Tobias Barreto de Menezes (1839-1889) defendeu a cultura e o pensamento alemães, combatendo as influências francesas que havia no Brasil do século XIX. Singular personagem de nossa história cultural, Tobias Barreto provocou os defensores de Augusto Comte, e de tudo quanto era francês, ao afirmar que “os pensadores alemães, em quase todos os domínios da inteligência, andam dez anos, pelo menos, adiante dos franceses”[1]. Tobias Barreto aprendeu alemão sozinho. É o que colhe em interessante passagem de um biógrafo:
“O que se sabe sore o modo como se deu a sua adesão ao germanismo é muito vago e prosaico; um dia, no Recife, entrou em uma livraria da rua do Imperador, conhecida por Laillacard, e comprou um dicionário e uma gramática alemão e pediu ao livreiro que mandasse vir da Europa Geschitche des Wolkes Israel, de Ewald. Segundo Sílvio Romero este foi o primeiro livro em alemão que Tobias leu; enquanto esperava recebê-lo aprendeu, sem fazer uso de nenhum professor, a difícil língua tedesca; comentários de autores ingleses e franceses sobre as novas teorias surgidas na Germânia tinham levado a sua curiosidade a conhecer os referidos autores e teorias na língua original. Sob esse influxo, aos 31 anos de idade, teve que renovar todos os seus conhecimentos, todas as suas teorias, adotando o critério monístico para suas dissertações de crítica, filosofia, direito, religião e política”[2] .
Tobias Barreto lecionou na Faculdade de Direito do Recife, onde exerceu intensa influência[3], que pode ser sentida em Silvio Romero, Clóvis Beviláqua, Graça Aranha, entre tantos outros. Tobias é também considerado pensador que deu início ao culturalismo brasileiro, influenciando, nesse sentido, Silvio Romero, Alcides Bezerra, Djacir de Menezes, Miguel Reale, Evaristo de Moraes Filho, Luis Washington Vita, Paulo Mercadante, Roque Spencer Maciel de Barros, Antonio Paim, Nelson Nogueira Saldanha, Ricardo Vélez Rodrigues, entre tantos outros[4]. Ainda que absolutamente obcecado pela cultura alemã, o que ocorreu a partir de 1870, Tobias Barreto percebia no germanismo mais uma forma, entre tantas outras, de se pensar o Brasil. Tobias Barreto foi um pioneiro do culturalismo brasileiro[5].
Tobias Barreto venceu animadíssimo concurso para professor na Faculdade de Direito do Recife com tese na qual contestava a existência de direitos naturais originários. Ao que consta, “ao apresentar-se, em 1882, para concurso a um lugar de lente substituto, Tobias vinha já envolto numa auréola, que o destacava no respeito de um grupo, embora restrito, de admiradores”[6] . Tobias Barreto era diferente, pensava de modo diferente, diferenciava-se dos demais colegas de ensino, especialmente no sentido de que “há no carácter de todo reformador uma certa muscularidade, uma certa bruteza, companheiras da sinceridade da crença e da força dos sentimentos”[7].
Tobias Barreto escreveu também em alemão. Há notícias de três monografias, Brasilien wie es ist in literarischer Hinsicht betrachtet (que publicou em Escada, no Pernambuco, em 1876), Ein offener Brief an die deutsche Presse (também publicada em Escada, em 1878), bem como um estudo sobre o ensino de direito no Brasil, denominada de Rechtsleben und Rechtstudium in Brasilien (que data de 1880)[8]. Tobias Barreto chegou a editar um jornal em língua alemã, quando vivia em Escada; o jornal denominava-se Deutscher Kämpfer, isto é, O Lutador Alemão. Há notícias de que o estudo sobre o ensino de direito no Brasil, originariamente redigido em alemão, nunca foi encontrado[9].
Vários textos de Tobias Barreto a propósito de temas alemães foram reunidos e publicados[10]; nestes excertos e fragmetnos percebe-se a imensa influência de pensadores da Alemanha, a exemplo de Eduard von Hartmann, Franz von Holkendorff, Rudolf von Iehring e, talvez principalmente, Immanuel Kant[11]. Tobias Barreto fora o primeiro intelectual brasileiro a citar Marx no Brasil[12].
Tobias Barreto, que também foi poeta, competindo com Castro Alves, de quem foi contemporâneo, é o patrono da cadeira número 38 da Academia Brasileira de Letras.
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[1] Barreto, Tobias, Estudos de Direito, Campinas: Bookseller, 2000, p. 19.
[2] Mont’Alegre, Omer, Tobias Barreto, Rio de Janeiro: Vecchi, 1939, p. 92.
[3] Essa influência pode ser estudada, entre outros, em Picanço, Melchiades, Picanço, Macário e Picanço, Aloysio, Tobias Barreto- pensamento e vida, Rio de Janeiro: sem indicação de editora, 2005.
[4] Conferir, nesse tópico, inclusive com coletânea de textos originais, Carvalho, José Maurício de, Antologia do Culturalismo Brasileiro- um século de Filosofia, Londrina: CEFIL, 1998.
[5] Cf. Reale, Miguel, Figuras da Inteligência Brasileira, São Paulo: Siciliano, 1994, p. 51.
[6] Lima, Hermes, Tobias Barreto, a Época e o Homem, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1963, p. 156.
[7] Amado, Gilberto, Tobias Barreto, Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1934, p. 29.
[8] Cf. Mercadante, Paulo, Tobias Barreto na Cultura Brasileira- uma reavaliação, São Paulo: Grijalbo, Editora da USP, 1972, p. 39.
[9] Conferir Vamireh Chacon em importantíssimo estudo sobre o germanismo de Tobias Barreto, em Barreto, Tobias, Monografias em Alemão, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1978, p. 13.
[10] Barreto, Tobias, Estudos Alemães, Rio de Janeiro: Record e Aracaju: Secretaria de Cultura e Meio Ambiente, 1991.
[11] Conferir, por todos, nesse tema, o germanismo em Tobias Barreto, o importantíssimo estudo de Pessoa, Lilian de Abreu, Aspectos do Pensamento Alemão na Obra de Tobias Barreto, São Paulo: USP, 1985.
[12] Cf. Chacon, Vamireh, Da Escola do Recife ao Código Civil, Rio de Janeiro: Organizações Simões Editora, 1969, p. 32.