Arnold Toynbee (1889-1975), a exemplo de Tucídides (cerca de 460-400 a.C.), foi um historiador que viveu em tempos de guerra. Aquele primeiro, Toynbee, vivenciou as duas grandes guerras mundiais; esse último, Tucídides, presenciou a Guerra do Peloponeso, que relatou em livro fundador da história. Ambos, atores e espectadores de seus tempos. Ambos, obcecados pelo passado, que buscavam talvez como fuga de um presente que os atormentava.
Tucídides, um realista, abominava o sobrenatural: o mais forte venceria. Toynbee, também realista, apresentou desconcertante avaliação histórica das religiões, com estações no culto à natureza, na formação das instituições religiosas, e na secularização da civilização ocidental, na qual se idolatra também uma tecnologia supostamente invencível[1]. Esse tema também é recorrente em Max Weber. George Arthur Butrick, historiador da religião e teólogo, impressionado com uma palestra que Toynbee dera em Harvard, à época da crise dos mísseis em Cuba, esboçou uma resposta para o historiador inglês, invertendo o argumento. Toynbee leu historicamente a teologia. Butrick concebeu teologicamente a história[2]. História e teologia, de algum modo, também se aproximam, naquilo que propõem como explicação do mistério da vida, e como redenção no futuro.
Ao contrário de Butrick e de Tucídides, Toynbee era um pessimista. Talvez porque vivera ao longo da desagregação do império britânico[3], presenciando — inclusive como agente do Foreign Service — a perda da Índia, Toynbee intuiu que as forças políticas se perdem na glória. Atenas, Veneza, Constantinopla, Lisboa e Madrid foram centros urbanos que viveram, de algum modo, e de algum forma, a crise vivida por Londres. A decadência seria razão superveniente e suficiente do crescimento; trata-se de concepção quase dialética, ainda que de dialética só se apresente um antagonismo recorrente. Nem Hegel, nem Marx.
Para Toynbee as civilizações viveriam em um contexto de desafios e respostas. Surgem, ganham força e se superam quando esbaram em um obstáculo. Os climas, as guerras, a sobrevivência e o quadro geral de dificuldades da existência natural seriam os elementos de propulsão da vida social.
É a tese da challenge and response, testada e apontada por Toynbee, em ampla obra, com mais de dez volumes, que redigiu de 1934 a 1961, e que simplesmente denominou de A Study of History (Um Estudo da História). Trata-se de livro festejado até por alguns franceses ressabiados, a exemplo de Raymond Aron, para quem a obra de Toynbee representava um dos pontos mais importantes da historiografia do século XX.
O realismo de Toynbee atingia inclusive a teoria das fontes. O conhecimento histórico seria decorrente da mera disponibilização dos artefatos e documentos encontrados. Há fontes que nunca foram localizadas. Por exemplo, para Guy Bordé, em comentário a Toynbee, sabemos sobre o Egito ptolomaico porque a aridez das margens do Nilo permitiu a preservação dos papiros. Quanta coisa se perdeu, em tantos lugares do mundo. A história, assim, seria também um elemento do acaso.
O que não se dá, por outro lado, com o realismo marcante do enfrentamento de desafios. O tema do desafio e da resposta é — de alguma forma — convite para o enfrentamento, mera lembrança de que na dificuldade crescemos, ainda que não possamos desprezar a advertência de Roberto Mangabeira Unger, para quem a tragédia não pode ser a parteira do progresso, pelo que não podemos depender das catástrofes para que modifiquemos nossas rotinas e arranjos institucionais. Para Mangabeira, não há porque esperarmos a passagem de um cometa, como um anúncio que devemos mudar. A mudança é imediata, porque de respostas vive a vida, que nos coloca desafios.
Arnold Toynbee deixou-nos uma filosofia da história provocante. No ponto aqui lembrado, a lição de que o avanço é fruto da perplexidade.
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[1] Cf. Toynbee, Arnold, An Historian´s Approach to Religion, London: Oxford University Press, 1956.
[2] Butrrick, George Arthur, Christ and History, New York: Abingdon Press, 1963.
[3] O pessimismo e o tema dos desafios e respostas em Toynbee, bem como as ideias nucleares desse ensaio, foram buscados em Bourdé, Guy e Martin, Hervé, As Escolas Históricas, Lisboa: Euroamérica, 2003, pp.57-61. Tradução de Ana Rabaça.