Homer & Langley - E. L. Doctorow

MUITO BOM: a história romanceada dos excêntricos irmãos Collyer, acumuladores compulsivos

E. L. Doctorow - Homer & Langley , RJ, Record, 2011, 240 páginas

Homer e Langley Collyer existiram de fato e na internet há farto material sobre eles, fotos e artigos. Os dois também foram retratados em peças, filmes, especiais de televisão etc. E. L. Doctorow (1931-2015) pesquisou livros, jornais e revistas de época (e posteriores) para contar a história desses excêntricos irmãos de forma romanceada, suavizada, tornando-os simpáticos aos leitores. Ela começa em 1918: Homer já está cego, Langley está voltando da Europa após a guerra e os pais dos dois estão mortos, vítimas da gripe espanhola. Eram ricos, moravam em Nova York numa mansão da Quinta Avenida e tinham vários empregados para servi-los.

Homer narra os acontecimentos vividos pela família desde quando os pais eram vivos e depois, quando restaram na mansão apenas ele e Langley, quando já não tinham mais empregados, cobrindo um período que vai desde o final do século XIX até alguns anos da década de 1960 (ele fala dos hippies e de uma canção que apreciou, Strangers in the night, que é de 1966). Doctorow, através da ficção, esticou a vida dos irmãos, relacionando-a a diversos acontecimentos da história americana do século XX (crise de 1929, Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã, especialmente). Os irmãos verdadeiros foram encontrados mortos em 1947, em meio a pilhas de jornais, livros, bugigangas e muito lixo.

Homer tocava piano e gostava de jazz, tinha a cabeça no lugar mas era cego, embora pudesse sentir as transformações que estavam ocorrendo ao seu lado e por vezes dar a impressão de que enxergava muito bem. Langley era mais atirado e megalomaníaco, tinha sonhos mirabolantes com respeito a um jornal que pretendia editar, que substituiria todos os jornais existentes numa única edição, eternamente válida. Além do que, colecionava todo tipo de objeto que encontrava pela frente. Comprava coisas inúteis que ia acumulando juntamente com as pilhas de jornais que seriam utilizados em seu projeto do jornal único.

A cada dia a vida na mansão vai decaindo mais e mais, os empregados são demitidos ou vão embora, pilhas e pilhas de objetos inúteis vão tomando os espaços livres; os irmãos não pagam a hipoteca em dia, água e energia elétrica são cortadas, pedaços da fachada da casa despencam, reparos necessários e urgentes não são feitos, o telefone é desligado, ocorre um princípio de incêndio etc. E agora raramente os irmãos saem; quando isso ocorre portam trajes andrajosos, são perseguidos pelos jornalistas e fotógrafos, adolescentes atiram pedras contra as vidraças da outrora magnífica mansão, ratos e baratas passam a fazer companhia para os irmãos etc.

Nem tudo é sujeira e tristeza, porém. Ainda que o período triste da vida de ambos tome boa parte da história, mostrando não apenas sua decadência física, também o crescente progresso da insanidade sobre suas vidas precárias, grande parte do livro é muito agradável de ser lida. Pois traz momentos curiosos ou engraçados, principalmente quando os irmãos se envolvem, sem querer, com um gangster nos tempos da lei seca. Ou quando mulheres entram em suas vidas casualmente ou eles se apaixonam por algumas delas. Ou ainda, os improvisos que surgem quando eles tentam sobreviver sem água encanada, energia, telefone etc. Imagine os dois irmãos cabeludos, em trajes roídos e puídos empurrando, na Quinta Avenida, um carrinho de mão cheio de latas de água que iam buscar numa bica, próxima de casa...

São muitos episódios curiosos e engraçados relatados por Homer, e um deles me fez lembrar de um outrora endeusado empresário brasileiro, que colocou sua Lamborghini estacionada na sala de sua mansão. Langley Collyer já tinha feito isso muitas décadas passadas quando desmontou o Ford T da família e depois o montou na sala de jantar da residência, excentricidade que deixou a cozinheira dos irmãos fula da vida. Enfim, a história contada por Doctorow é tão boa que mereceu muitas resenhas positivas em importantes jornais e revistas. Como em The New Times, cujo crítico na época do lançamento do livro por lá escreveu que o autor, mais do que transformar os irmãos em uma piada (um dos temores de sempre de Homer ao fugir de jornalistas), mostrou-os antes como figuras de seu tempo. Homer & Langley não é uma obra-prima, mas uma ótima e curiosa narrativa para entreter o leitor.