Tudo é Rio - Carla Madeira
Tudo é Rio, de Carla Madeira
Sou um tanto reticente com os comentários marqueteiros que as editoras fazem ao publicar livros, estampando-os nas capas e contracapas. Assim como faz parte do jogo publicitário, também faz parte do meu ser duvidar ao menor sinal de necessidade em evitar frustrações e quebras de expectativas. Nem que para isso eu tenha que criar esse sinal.
De acordo com a editora, Pedro Pacífico (não sei quem é) escreveu sobre o livro as seguintes palavras: "'Tudo é Rio' é surpreendente! É uma narrativa simples e, ao mesmo tempo, densa que vai te deixar com vontade de sair marcando várias passagens."
Li o livro depois que minha irmã leu e, obviamente, estava cheio de passagens sublinhadas de azul-Marcelle (é um azul claro demais para ser escuro, escuro demais para ser claro, mas também que não é médio). Eu mesmo guardei alguns trechos para mim. Bom, ponto para Pedro Pacífico. Terei que assinar embaixo.
Tudo é Rio é o livro de estreia de Carla Madeira. É um grande sucesso literário, ocupando por semanas consecutivas o topo de vendas no Brasil. Resumidamente, e sem spoilers, Carla nos conta a história do triângulo amoroso entre Venâncio, Dalva e Lucy.
Por mais óbvio que seja a comparação, a leitura desse livro é similar a navegar um rio, ou para ser mais exato, três rios e os mais variados afluentes que deságuam nestes rios, formando-os sinuosos, mansos, belos, sujos, estranhos, perigosos, barrentos, transparentes.
Carla vai nos conduzindo por esse complexo estudo hidrográfico sobre a vida com maestria. Não se engane, não será uma viagem suave. As primeiras palavras já escancaram o que virá a seguir: "Puta. Não tem outro nome para Lucy. (…)".
A história tem dentro de si uns solavancos. Aviso aos navegantes: quem gosta de verossimilhança (como eu mesmo), use o colete salva-vidas, respire fundo, agarre o fundo do barco com os dedos do pé e siga o fluxo da água para não afundar. Mas fique tranquilo, é bem possível e plausível aproveitar a viagem.
Por outro lado, a linha narrativa tortuosa ressalta que a escrita de qualidade de Carla Madeira é simples. Ali, no meio da história, a autora nos presenteia com reflexões. E faz de uma forma tão simples que chega a ser encantador como, em poucas palavras, a autora esboçou com tamanho talento a profundidade de sentimentos e reflexões que perpassam a intimidade humana. Tal qual um espelho d'água, ao serem marcadas, as páginas do livro refletem o traço do lápis e marcam também o leitor.
Ao longo das margens desse livro, somos convidados a refletir: amor, desejo, conquista, moralidade, m(p)aternidade, tristeza, dor, luto, perdão (…). A forma como Carla aborda e articula tudo isso dentro da história, ora empregando bastante lirismo, transformando sua escrita em uma prosa, ora moldando uma escrita crua e dura, evidenciando o real, é primorosa e digna de nota.
Finalmente, recomendo a leitura. Tome o seu tempo, coloque de lado algumas certezas, prepare um lápis, um copo de água e, para os mais sensíveis, um lenço.
Boa viagem!