Corpos estranhos - Cynthia Ozick
MUITO BOM: Julian queria ser jovem para sempre na Paris dos anos 1950. Tia Bea, embaixadora do irmão, tenta convencê-lo a voltar para casa. Conseguirá?
Cynthia Ozick – Corpos estranhos, SP, Companhia das Letras, 2013, 336 páginas
Primeira vez que li sobre Cynthia Ozick (17/04/1928) foi no livro de entrevistas de David Foster Wallace, Um Antídoto Contra a Solidão (Âyiné, 2021), e numa delas ele a reconhecia com um talento literário digno de figurar ao lado de autores como Don DeLlilo e Cormac McCarthy, outros dois de seus favoritos. Depois, ou antes, sempre tive vontade de ler Os Embaixadores (1903), de Henry James (1843-1916), um autor pouco próximo, pois dele só li a Herdeira (Abril Cultural, 1984), e sempre recuei frente às mais de 600 páginas da obra.
Juntando e jantando tudo, acabei lendo este Corpos Estranhos, em que Ozick homenageia James, recontando de certo modo a mesma história, mas passada agora em 1952, em Paris e na Califórnia e, claro, com outros personagens. Grande parte do romance é composto por cartas trocadas entre Bea e Marvin (estávamos nos anos 1950), então Corpos Estranhos é quase um romance epistolar, porque o restante da história é contado mesmo por Ozick no que, segundo a crítica, sua escrita se assemelharia bastante à de Henry James, autor que ela escolheu para sua tese de doutorado em literatura.
Consegui identificar as palavras embaixador e embaixadora uma vez cada no seguinte trecho: “Bea [Beatrice Nightingale, que é a personagem central do romance] refletiu. Ela havia viajado como uma espécie de embaixadora [para seu irmão, Marvin, tentando trazer de volta de Paris, Julian, seu sobrinho] e tinha se transformado numa espiã, apesar de todas as arraigadas expectativas contrárias, e era verdade: às vezes um embaixador age como um espião, às vezes um espião é nomeado embaixador.” Ela espionaria o sobrinho para o irmão, caso o encontrasse. E continua: “A princípio ela tinha partido naquela busca para Marvin — sim, para Marvin, mas fora mesmo só para Marvin? Alguma coisa havia mudado.” Ela também mudaria ao final de tudo.
Bea, descendente de judeus (como quase todos os personagens centrais), mulher de 48 anos, professora numa escola pública de Nova York, divorciada, vivendo sozinha num pequeno apartamento na cidade, estava em Paris aproveitando as férias, mas a pedido do irmão Marvin Nachtigall (ele manteve o sobrenome judeu, ela americanizou o dela) tentava localizar o sobrinho Julian, que ela só conhecia através de uma foto, nunca o vira pessoalmente. Os três, assim como os demais personagens são todos “corpos estranhos”, não apenas uns para os outros, também, e muito, para o leitor que acompanha suas aventuras pela Europa e América. Por vezes, nas cartas, Marvin trata Bea como se ela fosse uma imbecil.
Além de Bea, do seu irmão Marvin, do sobrinho Julian, também entram na história, Margareth, a “problemática” mulher de Marvin - internada numa clínica para artistas, mas que é mesmo de repouso para pessoas com problemas mentais -, Iris, filha do casal, irmã de Julian (que Bea também não conhecia pessoalmente), e Lili, uma romena mais velha do que o rapaz, com quem ele vai se envolver romântica e sexualmente em Paris. Temos mais dois personagens ainda, Leo Coopersmith, também judeu, pianista, compositor de trilhas sonoras para o cinema, ex-marido de Bea, e um certo doutor Montalbano, um sujeito meio esquisito, meio misterioso, que empresta o apartamento para Julian e Lili durante algum tempo e depois se envolve com Iris, muitos anos mais nova que ele.
Enquanto acompanhamos as tentativas de Bea e Marvin (que nunca saiu dos EUA para procurar o filho) para primeiro localizar o rapaz e depois trazê-lo de volta para casa, vamos conhecendo não apenas a própria Bea, também Leo, seu ex-marido e cada um dos demais personagens mencionados. E ficamos sabendo em detalhes porque Julian não quer voltar para casa, porque ele se crê um artista, um pensador, na efervescente capital francesa, onde é sempre uma festa, como queria Hemingway, e não ter uma profissão definida por Marvin, seu rico, egoísta e influente pai. Mas, segundo a própria Bea, que vivia ironizando as pessoas e as situações, o sobrinho queria viver como Hemingway, Gertrude Stein e outros americanos viveram em Paris dos anos 1920. Então, Bea pensa:
“Eles [gente como Julian, metido a artista] se reuniam nos cafés para fofocar, falar mal dos outros, saborear as velhas histórias da geração perdida e desdenhar do que tinham deixado para trás. Trocavam entre si amantes de ambos os sexos, brincavam de existencialistas, fundavam jornais de vanguarda em que publicavam os textos uns dos outros, vangloriavam-se de ter visto Sartre no Les Deux Magots e tinham uma plena, orgulhosa e implacável consciência de sua própria juventude. Diferentemente da leva anterior de expatriados, que haviam crescido e voltado para casa, estes pretendiam continuar jovens para sempre em Paris.” Assim era Julian, que não queria voltar para a Califórnia, para a América, que depois da Segunda Guerra Mundial ia se tornando cada vez mais importante do que a França no cenário mundial.
Será que a “embaixadora” Bea, depois auxiliada pela sobrinha Iris, ambas conseguiram ao final, trazer Julian de volta para a América, como queria Marvin? E se Iris, imitando o irmão agora resolvesse ficar ela mesma na França, para desespero maior ainda do pai? E se Julian voltasse, o pai aceitaria Lili como nora? E no meio disso tudo, um grave incidente com Margareth, a mulher de Marvin, complica um pouco mais as coisas. Quer dizer, Corpos Estranhos tem muita coisa para fazer o leitor ficar grudado no romance, acompanhando os movimentos dessas mentes e corpos estranhos, competentemente manipulados por Cynthia Ozick. O livro é bastante interessante e de leitura agradável, mas parece estar longe de se tornar uma obra-prima como os críticos consideram o livro de Henry James.