O livro das minhas vidas - Aleksandar Hemon
ÓTIMO: mas não é sobre alienígenas nem vidas passadas este pequeno grande livro
Aleksandar Hemon - O livro das minhas vidas, RJ, Rocco, 2013, 224 páginas
Tempos atrás li O Projeto Lazarus, de Aleksandar Hemon - nascido em Serajevo (Bósnia) em 1964 e residindo nos EUA desde 1992 -, mesmo autor deste livro e fiquei bastante entusiasmado pelas histórias contadas ali bem como pelo jeito que ele as contava. Pensei em seguida ler E o Bruno?, livro de contos também bastante elogiado e que marcou a estreia literária de Hemon. Mas isso não ocorreu então. Agora, terminando de ler O Livro das Minhas Vidas voltou a vontade de conhecer mais obras desse autor.
Não se engane com a ilustração da capa da editora Rocco, de um alienígena, que pode sugerir ficção científica (ou mesmo uma história para crianças), pois o livro não é nem mesmo ficcional, mas completamente autobiográfico. O alienígena se chama Mingus (homenagem ao jazzista Charles Mingus, grande admiração de Hemon) e vai aparecer no contundente episódio final, O Aquário. Do qual é impossível sair sem estar com um nó na garganta ou com os olhos cheios de lágrimas. Ou ambos.
Mas nem tudo é tristeza, angústia, sofrimento. Há muito humor também; Hemon conquista o leitor com sua prosa fluente, pois além de O Aquário o livro traz outros 14 textos sobre as diferentes fases de sua vida, da infância na Bósnia até acontecimentos mais recentes, passados no início do século XXI em Chicago. Exceto um, o décimo-terceiro, são todos relatos publicados em conhecidos veículos de imprensa - The New Yorker, Granta, The Guardian, Playboy etc. -, que, com pequenas diferenças na forma, foram revisados e editados para O Livro das Minhas Vidas.
Há muitas referências à guerra na Bósnia (1992-1995), que motivou seu não retorno ao país e posteriormente a mudança de seus pais para o Canadá. Ele se encontrava em Chicago num programa de intercâmbio quando a guerra estourou e então pediu asilo político aos EUA. Não foi nada fácil no início: com pouco mais de vinte anos estava sozinho, seu inglês não era tão bom, tinha pouquíssimo dinheiro, não tinha amigos de verdade, apenas conhecidos, sentia saudades de casa, de Sarajevo, das ruas onde habitavam seus conterrâneos, que agora podiam estar mortos, e assim por diante.
Bem, e o que tudo isso importa para o leitor, tudo o que Hemon conta, tirando o fato de que havia uma guerra na Bósnia, que praticamente transformou sua vida em dois tempos bem distintos, um antes, no país, e outro nos EUA? Importa que mesmo as coisas mais banais narradas por ele se tornam intensamente interessantes: um jogo de futebol, uma partida de xadrez com um velhinho, sua primeira paixão, as brincadeiras com seu cãozinho etc. Tudo isso em suas mãos se torna literatura, fazendo a diferença entre alguém que simplesmente registra sua vida num diário, por exemplo, e um verdadeiro escritor. Um grande escritor, que é o que Aleksandar Hemon me pareceu desde que li O Projeto Lazarus anos atrás.