As dez torres de sangue
Resenha da noveleta de Carlos Orsi Martinho: Coleção Fantástica 3, setembro de 1999, editor Cesar Silva (S. Bernardo do Campo-SP).
O autor já era um bem conhecido especialista em horror quando este livro foi publicado. E para quem conhece as suas histórias, em geral bem pesadas, esta surpreende pela leveza e vivacidade, tendendo mais para a aventura.
Um homem misterioso, Ibn Batil, para poder executar sua vingança contra um desafeto aceita uma missão da qual pouca chance tem de escapar com vida, dirigindo-se, em companhia de uma ladra (Teresa), a uma região proibida do Deserto do Saara, o "Mar das Dunas", onde se encontra a apavorante Cidade das Dez Torres de Sangue.
A narrativa atinge uma densidade surpreendente quando Batil, declarando-se um homem sem pátria, família ou religião, começa a revelar a Teresa o segredo dos sultões inumanos surgidos na Terra antes de Adão e que há milhares de anos mantinham a sua ominosa fortaleza conhecida como Antares, onde seres humanos eram torturados e coisas terríveis aconteciam. As descrições de Batil são perturbadoras:
"Ninguém, exceto os mais degenerados dentre os traficantes de escravos, vem ao Mar de Dunas em sã consciência. Até o mais corajoso dos guerreiros treme ao imaginar o tipo de profanação que ocorre dentro da cidade de torres vermelhas, profanação que os povos do deserto só ousam mencionar aos sussurros e com o Sol ainda alto."
Entretanto, depois que a dupla atinge finalmente a cidade misteriosa, a narrativa sofre um estranho desvio. Após o trato com o "lupinotauro" - monstro misto de lobo, homem e touro, gigantesco, que guarda a cidade e fala como gente - e com o "comprador" - homem com parte metálica, já que os humanos em Antares tinham partes do corpo substituídas por metal - simplesmente a cidade é esquecida, pois Batil e Teresa mergulham num lago que parece de água mas não é, e depois tratam de penetrar numa torre e ir subindo por ela (enfrentando de passagem um escorpião 🦂 metálico) até saírem do nosso universo, indo parar no inferno (sic), onde só encontram o demônio, na forma de um gigante acorrentado, pois fora aprisionado pelo sultão ancestral, chamado Adão Kadman, que o embriagara com "neshamah", a substância das torres vermelhas.
São muitos os pontos fracos. Podemos, sem dúvida, questionar que os heróis da história acabam por ajudar Satanás, como se fosse possível existir alguém pior. Podemos indagar porque o imferno aparece como um lugar relativamente aprazível, sem chamas, e onde estão os outros demônios e demais condenados? E porque o tal sultão inumano se chama Adão? No meu entender a cidade das dez torres de sangue já representava horror suficiente, sem necessidade de transferir a ação para o inferno.
Houve, portanto, uma descontinuidade de qualidade, e inabilidade do autor na conclusão, apesar da narrativa inteligente e da boa caracterização dos dois personagens principais e quase únicos.
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2003.
Imagem: edição da Draco, posterior à edição amadora da Coleção Fantástica.