O Direito, a Filosofia e a Política foram os três grandes temas que marcaram o pensamento e a ação de Miguel Reale. Descendente de imigrantes italianos, filho de médico, Miguel Reale nasceu em São Bento do Sapucaí, em 6 de novembro de 1910. Faleceu em São Paulo, em 14 de abril de 2006, vítima de um enfarte do miocárdio.

 

Notabilizou-se, entre outros, na condução do novo Código Civil Brasileiro, promulgado em 2002 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A reputação do pensamento filosófico de Miguel Reale decorre, também, da concepção de uma teoria tridimensional do Direito, tema de um de seus livros, de 1968, no qual o jusfilósofo brasileiro vinculava fatos, valores e normas, como expressões da realidade jurídica, retomando linha de reflexão que enunciara em 1940, em tese para concurso de Professor Catedrático.

 

Miguel Reale começou a cursar Direito em 1930, no Largo de São Francisco, em São Paulo. Formou-se em 1933. Em 1940 Reale foi aprovado em concurso para professor catedrático de Filosofia do Direito na Universidade de São Paulo. Defendeu tese posteriormente publicada em Fundamentos do Direito. O texto explorava as dimensões do Direito, problematizando-o em vários aspectos. O Direito era percebido como categoria racional, como fato histórico ou social, como fato e como norma, como norma pura, como fato cultural, como fato institucional, como fato normativo e intuição, como fato, valor e norma; Reale enunciava as primeiras linhas da teoria tridimensional.

 

Em 1949 Reale fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia, que editou a prestigiosa Revista Brasileira de Filosofia. Em 1949, Miguel Reale foi nomeado reitor da Universidade de São Paulo, cargo que renunciou no ano seguinte. Ao longo da década de 1950, Miguel Reale oscilou entre Têmis e Minerva, advogando e lecionando Filosofia do Direito.

 

Em 1953 publicou Filosofia do Direito. A parte final do livro, que relaciona Direito e Moral, suscita possibilidade de apreensão dos aspectos centrais do pensamento jusfilosófico de Miguel Reale. A relação entre Direito e Moral foi retomada a partir da Paidéia grega, vinculada ao sentido romano de voluntas. Reale avançou para o medievo, no sentido de explicitar historicamente a Justiça enquanto uma proportio ad alterum. O contratualismo fora identificado com base em trajetória marcada pela redução individualista. Reale aproximou-se de Thomasius e de Kant de modo a alcançar sentidos de exterioridade, coercibilidade e heteronomia, identificando as dessemelhanças entre a moralidade e a juridicidade.

 

Para Reale, a bilateralidade atributiva do Direito é uma de suas notas essenciais. Em 1968 publicou a Teoria Tridimensional do Direito, um de seus livros mais expressivos. Para Reale, intersubjetividade e convivência ordenada seriam expressões da natureza humana; de tal modo, o fenômeno jurídico suscita, sempre e necessariamente, um fato subjacente, um valor que afere o significado do fato. A norma ou a regra integraria fatos e valores, matizando uma realidade concreta.

 

Em 1969 Reale publicou Lições Preliminares de Direito, livro de introdução, que vem sendo estudado na quase totalidade dos cursos de Ciências Jurídicas do Brasil. Trata-se de texto base, adotado, sem restrições, por professores de Introdução ao Estudo do Direito, desde seu lançamento. É a obra mais conhecida e estudada de Miguel Reale, na qual o autor apresentou noções elementares de Direito, com focos na linguagem jurídica, na posição do Direito no mundo da cultura, em problemas epistemológicos. É texto seminal na cultura jurídica brasileira. Influenciou uma legião de apaixonados pelo Direito.

 

Reale vinculou o Direito à Sociologia e à Economia. Retomou a questão clássica da relação entre natureza e cultura, entre o dado e o construído. Discorreu sobre os juízos de realidade e de valor. O Direito é conceituado em sua estrutura tridimensional, em capítulo desenvolvido após reflexões a propósito das relações entre o Direito e a Moral. As regras jurídicas são classificadas e as fontes do Direito inventariadas: lei, costume, jurisprudência, doutrina, modelos dogmáticos e fontes negociais. Entre outros, há também capítulos sobre Hermenêutica, sobre planos e âmbitos do conhecimento jurídico, sobre a taxonomia do Direito, sempre com fundamento em teoria da justiça de inspiração kantiana.

 

Em 1975, Miguel Reale foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, tomando posse na cadeira de número 14. No mesmo ano, não teria aceitado convite feito para vaga no Supremo Tribunal Federal. Em 1985 participou de comissão que elaborou anteprojeto de constituição, levado à Assembleia Nacional Constituinte, em 1986.

 

Dedicou-se ao novo Código Civil, finalmente promulgado em 2002. Reale teria informado o novo modelo de Direito Privado brasileiro nos princípios de eticidade, de socialidade e de operabilidade. Um apaixonado do magistério, Miguel Reale sintetiza o pensamento jusfilosófico brasileiro, do qual é o mais abalizado representante. Dono de produção bibliográfica impressionante, Miguel Reale publicou obras de filosofia pura, de filosofia do direito, de política, de teoria do Estado, de direito positivo, bem como poesias e dois volumes de memórias. É nosso mais importante filósofo do Direito, uma das personalidades mais marcantes de nossa cultura.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 02/12/2024
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