RESENHA: A querela dos antigos e dos modernos: Um Mapeamento de Alguns Topoi

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG

FACULDADE DE LETRAS - FALE

José Paulo Siuves

A querela dos antigos e dos modernos: Um Mapeamento de Alguns Topoi

Resenha apresentada para a disciplina de

Introdução à Literatura Comparada –

LET206, no curso de Letras da UFMG

Prof. Dr. Constantino Luz Medeiros

BELO HORIZONTE/MG

2016

A história da capacidade de comunicação do homem e a problematização acerca da questão da origem da linguagem voltam à cena na formulação textual de Maria Leonor de Lemos Viana Carvalhão Buescu. Uma problemática que remonta à pré-história do próprio homem sob o tema histórico da diversidade das línguas e, no que diz respeito à vida em sociedade, da necessidade humana de comunicação efetiva, concreta e permanente. A autora faz algumas observações sobre a origem e a diversidade linguística no capítulo intitulado “Origem e natureza da Linguagem. Babel ou a Ruptura do Signo”, tema dessa resenha que pretende fazer uma apreciação descritiva de suas colocações.

De acordo com Buescu, a origem da linguagem é um ramo da gnosiologia e da epistemologia. Teorias que se voltam para uma análise reflexiva acerca da origem da ação cognitiva buscando entender a origem do ato de se comunicar através da fala humana.

“Dentro de um esquema de hierarquias lógicas, o problema da natureza da linguagem, Isto é, da relação entre o signo e o referente, é precedido da averiguação da origem da linguagem. Mas a verdade é que se afigura que ambas as questões se implicam mutuamente e se sobrepõem.” (BUESCU (1984) “Babel ou a ruptura do signo” Parágrafo 1º

Essa problematização passa pela reflexão acerca da concepção da linguagem humana: teria sido o homem capaz de nomear as coisas e assim passar a falar ou primeiro começou a falar, ainda que numa comunicação rudimentar, para depois nomear as coisas e ampliar seu repertório lexical? As pesquisas antropológicas propõem uma conciliação apresentada como axioma, embora as reflexões linguísticas sobre a insolubilidade da motivação do signo e a exigência da comunicação retornem de formas renovadas “como um tema submetido a novas glosas e variações” (p. 243).

Na sequência, sobre o mesmo tema, a professora universitária portuguesa se lança a demonstrar como poderia o homem ter recebido a linguagem de uma divindade, isto é, do próprio Deus, maneira que o pensamento dos linguistas renascentistas especulava. Nesse contexto, crescem as pressuposições do Renascimento sobre a procedência da linguagem, sempre com os conceitos de hereditariedade incondicional recaindo sobre o hebraico. Para falar dessa criação divina em benefício do homem, ela cita Fernão de Oliveira interpretando-se em seu discurso:

“Este só é um meio (a linguagem) que Deus quis dar às almas racionais para se poderem comunicar entre si e com qual, sendo espirituais, são sentidas dos corpos ”

Essas especulações, afirma ela, se mantêm sem alterações até o século XIX como parte do corpo da ciência linguística “oficial”. Tomada por base o relato bíblico onde Deus cria Adão e lhe insere, de alguma forma, a linguagem para que possam conversar e Aquele possa apresentar a este as coisas que foram criadas. O primeiro homem passa então a colocar nomes nas coisas e nos animais. Como diz o texto da investigadora monsantense, um verdadeiro “doador de nomes platônico”, uma compulsão adâmica aceita pelos linguistas que, tomando como fonte direta o passo bíblico mencionado em João de Barros:

“Segundo nos éla (a sagráda escritura) demostra, depois que Deos criou Adám, que foi o primeiro hómem e ô pôs naquele lugár deleitoso apresentou-lhe todalas cousas que pera ele criára, as quáes Adám conheceu, e âs chamou per seu nome, que entám nàvamente pôs.” Paragrafo 16º

Esse relato histórico, encontrado nas escrituras bíblicas, se torna um fato aceitável tal qual está descrito e admitido como verdadeiro, e desse ponto se dá início a um raciocínio. Os gramaticólogos consideram esse relato como a criação da proto-língua universal – o hebraico – uma língua que serve aos espíritos, aos anjos e, agora, a Deus para se comunicar com Adão. O texto de Buescu é rico ao enfatizar a teoria da “língua-mãe” defendida pelos gramáticos renascentistas. Estes também defendiam que era a mesma “língua-mãe” da escrita, pois foi através do mesmo hebraico que Moisés escreveu a Lei. Portanto, “Adão e Moisés são os inventores da língua nas duas instâncias que o processo comunicativo pode revestir – oral e escrita.” João de Barros, em Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem, diz: “a língua do nósso primeiro pádre, Adám, foi a hebrea, aquela em que Mousés escreveu os livros da lei” (Parágrafo 24º).

Nesse contexto, Carvalhão Buescu celebra a narrativa da construção da torre de Babel ao discutir a origem e a diversidade linguística, ou “turris confusionis”, como a interpreta Alighieri, segundo a qual a língua adâmica gozava da condição de primeira e única a ser falada sobre a terra, até a “confusão” interlinguística promovida por Javé como castigo à soberba e à estultícia humana: “Por isso ficou conhecida como Babel, porquanto ali o SENHOR confundiu a língua de todo o mundo. E, assim, desde a Babilônia, o SENHOR dispersou a humanidade sobre a face da terra.” (SAGRADA BÍBLIA, King James Atualizada, 2012).

Ao buscar explicação para essa Querelle des Anciens et des Modernes, na história contada por nomes como Hans-Robert Jauss, Charles Perrault, Blaise Pascal, Marie de France apud Jauss, Robert Burton, Michel de Montaigne, Ernst Robert, Flavius Magnus Jauss, Hans-Robert, pode-se ter a certeza de que Samuel Mateus teve a esmerada prudência de se fazer embasar numa busca irretocável por momentos do discurso na história em que a querela esteve acirrada e preponderantemente declarada como tal: “Querela”, tem-se a certeza de que ele alcançou o objetivo claro de comparar alguns topoi no desenvolvimento da história que ajudam no entendimento da própria evolução do conceito de “Modernidade”.

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Referência Bibliográfica:

BUESCU, Maria Leonor de Lemos Viana Carvalhão. Babel ou a ruptura do signo: a gramática e os gramáticos portugueses do século XVI. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983.

CÂMARA JR, J. M. História da linguística [trad. de Maria do Amparo Barbosa de Azevedo]. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.

SAGRADA BÍBLIA. King James Atualizada. 2012.

MARTINS, Edson Ferreira. Duas contribuições para a construção da ideia de língua histórica: a filologia e o estudo genealógico das línguas. Dossiê Linguística, Vol. 7, n.o 1 - Jan./Jun. 2007.

Paulo Siuves
Enviado por Paulo Siuves em 01/10/2024
Código do texto: T8164481
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