Humor - Terry Eagleton

MUITO BOM: tudo o que você sempre quis saber sobre humor mas nunca teve vontade de perguntar

Terry Eagleton - Humor - O papel fundamental do riso na cultura, RJ, Record, 2020, 154 páginas

Quem leu O Riso - Ensaio sobre o significado do cômico (1899), de Henri Bergson, certamente também vai apreciar Humor - O papel fundamental do riso na cultura (2019), de Eagleton. E vai encontrar algumas semelhanças entre eles, mesmo que 120 anos separem uma publicação da outra e muita coisa tenha mudado no mundo. Até mesmo na forma de se contar anedotas em bares, clubes e teatros, como aconteceu com tantos performers de comédia stand up.

A mais importante é a de que o riso, o sorriso ou a gargalhada são coisas muito mais sérias do que costumamos imaginar. Claro, senão o humor não seria objeto de estudo de tanta gente importante e desde tempos remotos. A segunda é que tanto o filósofo francês quanto o professor inglês fazem análises profundas e por vezes bastante complexas do riso, do humor, das situações engraçadas, dos contextos em que ocorrem etc., sendo que Eagleton me pareceu se aprofundar mais no seu objeto de estudo. Como ressalta a publicação:

"Baseando-se em uma ampla gama de fontes literárias e filosóficas, Terry Eagleton passa de Aristóteles e Tomás de Aquino a Hobbes, Freud e Bakhtin, observando em particular os mecanismos psicanalíticos subjacentes ao humor e sua evolução social e política ao longo dos séculos." Isso porque ele se propôs a levantar questões, como a da "superioridade do humor", por exemplo, que não faziam parte do objetivo de Bergson, mais restrito, mesmo porque escreveu três ensaios sobre o riso, não um livro todo dedicado a ele, como fez Eagleton. Quando somos irônicos estamos, de certa forma, demonstrando a tal superioridade do humor.

Confesso que achei certos trechos de Humor um pouco cansativos porque a análise de Eagleton envolve ideias e conceitos que não me parecem tão familiares assim, como um tal "discurso carnavalesco" do russo Bakhtin, além de outras ideias que eu desconhecia. Como o "bathos", ou teoria do alívio, alívio esse proporcionado em seguida pelo riso depois de uma situação crítica vivida por alguém. Posso explicar meu cansaço porque comecei a ler o livro com o objetivo de, além de me informar um pouco mais sobre o assunto, encontrar anedotas e histórias engraçadas para rir um pouco, descontrair.

E em Humor as anedotas e ou piadas ou casos engraçados não são assim tão abundantes, embora eu tenha encontrado alguns textos interessantes que reproduzo em seguida:

"Consigo resistir a tudo, menos à tentação." (Oscar Wilde)

"Um dos ladrões [no Calvário] foi salvo", escreveu Samuel Beckett em Malone morre. "É uma porcentagem generosa."

“Não somente Deus não existe como tente conseguir um encanador nos fins de semana.” (Woody Allen)

Uma anedota curta: Moisés está descendo do Monte Sinai com as tábuas da Lei debaixo do braço. “Consegui reduzir para dez”, grita ele para os israelitas reunidos, “mas o adultério ainda é pecado."

Esta é uma anedota mais longa: "Um homem entrou no hospital exigindo ser castrado. Após tentar inutilmente fazê-lo desistir desse perverso desejo, a equipe médica enfim sucumbe e remove seus testículos durante uma longa cirurgia. O paciente é levado ao quarto e, depois de acordar da anestesia, pergunta ao paciente da cama ao lado para qual cirurgia ele está sendo preparado. "Circuncisão", responde o homem. "É essa a palavra!", exclama o paciente recém-castrado, dando uma palmada na testa."

Porém, grande parte das anedotas ou casos narrados por Eagleton são cerebrais mesmo, nem tanto para rir, muito mais para pensar. E pensar, deduzir, refletir, buscar ou encontrar conexões entre as coisas, não apenas pode ser engraçado como pode ser crítico e inteligente também. E um exemplo de livro que tem tudo isso e muito mais, que é citado diversas vezes aqui é o conhecido (e ótimo) A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne.

O riso, tanto Bergson como Eagleton destacam, não muda o mundo, mas pode funcionar como crítica às pessoas, à sociedade, às instituições, à política e aos políticos. Rindo castigamos os costumes. Algumas vezes, no entanto, podemos até humilhar os alvos de nosso riso, pois também costumamos rir do que é excêntrico ou estranho, assim como podemos rir do que é trágico.

Trágico para os venezuelanos decentes foi que o Supremo deles ratificou a vitória do ditador Maduro numa eleição que teve o resultado fraudado. Porém, dias atrás foi anedótica a declaração de nosso presidente descondenado de que o governo da Venezuela é "desagradável", não uma ditadura (sic). Passando pano para seu amigo ditador, ele acabou inventando uma nova forma de governo além da democracia e da ditadura, a desagradável. Isso é altamente risível, e rindo castigamos os maus costumes políticos. Que abundam no Brasil e transformam os três poderes da república em podres poderes.

Bem, mais do que para rir o livro de Eagleton sobre as infinitas possibilidades do humor faz pensar e refletir, traz muitas perguntas e suas respostas e apesar de toda a seriedade com que o assunto é tratado, não dá para discordar do The Guardian que escreveu sobre Humor e Eagleton: "Sua prosa está repleta de dicotomias, insultos e piadas engraçadas." É por aí mesmo...