Elogio da beleza atlética - Hans Ulrich Gumbrecht
ÓTIMO: o elogio da beleza atlética corresponde a uma forma de gratidão aos homens e mulheres que deram o melhor de si para alegrar e dar prazer a milhões de pessoas ao redor do mundo
Hans Ulrich Gumbrecht - Elogio da beleza atlética, SP, Companhia das Letras, 2007, 184 páginas
Embora neste ensaio haja menções a Ayrton Senna, Hortência Marcari e Oscar Schmidt, quem se sai muito bem o tempo todo são mesmo nossos futebolistas, particularmente dois deles, Pelé e Garrincha, endeusados pelo autor e por milhões de torcedores de futebol mundo afora.
O entusiasmo do alemão Gumbrecht – professor de literatura na universidade americana de Stanford à época da publicação original, 2005 – relativo ao Brasil se estende também ao estádio do Maracanã, ao técnico Telê Santana e à seleção brasileira que foi derrotada na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Justamente a seleção que praticava o chamado futebol-arte, que tinha os artistas Sócrates, Falcão e Zico no elenco...
Outros esportistas de diversos países são também amplamente elogiados, claro: Jesse Owens, Pablo Morales, Evelyn Ashford, Franz Beckenbauer, Diego Maradona, Nadia Comenici, Michael Schumacher, Greg Louganis, Zinedine Zidane, Michael Jordan, Muhammad Ali etc. E o que o desempenho de todos eles ou alguns episódios esportivos por eles protagonizados têm a ver com Descartes, Nietzsche e especialmente Kant?
Muito mais do que supõe a nossa vã filosofia, eu diria no lugar do autor. Para embasar seus elogios filosoficamente, Gumbrecht toma algumas citações dos pensadores francês e alemão; do prussiano Kant aproveita as ideias sobre o belo dispostas em sua obra Crítica do Juízo. Várias páginas do ensaio são dedicadas ao estudo do juízo estético kantiano.
Resumidamente, e muito, podemos dizer que “a sensação que temos de que algo é ou não bonito depende exclusivamente de um sentimento interior de ‘prazer ou desprazer’. Sentimento esse puro e desinteressado, não desinteressante." E Gumbretch prossegue na seara kantiana: “Ele [Kant] não tenta prever que todos chegarão ao mesmo juízo estético sobre determinado livro, concerto ou jogo de futebol. O que ele quer ressaltar é que nossos atos de juízo estético sempre implicam a expectativa de que todos concordem – talvez até um convite para isso.”
Gumbrecht está falando daquilo a que Kant chamou “universalidade subjetiva”. Conceito que explicaria a existência de clubes, associações e torcidas organizadas, por exemplo. E que também faz com que uma derrota possa ganhar uma aura épica, como ocorreu com a nossa seleção de futebol em 1982... Mas ao se falar da beleza do esporte é preciso, sem dúvida, falar da Grécia antiga.
Daí que a segunda parte do ensaio, muito interessante também, é uma viagem pela história do esporte. Que se inicia nas primeiras Olimpíadas e vem até nossos dias, quando o atletismo assumiu ares grandiosos, também de grandes negócios, de valores fabulosos. Dois conceitos empregados pelo autor para explicar a evolução das atividades atléticas são, logicamente, de origem grega: “agon” e “arete”, significando o primeiro “competição” e o segundo “a busca pela excelência”.
Nas palavras de Gumbretch, qualquer coisa a que chamemos de esporte “é uma forma de performance, ou seja, qualquer tipo de movimento corporal visto da perspectiva da presença [de público]. As formas de performance esportiva são específicas porque são permeadas pelos valores de “agon” e “arete”, como vemos constantemente em jogos oficiais. A partir daí desfilam pelo ensaio semideuses gregos, gladiadores romanos, cavaleiros medievais, jogadores de cálcio, boxeadores do século XVIII, jogadores de beisebol do século XIX, os jogos olímpicos da era moderna (a partir de 1896), fisiculturismo, copas do mundo de futebol, jogos de inverno, a televisão e os esportes...
Tudo é estudado por Gumbrecht e daí saem curiosas histórias de atletas ou episódios esportivos que nos são contados de modo a parecer que estamos lendo um romance empolgante, bonito, belo enfim e não apenas um ensaio acadêmico. Bem, pelo menos foi o que aconteceu comigo e certamente com muitos outros leitores. Assim, temos então, salvo engano, outro exemplo do conceito de universalidade subjetiva de que falava Kant em seus juízos estéticos. A terceira parte do livro trata do fascínio que o esporte exerce sobre os espectadores, coisa que vai além de vitórias, derrotas e recordes quebrados.
São vários os elementos que fascinam os espectadores, como os corpos esculpidos dos atletas, coisa que vem desde a Grécia antiga, o sofrimento, a violência (nos dois casos pense no boxe), mas sobretudo a graça, que é especialmente visível na ginástica artística. Gumbrecht afirma que graça e violência podem caminhar juntas muitas vezes, que ambas estiveram quase sempre presentes nas empolgantes lutas de Muhammad Ali. E conclui que o “kendo”, arte marcial japonesa, reuniria beleza, graça e violência com perfeição.
Gumbrecht, ele mesmo um apaixonado apreciador de diversos esportes, frequentador assíduo de jogos e competições, finaliza o ensaio escrevendo que fazer o elogio da beleza atlética, como se deu neste livro, deve ser entendido como uma forma de gratidão aos seus heróis esportistas, homens e mulheres que deram o melhor de si para trazer alegria e prazer a milhões de pessoas ao redor do mundo.
Mas como nada é perfeito, nem o mundo atlético, relembra, entre outros, casos de esportistas problemáticos ou com problemas passageiros, que sucumbiram às drogas (Maradona), morreram pobres e doentes (Garrincha) etc. E se tivesse escrito o livro recentemente poderia até mesmo citar a prisão em 2020, no Paraguai, de Ronaldinho, um dos melhores futebolistas do mundo, fato reconhecido pela FIFA em 2004 e 2005 e por ele neste livro.