Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) publicou em 1962 o seu livro mais conhecido, The Structure of Scientific Revolutions (A Estrutura das Revoluções Científicas), texto que inovou o vocabulário da historiografia das ciências, que a partir de então recorrentemente utiliza expressões como “paradigma”, “mudança de paradigma”, “revolução científica”. Kuhn é norte-americano: nasceu em Cincinatti (Ohio) estudou em Harvard, lecionou em Berkeley, Princeton e no Massachussets Institute of Tecnology-MIT[1].

 

O que se define como pesquisa, sintetizou Kuhn, depende de consenso e legitimação. Lembra-nos Marnie Hughes-Warrington que, à luz do argumento de Kuhn, não se legitimaria o estudo da ótica antes de Newton, da eletricidade antes de Franklyn, do movimento antes de Aristóteles, ou mesmo da química antes de Boyle. E ainda que pesquisas científicas suscitem conhecimento linear e portanto cumulativo, anomalias e variáveis — inesperadas — engatam ajustes de rota, que Kuhn denominou de revoluções científicas. As pesquisas e avanços de Copérnico, Darwin, Newton e Einstein ilustram a assertiva.

 

Do ponto de vista da teoria da história a colaboração de Kuhn decorre, especialmente, da indicação da necessidade de se relacionar um padrão de pesquisa, um paradigma e os respectivos contextos do que Kuhn denominava de ciência normal. Segundo Kuhn, “uma investigação próxima de uma dada especialidade, em um dado tempo suscita o conjunto de exemplos recorrentes e quase em forma de modelos, de várias teorias quanto às suas aplicações conceituais, observacionais e instrumentais”[2].

 

Nesse sentido, e de um modo muitíssimo simplificado, um pré-consenso avança para uma ciência reputada como normal que, uma vez desafiada, viverá uma crise, superada por uma mudança de referenciais, cujo sentido revolucionário conduz a uma nova ciência que ganhará foros de normalidade. Essa ciência reputada como normal qualificaria um paradigma, a ruptura confirmaria uma quebra de paradigmas; a avaliação e o monitoramento desse movimento permite-nos a compreensão de que as revoluções científicas se revelam e se desdobram como estruturas. Por isso, apenas o que presentemente se aceita como normal é que de nós recebe algum nível de relevância.

 

Teorias, então, enquanto ainda não desafiadas ou submetidas a correção de rota, guardam alguma correspondência com uma verdade amplamente aceita. O problema, acredito, seria alguma discussão em torno da validade dessas premissas e percepções em âmbito de ciências sociais aplicadas, mais especialmente em relação ao direito.

 

Irritante a obsessão de alguns textos que insistem que a teoria de Kuhn explicaria a recente história do direito. Nesse discurso, por exemplo, o tema da proteção ambiental qualificaria um novo paradigma; e assim, construiu-se todo um conjunto de invocações principiológicas, posto como marco interpretativo dessa nova e imaginária realidade.

 

Indago se o tema central da teoria de Kuhn, que pretendia alcançar algum sentido na história das ciências, e de seus problemas, também se aplicaria às ciências sociais aplicadas em geral, e ao direito ao particular.

 

É que esse último, que deve ser realisticamente tomado como uma técnica de decisão, sofre permanente e contínua invasão de outras áreas do conhecimento, em nome de uma açucarada interdisciplinaridade que promove menos uma compreensão de problemas gerais do que um produtivo diálogo entre campos do conhecimento que efetivamente não se comunicam, por falta de repertório comum.

 

Para o Direito, o aporte de outras disciplinas e campos epistêmicos, que necessariamente não dialogam com problemas jurídicos em pauta, pode resultar em adereço retórico, que apenas comprova tendência do jurista menor transformar-se no generalista maior.

 

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[1] Dados pessoais e informações centrais colhidas em Hughes-Warrington, Marnie Fifty Key Thinkers on History, London and New York: Routledge, 2003, pp. 186 e ss.

 

[2] Kuhn, Thomas, The Structure of Scientific Revolutions, Chicago and London: The University of Chicago Press, 1996, p. 43. Tradução livre minha. No original: Close historical investigation of a given specialty at a given time discloses a set of recurrent and quasi-standard illustrations of various theories in their conceptual, observational, and instrumental applications. 

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 06/12/2024
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