"Incidente no Caribe" de Denise Reis
Romance de ficção científica impresso por Gráfica e Editora Regional Ltda. - Rio de Janeiro, 2005. ©️ 2004 da autora. Prefácio: André Valente. Texto da orelha: Eneida Virgílio. Capa: Sylvio de Oliveira. Diagramação: Denise Reis. Foto da capa: Sérgio Gordilho. Modelo da foto: Ângelo Freitas. Revisão técnica: Alberto Chagas Barreto.
Estamos diante de um livro independente muito bem impresso e produzido, mas já de saída com uma falha: nenhum endereço real. Embora o livro apresente código de barras, a gráfica e editora mencionada na última página certamente apenas imprimiu a obra, pois nem endereço revela. Apenas deparamos com a estranha observação: "Não encontrando este livro nas livrarias, você também pode adquiri-lo através do site www.webzip.com.br/caribe".
De qualquer modo a novela é supervalorizada. A autora, mostrada em foto na segunda orelha, é apresentada como engenheira e jornalista, editora de mais de 40 títulos pela Leviatã (Rio) da qual foi sócia, ex-gerente de "marketing" e consultora universitária e atualmente produtora de eventos culturais e "webdesigner". O prefaciador, entusiasmado, diz que "Denise Reis nos conta tudo isso com um texto muito bem construído literaria e linguisticamente. Há passagens que são demonstrações explícitas de domínio da língua portuguesa, fato raro atualmente e que merece ser exaltado".
Sem embargo, o livro é fraco e não corresponde às expectativas. O próprio título é enganoso e o enredo prende-se aos clichês teosoficos sobre a Atlântida e as causas da sua ruína, acrescentando o detalhe dos OVNIS.
A narração é distante, perfunctoria, toda centrada num único personagem, o cientista Renato di Cosmo, aliás uma figura medíocre e sem profundidade, estereotipada. Um sujeito estranhamente sem vínculos e supostamente um pesquisador de ideias largas. Os outros integrantes da história não têm nome. Renato, atravessando sem querer um portal temporal no Triângulo das Bermudas, vai parar na Atlântida às vésperas da destruição. É tão tapado que pensa quase o tempo todo ter ido parar no futuro, apesar dos sinais que são óbvios para os leitores. Ele não se apresenta a ninguém, sendo chamado de "estrangeiro". O personagem que aparece na página 50 é apenas "o Mago". Outro é simplesmente "o rapaz", "o mesmo que o abordara no dia em que fôra pela primeira vez ao Setor dos Magos e Artistas". Parece que a autora não quis se arriscar com nomes atlantes. A denominação da civilização atlante é quase pueril, com personagens dando fáceis explicações didáticas ao cientista que, diga-se de passagem, na maior parte da aventura move-se furtivamente sem ser notado ou investigado pelas forças de segurança e até efetua tranquilamente alguns furtos.
Renato é teleportado nú e desperta, sem saber, na Atlântida. Acaba roubando um manto e com ele, sem dinheiro, mudas de roupas ou documentos, sem nome e sem história, vai se virando até retornar ao século XXI. A autora não se refere a calçados; é de crer que o protagonista se encontrava descalço, já que estava nú; mas rouba apenas um manto (em circunstâncias facilitadas pela escritora) e fica tudo por isso mesmo, embora não seja crível que os atlantes não fizessem uso de sapatos. A novela apresenta muitos outros pontos fracos, reveladores, a meu ver, da falta de jeito da autora no gênero ficção científica.
Há também uma certa pregação religiosa (teosófica), daquele tipo em que se chega às raias da pieguice, como se vê nos diálogos pobres e clicherizados. Vejam este exemplo:
"Aquela sessão demorou cerca de três horas, ao fim das quais suas forças estavam completamente restauradas, e sua mente ágil e leve.
- Bem, estrangeiro - disse-lhe o amigo - o que podíamos fazer por você foi feito. Seus corpos sutis estão equilibrados e harmônicos. Sente-se melhor?
- Amigo, nunca me senti melhor em toda a minha vida. Por quanto tempo manterei essa sensação?"
Quem leu "A teia de luz ", de Marion Zimmer Bradley, pode comparar a diferença de nível entre as duas obras. No caso da autora norte-americana a categoria é flagrante, no detalhismo, no realismo dos personagens, no interesse mantido da primeira à última linha. O livro de Denise Reis ressente-se de uma superficialidade que lhe esvazia de saída o interesse.
Rio de Janeiro, 1 de julho de 2006.