demais a atenção e deixam o leitor sempre em suspense (embora não seja um livro policial), querendo saber o que virá em seguida. A escrita de Auster ajuda muito nisso, pois é sempre clara, sem empolação.

Um crítico americano importante acusou Auster de mesmice, por sempre utilizar um intelectual (aqui Adam Walker) como personagem principal. Ora, eu aprecio demais esses livros e filmes onde aparecem personagens assim (lembro, no cinema, especialmente de A Sociedade dos Poetas Mortos, mas aqui o filme incensado é A Palavra, dirigido pelo dinamarquês Carl Dreyer, em 1955, que, por sorte ou acaso, vi recentemente): sempre acabo aprendendo algo ou conhecendo um ou outro artista interessante através deles. Lendo e aprendendo sempre, não?

De volta aos livros, Busca o Meu Rosto, de John Updike, p. e., tem um importante personagem baseado na maior estrela do expressionismo abstrato americano, Jackson Pollock, e é também um painel da arte do pós guerra do país. Em Invisível temos um pequeno desfile de poetas e escritores e várias referências a Bach.

Mesmo com a implicância do tal crítico, para a qual os fãs de Auster não deram pelota, o livro vendeu muito nos EUA e foi traduzido para diversas línguas, como sempre ocorre com suas obras. Mas Invisível não é mesmo nenhuma obra-prima, claro. E embora termine de forma abrupta, que pode desagradar a muitos leitores, é sempre um livro interessante, não resta dúvida. Melhor dizendo, para mim uma obra 5 estrelas.