Resenha - Afrodite, de Isabel Allende

Modéstia à parte, essa resenha é raríssima. Há muitos motivos para isso. O primeiro, e talvez mais importante, é que ainda não terminei a leitura do livro. E muito provavelmente demorarei.

Ora, mas se eu nunca terminei, como posso fazer uma resenha? Você me pergunta.

Esse livro é uma antologia erótica. A autora chilena, juntamente com outras pessoas que contribuíram para as pesquisas empíricas do livro, nos apresenta diversas narrativas eróticas e gastronômicas. Logo, por se tratar de uma antologia, o leitor tem liberdade para ir e voltar na leitura como desejar.

Como é bom sempre voltar a essa obra.

Segundo motivo para essa resenha ser raríssima: a dificuldade em encontrar esse livro. A versão que tenho está em péssimo estado. A capa tem alguns pontos de mofo. Quando o abro, logo me vem um cheiro antigo de bolor. Amém que não tenho rinite! Além disso, a imagem de Afrodite possui alguns relevos nada naturais, evidenciando a infiltração de algo na composição. As primeiras páginas foram alvo de água e agora detêm aquele aspecto rugoso — um charme ao estilo Manuel Bandeira. As demais, embora estejam lisas, ostentam orgulhosas o amarelado do tempo em suas finas lâminas.

A primeira vez que soube desse livro foi numa lista de “20 livros eróticos que toda pessoa precisa ler”. Entre 50 Tons de Cinza, Paulo Leminski e tantos outros, lá estava Afrodite – Contos e Receitas Afrodisíacas, de Isabel Allende. Eram tempos de pandemia e, enclausurado na tentativa de me proteger do vírus do fim dos tempos, eu buscava qualquer coisa diferente que pudesse quebrar aquele marasmo infernal. A literatura erótica se tornou um grande refúgio.

Curiosidade reveladora que ninguém me pediu, mas que mesmo assim compartilho: eu era virgem. E me peguei totalmente fascinado pela literatura erótica. Até mesmo produzi alguns contos, sem ao menos ter realizado qualquer coisa similar a sexo. Meus amigos gostavam, mas até hoje não sei o quanto a falta de experiência me desfavorecia nesse processo de escrita.

Bom, não lembro com perfeita exatidão o que me chamou atenção no livro, mas a relação entre comida e erotismo foi muito provavelmente a causa. Em tempos de Amazon, desde a primeira vez que li a bendita sinopse, passei alguns anos (quatro, para ser mais exato) procurando essa edição, interrompida pela Bertrand Brasil. Comprei o livro na Shopee, de um sebo localizado em São Bernardo do Campo. Temi, angustiado, crente de que havia caído num golpe. Mas o livro chegou bem embalado aqui em Brasília — e no estado um tanto deplorável que citei anteriormente.

Julgando pela sinopse da história que contei até aqui e pela capa que descrevi, a expectativa era terrível.

Eis a terceira raridade: duas páginas e subi do inferno ao céu. Primeiro, o adesivo de uma falecida loja de livros e uma dedicatória linda, que ainda será alvo de um conto meu e que transcrevo humildemente a seguir:

`*Fortaleza, 08 de agosto de 2001,*`

`*Dhy,*`

`*O amor tem cheiro,*`

`*gosto,*`

`*textura,*`

`*som.*`

`*Faz o coração bater mais forte…*`

`*Te sinto… Amor,*`

`*Jú*`

Dado o devido espaço ao amor de Jú e Dhy, eternizado nessa dedicatória e nesta resenha, transcrevo outra frase que não é minha. Isabel Allende inicia seu livro com uma das mais francas frases iniciais:

“*Arrependo-me das dietas, dos pratos deliciosos rejeitados por vaidade, tanto como lamento as oportunidades de fazer amor que deixei passar para me dedicar a tarefas pendentes ou pela virtude puritana*. (…)”

É uma frase potente, que logo de cara escancara o apetite do leitor para uma refeição literária de múltiplos sabores, cheiros, texturas e gostos.

Isabel escreveu esse livro logo depois de perder uma de suas filhas. Após um período de hiato, a autora chilena presenteou o leitor com as mais variadas reflexões sobre a arte de cozinhar, seduzir, amar e poesiar. De quebra, nos ofereceu receitas (boa parte delas ainda não foram testadas), ilustrações belíssimas e um glossário gastronômico com conclusões que ela e seu grupo de pesquisa depreenderam de seus estudos. Claro, no meio disso tudo, há literatura! Erótica! Da melhor qualidade!

Allende abordou, com uma escrita sensível e universal, a relação carnal-profana entre a gula e a luxúria. Sem caretismos e vulgarismos, a autora escancarou suas opiniões e fatos de sua vida (e dos amigos), contando diversas histórias ao longo do livro.

Portanto, Afrodite, de Isabel Allende, é uma preciosidade literária, . Tão rara que, assim como aquele prato delicioso que idolatramos, cada página-garfada nos enche de alegria e frustração: somos abençoados por desfrutar o sabor e frustrados por sua finitude.

Por fim, recomendo a todos, leitores e escritores. O livro é uma aula de literatura erótica!

Nota final: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️- 5/5

Givago Domingues Thimoti
Enviado por Givago Domingues Thimoti em 01/04/2025
Código do texto: T8299362
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