Nulla dies sine linea / Cartas a Lucílio- Sêneca
A frase latina que está no título deste texto, traduzida em português como “nem um dia sem uma única linha” e atribuída a Plínio, o Velho (escritor, historiador, gramático, administrador e oficial romano), foi considerada, durante um longo período da minha vida como homem das letras, uma máxima a ser seguida rigidamente. De fato, não havia um único dia em que eu não me debruçasse sobre as teclas do notebook, fosse para escrever ao menos algumas poucas linhas de um conto, poema, crônica ou de qualquer outro gênero literário. No entanto, confesso que, neste ano de 2025, estou um tanto relaxado em relação a essa prática tão prazerosa para mim. Embora eu tenha menos tempo livre neste ano, creio que o principal motivo não seja esse, mas sim a saturação mental e intelectual causada pela escrita incessante de uma novela que venho desenvolvendo desde as últimas semanas do ano passado. Contudo, esse cansaço passou, e estou aqui novamente para escrever uma breve resenha sobre a obra “Cartas a Lucílio”, de Sêneca, que é minha leitura atual. A máxima “nem um dia sem uma única linha” sempre se manteve firme em relação à leitura; realmente, nunca me cansei de ler. Sem mais delongas, vamos ao que interessa.
Segundo a historiografia da filosofia ocidental, Sêneca faz parte de uma tríade de filósofos estoicos que são considerados os pilares desta corrente filosófica, juntamente com Epicteto e Marco Aurélio.
"Cartas a Lucílio" é uma coleção de inúmeras cartas escritas por Sêneca (4 a.C – 65 d.C), endereçadas a seu amigo Lucílio. Essas cartas abordam temas filosóficos, morais e práticos, refletindo sobre a vida, a morte, a virtude e a busca pela sabedoria. Sêneca utiliza um tom pessoal e íntimo, como se estivesse conversando diretamente com Lucílio, o que torna a leitura acessível e envolvente.
Um ponto interessante a ser destacado nessas cartas é a grande influência que Epicuro tem sobre Sêneca e seus ensinamentos. Em muitas dessas cartas Sêneca cita alguma frase de Epicuro na intenção de servir de lição para seu amigo e destinatário postal. Creio que valha a pena falar aqui um pouco sobre o epicurismo, uma vez que, embora tenha algumas semelhanças com o estoicismo, estas duas correntes filosóficas diferem em muitas coisas.
Comecemos pelas semelhanças: 1 - Tanto o estoicismo quanto o epicurismo têm como objetivo final a felicidade e a vida boa. 2 - Ambas filosofias buscam entender como viver de maneira que se alcance a tranquilidade e a satisfação. 3 – As duas escolas valorizam a razão como uma ferramenta essencial para a vida. O uso da razão é fundamental para tomar decisões e entender o mundo ao nosso redor. 4 - Tanto os estoicos quanto os epicuristas reconhecem que o sofrimento é parte da vida. Eles oferecem maneiras de lidar com a dor e a adversidade, embora suas abordagens sejam diferentes. 5 - Tanto os estoicos quanto os epicuristas valorizam a autossuficiência. Eles acreditam que a verdadeira felicidade vem de dentro e não depende de fatores externos.
Diferenças – 1 - Para os epicuristas, a felicidade é alcançada através do prazer e da ausência de dor (aponia). Já os estoicos acreditam que a verdadeira felicidade vem da virtude e do viver em harmonia com a razão e a natureza. 2 - O epicurismo valoriza os prazeres sensoriais e a busca por experiências agradáveis, enquanto o estoicismo vê os prazeres como algo que pode ser enganoso e que deve ser controlado. 3 - Os estoicos acreditam na aceitação do destino e na ideia de que tudo acontece por uma razão, defendendo a ideia de que devemos aceitar o que não podemos mudar. Os epicuristas, por outro lado, enfatizam a liberdade individual e a capacidade de moldar a própria vida. 4 - Os estoicos ensinam a controlar as emoções e a não se deixar levar por elas, buscando a apatia (apatheia). Os epicuristas, por sua vez, acreditam que as emoções podem ser uma parte importante da vida e que devemos buscar prazeres que nos tragam alegria. 5 - Para os estoicos, a morte é uma parte natural da vida e deve ser aceita com serenidade. Os epicuristas, por outro lado, argumentam que a morte não deve ser temida, pois enquanto estamos vivos, não estamos mortos, e quando estamos mortos, não estamos mais conscientes.
A obra "Cartas a Lucílio", exemplifica como a filosofia pode ser um guia valioso em nossa busca por significado e compreensão da vida. Assim, mesmo em momentos de cansaço ou saturação, a leitura e a escrita permanecem como fontes de renovação e inspiração, permitindo-nos continuar a jornada de autodescoberta e aprendizado. Que possamos sempre encontrar tempo para refletir, escrever e, principalmente, viver com sabedoria.
“Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico.” Sêneca