Fama: um romance em nove histórias - Daniel Kehlmann

Livro excelente: nas nove histórias de Fama, um verdadeiro deleite literário proporcionado pelos marcantes personagens, situações e imbróglios criados por seu autor

Daniel Kehlmann – Fama: um romance em nove histórias, SP, Companhia das Letras, 2011, 160 páginas

DK escreveu também A Medida do Mundo (Companhia das Letras, 2007), romance leve e bem-humorado que unia um tanto de ficção com outro tanto de erudição (mas sem complicação). Ele imaginava então um improvável encontro entre Carl Friedrich Gauss (1777-1855) e Alexander von Humboldt (1769-1859), dois sábios do Iluminismo germânico. Mas essa história, na verdade melhor seria dizer histórias, é mais do que uma só, porque várias partes do livro se assemelham a contos completos.

Ele faz a mesma coisa em Fama – Um romance em nove histórias, mas vai um pouco mais longe com seu bom humor e imaginação, a ponto de o escritor norte-americano Jonathan Franzen, autor de As Correções (Companhia das Letras, 2001) e outros sucessos literários, escrever tratar-se Fama de “Uma beleza de livro, absurdo, satírico, melancólico e humano.” Mal-entendidos como os que ocorrem na vida real são levados ao extremo por Kehlmann, que também destila ironia sobre a glória, o sucesso e igualmente sobre o anonimato, por quê não?

Em Fama as histórias também se parecem com contos, como se deu no já citado A Medida do Mundo, e algumas delas poderiam ser lidas separadamente como umas três, as melhores do livro: Rosalie Viaja Para Morrer (terceira história), A Saída (quarta) e Oriente (quinta). Mas todas as nove narrativas são muito interessantes e estão interligadas, conectadas pelos personagens que por elas transitam. Um deles é brasileiro, mas tem um nome bem latino, Miguel Auristos Blancos.

Ele ficou milionário escrevendo livros de autoajuda e me lembrou um tanto Paulo Coelho. Os livros e os pensamentos de Auristos Blancos são várias vezes citados ou referidos pelos outros personagens. Coelho não é citado nenhuma vez, logicamente. E há mais personagens que são escritores, sendo que um deles, na verdade uma escritora, se mete numa tremenda enrascada quando vai para um congresso literário na Ásia Central em substituição a outro escritor, acabando num lugar que poderia ser chamado de Absurdistão (isso é por minha conta, hein).

Mas pessoas que não são famosas, anônimos, também estão presentes no livro. E tudo começa com um deles, em Vozes. Que é a história de Ralf Ebling, um técnico em informática que conserta computadores, e resolve comprar um telefone celular (nem todo mundo tinha o aparelho em 2009, data da publicação de Fama na Alemanha). Só que logo no primeiro dia ele começa a receber, de uma mulher e outros, ligações para um tal Ralf como ele, mas depois se vê que este é uma celebridade. Mas como isso foi possível, toda essa confusão, se o aparelho era novo?

De início ele não diz nada, desliga, depois entra no jogo, na brincadeira para ele, e começa a se passar pelo outro, a celebridade, sem saber disso. Somente perto do final vamos descobrir o que aconteceu com o aparelho, de fato. E antes disso vemos o que acontece com o Ralf célebre, a quem eram destinadas as ligações que o técnico em informática andava recebendo. Pobre dele, que passa por situações bizarras e constrangedoras depois de seu número de celular ter sido atribuído ao anônimo Ralf...

Rosalie Viaja Para Morrer é uma delícia de história, cheia de metalinguagem como outras partes do livro. A resignada e idosa personagem viaja para a Suíça para uma clínica que permite o suicídio assistido porque o médico lhe informou que seu câncer de pâncreas era incurável, o fim dela estava próximo. Mas o tempo todo Rosalie se rebela contra o autor que a criou porque não quer morrer. Eles discutem, o escritor reconhece que ela é, de todas as suas personagens, “a mais inteligente.” Mesmo assim, ela irá morrer. Irá mesmo?

Gostei tanto de Fama que depois que terminei a leitura reli todas as histórias e elas me pareceram mais saborosas ainda. Porque conhecendo melhor os personagens e as situações, na segunda leitura a coisa me pareceu bastante engenhosa, o modo como Kehlmann concebeu e desenvolveu o livro inteligentemente, assegurando muito prazer aos seus leitores. Daí que Franzen escreveu que Fama era uma beleza de livro. Bota beleza nisso!