Claude Lévi-Strauss foi antropólogo de maior importância junto à corrente estruturalista. Na década de 1930, Lévi-Strauss esteve no Brasil ao lado de um grupo de professores franceses, na ocasião de implantação da Universidade de São Paulo. Tristes Trópicos é livro de memórias que permite que possamos olhar o Brasil na percepção do antropólogo belga.

 

Há descrições pormenorizadas de muitos grupos nativos, a par de informações úteis sobre vários lugares do país, a exemplo do norte do Paraná, que Lévi-Strauss conheceu no início da colonização inglesa naquela região. Aliás, não propriamente colonização inglesa, dado que se teve na prática apenas a atuação de companhia colonizadora a Paraná Plantation, rebatizada de Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, durante a II Guerra Mundial.

 

Ao longo da região do rio Tibagi, onde hoje há cidades como Jataizinho e Londrina (nome que invoca a presença inglesa), Lévi-Strauss conheceu os nativos no momento em que o processo de extinção se acelerava. A narrativa é rica em pormenores:

 

Nessas terras que dominam as duas margens do rio Tibagi, cerca de mil metros acima do nível do mar, tive meu primeiro contato com os selvagens, quando acompanhei em sua visita um chefe do distrito do Serviço de Proteção aos Índios (...) Ao deixar os índios entregues aos próprios meios, o Serviço de Proteção demonstrava a indiferença de que se tornara objeto por parte dos poderes públicos (...) assim, foi obrigado, sem tê-lo desejado, a tentar outro método que incitasse os indígenas a ter alguma iniciativa e os forçasse a reassumir seu próprio governo. De sua experiência efêmera de civilização, os indígenas só conservaram as roupas brasileiras, o machado, a faca e a agulha de costura. Quanto ao resto, foi um fracasso. Haviam lhes construído casas, e eles viviam do lado de fora. Esforçaram-se para fixá-los nas aldeias, e eles permaneciam nômades. As camas, quebraram-nas para fazer lenha e dormiam diretamente no chão. Os rebanhos de vacas mandadas pelo governo vagavam ao léu, já que os indígenas rejeitavam com nojo sua carne e seu leite. Os pilões de madeira, movidos mecanicamente pelo encher e esvaziar alternados de um recipiente preso a um braço de alavanca (dispositivo freqüente no Brasil, onde é conhecido pelo nome de “monjolo”, e que os portugueses talvez tenham importado do Oriente), apodreciam, inutilizados, mantendo-se a prática generalizada da moagem à mão (Lévi-Strauss, 1996, página 143).

 

Lévi-Strauss observou estruturas que não se comunicam, convenções que não promovem diálogo. Atinge a própria identidade da liberdade, “que não é uma invenção jurídica nem um tesouro filosófico, propriedade querida de civilizações mais dignas que outras porque só elas saberiam produzi-la ou preservá-la” (Lévi-Strauss, 1996, página 139).

 

Experiências como a mencionada por Lévi-Strauss multiplicaram-se pelo Brasil. Henry Ford cogitou de uma Fordlândia na Amazônia, com vistas a produzir borracha. Preparou beliches para o sono dos sertanejos, que dormiam em redes... Ordenou farta distribuição de ovos e de bacon no café da manhã, quando os matutos ansiavam por tapioca...

 

Já se escreveu que Lévi-Strauss é dono de fecunda e volumosa obra, fruto de sua erudição e experiências de campo. Lévi-Strauss parte de modelo de análise estrutural desenvolvido por Ferdinand de Saussure, avançando para seis postulados básicos: visão sincrônica e sistêmica de cultura, visão globalizante do fenômeno cultural, a adoção de noções de estrutura social e de relações sociais, utilização de modelos na análise cultural, unidade de análise a partir de estruturas mentais inconscientes e compreensão ampla da realidade cultural.

 

O excerto acima reproduzido de Lévi-Strauss, escrito durante sua passagem no norte do Paraná, é indicativo dessa percepção sistêmica, que informa as análises do antropólogo belga. A diversidade de culturas é fenômeno natural, resultante de relações diretas e indiretas entre as sociedades. Tristes Trópicos é livro emblemático, que promoveu encantamento com o exótico, e fez do estruturalismo antropológico o símbolo de um modelo de compreensão da condição humana.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 03/12/2024
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