Paris não tem fim - Enrique Vila-Matas

ÓTIMO: não apreciei muito outros livros de Vila-Matas, mas com este saboroso (para mim) Paris Não Tem Fim tive de rever minha opinião sobre ele

Enrique Vila-Matas - Paris não tem fim, São Paulo, Cosac Naify, 2007, 242 páginas

Paris pode não acabar nunca, como queriam Ernest Hemingway (1899-1961) e depois Enrique Vila-Matas, mas o livro acabou, e isso foi uma pena. Primeira vez que aprecio intensamente uma obra desse autor espanhol que já conhecia de outros carnavais literários como Suicídos Exemplares (2009), Bartleby e Companhia (2005) e Doutor Pasavento (2009), todos editados pela finada Cosac Naify assim como este Paris Não Tem Fim (2007).

Que remete diretamente para Paris é Uma Festa, publicado postumamente em 1964. Um livro muito gostoso de ler, passado durante os anos 1920 na capital francesa, tempo em que Hemingway era pobre mas feliz, como ele mesmo admitiu, personagem que Woody Allen retomou no ótimo filme Meia-Noite em Paris (2011).

Vila-Matas, autor cult, às vezes é chamado de escritor que escreve para escritores, porque não apenas escreve muito sobre eles como parece viver de e para a literatura e os escritores. Costuma homenageá-los intensamente em suas obras como já fez com Robert Walser, Herman Melville, Franz Kafka, J. D. Salinger, Thomas Pynchon, Fernando Pessoa e outros. Desta vez parte para Hemingway, querendo também ser ele ou como ele, viver como ele viveu em Paris uns tempos.

A idolatria se estende até sua participação, ou de seu personagem, que é ele mesmo, não sei bem, num concurso nos EUA para a escolha do sósia mais perfeito do autor de O Velho e o Mar. Não ganha, claro, mas nós ganhamos com a leitura dessa história engraçada.

Vila-Matas mistura aqui autobiografia, ficção e ensaio tomando como base o último capítulo do livro de Hemingway, que tem exatamente o título deste livro, Paris Não Tem Fim. Nele conta suas aventuras na capital francesa dos anos 1970, época em que, sustentado pelo pai, deixou sua Barcelona natal (nasceu em 1948) rumo a Paris.

Ali pretendia se tornar um autor admirável como Hemingway, senão isso, viver à maneira do grande autor americano. São anedotas, reflexões, conversas e memórias, tudo misturado e temperado com ironia, notas que vão desfilando e contam suas experiências na bela (e cara) capital francesa. Ia a festas, via muitos filmes, conversava com muita gente, posava de escritor fazendo tipo nos cafés, fez amizade com Paloma Picasso, conheceu Isabelle Adjani, então famosa atriz de Truffaut, cujo olhar copiaria para o da personagem de seu primeiro livro etc.

Livro que se chamou A Assassina Ilustrada (1975), no qual teve dificuldade não apenas para desenvolver também para terminar a história. Queria que quem a lesse acabasse morto no final, muita pretensão de sua parte reconheceu depois, porque não sabia como fazer isso literalmente, claro. Nesse tempo ele morava na água-furtada (ou sótão) que lhe alugara a conhecida escritora e cineasta Marguerite Duras (1914-1996), que lhe forneceu uma apostila (sim, isso mesmo) de como devia proceder para escrever um romance.

Outras histórias de Duras rolam: Vila-Matas achava que ela falava um francês superior, de escritora, quando se dirigia a ele, o que o incomodava já que o francês dele, um jovem espanhol pobre e infeliz em Paris, como ele se sentia grande parte do tempo, não tinha profundo conhecimento da língua como ela.

As demais histórias do livro ou os pensamentos e reflexões de Vila-Matas, até mesmo poemas e citações, não se desenvolvem todos linearmente. Vários deles são fragmentados, vão e voltam no tempo, mas não são textos muito longos, o que é muito bom pois o leitor pode interromper a leitura a qualquer momento sem prejuízo para seu entendimento. Nem mesmo há muito para ser entendido, mas para ser divertido, penso.

Apreciei esse tipo de escrita descontínua, de textos curtos, muitos deles engraçados, com muitas citações e referências a escritores e suas obras, como Rainer Maria Rilke, Arthur Rimbaud, F. Scott Fitzgerald, Woody Allen, Juan Marsé, Eduardo Mendoza, Samuel Beckett e outros, o que penso que deu maior expressividade a Paris Não Tem Fim, e fez do livro, desde já, uma das minhas melhores leituras deste ano.

Este pobre resumo, ou esses parcos comentários, nem de perto conseguem dar uma boa ideia de tudo que o leitor pode encontrar de interessante no livro. Ou não encontrar nada, já que cada leitor é único frente a uma obra.