CRISTOFERUS
Resenha do romance de ficção científica "Cristoferus", de Henrique Flory. Edições GRD, São Paulo -SP, 1992. Nova Série de Ficção Científica, 12. Capa: Carlos Alonso Corvalon Soto.
H.V. Flory tem sido um dos mais notáveis escritores de FC do Brasil, tendo obtido grande prestígio em pouquíssimo tempo e contando já com vários livros publicados. "Cristoferus" já é o quarto e o quinto está anunciado, sem falar na participação em uma antologia GRD, "Enquanto houver Natal"..
Sem embargo de tudo isso e embora a contragosto, devo dizer que este livro é decepcionante. Trata-se de uma transposição - mania que vem pegando nos últimos anos e que jamais me agradou. Pergunto quem poderá gostar daquele desenho animado do "Super Robin Hood", no asteroide de Sherwood. Pois é. A coisa é mais ou menos essa. Pretendendo homenagear Cristovão Colombo pelo quinto centenário de sua descoberta (que seria contestada por Hagar, o Horrível), Flory transpôs a aventura para um cenário incompreensível através da Via Láctea. Portugal e Espanha são planetas (Lusitan e Espurnia), cujos dirigentes sonham dobrar o Cabo das Tormentas (um abismo negro) e chegar às Índias, além de libertar Jerusalém. Tudo isso é astronáutica.
Flory tem um estilo seguro e um vocabulário rico. Escreve bem, mas o problema está no vocabulário ridículo. Recontando de forma fantasista e anacrônica a história de Colombo, até as datas são de um século 15 de alguma estanha data interestelar. Vejam algumas passagens: "Cristovão estava em uma pequena esquadra de três naves, nas proximidades de Lusitan, quando caiu em uma emboscada de mouros". Mas, as Índias eram o antipoda exato do velho mundo em relação ao centro da Galáxia - inclusive diziam que os Antigos haviam instalado o Portal em Jerusalém justamente por isso... (...) Mas havia o Grande Buraco Negro do Centro, o Cabo das Tormentas (...) "A lenda da linha vital, que rezava que havia um raio máximo a partir do Centro após o qual a vida não era possível e as leis físicas se modificavam (...). Alguém devia ter dito a Flory que as coisas no espaço galático não se passam como no oceano, e nem a mentalidade do século 15 real é adaptável a um ambiente cósmico.
Pode parecer estranho mas eu me senti constrangido à medida em que fui lendo o romance e topando com figuras históricas como a Rainha Isabel, a Católica. E tentei imaginar o que estarão pensando os colegas do fandom, alguns dos quais eu tão bem conheço. Só espero que este livro não venha a ser fatal para a carreira de Flory.
Lembro ainda que o precedente aberto conspira contra a originalidade da FC nacional. Se tal veia pegar qualquer um que disponha de tempo para pesquisas históricas poderá, por exemplo, escolher uma saga como a de Paes Leme (o caçador de esmeraldas) e, com hábeis jogos de palavras, transpô-la para ambiente sideral. Ganhará com isso a nossa Ficção Científica?
Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1993.
Nota: essa resenha esquecida foi reencontrada agora num velho caderno. Lembro de ter saído num fanzine de papel naquela época, mas esses fanzines tinham tiragem muito pequena além de estragarem facilmente com o tempo. Nunca publiquei na internet.
Flory em certa época estava muito em voga no "fandom" brasileiro de ficção científica, mas não cheguei a conhecê-lo pessoalmente. Não tenho notícias recentes dele, fora alguns títulos que vi na internet e que ainda não conhecia.