Van Gogh - Steven Naifeh e Gregory White Smith

Vincent: o holandês genioso e genial

Steven Naifeh e Gregory White Smith - Van Gogh, SP, Companhia das Letras, 2012, 1128 páginas

Todos nós conhecemos alguma coisa sobre Vincent van Gogh (1853-1890) que é maior do que o triste episódio em que ele decepou sua orelha com uma navalha. Conseguimos reconhecer alguns de seus quadros mais famosos e também o associamos a uma conhecida canção que recorda seu drama através de uma de suas pinturas mais famosas, Noite Estrelada (1889). “Vincent”, foi composta por Don McLean e é também conhecida como “Starry, Starry Night” (ouvi dezenas de vezes essa canção). Talvez Vincent (era assim, sem o sobrenome, que ele assinava seus trabalhos) tenha sido o único pintor famoso a receber um tipo de homenagem tão popular como essa...

Bem, essa biografia escrita por Steven Naifeh e Gregory White Smith é monumental (são mais de 1.000 páginas, fruto de 10 anos de pesquisas) e parece definitiva, conforme declara o próprio curador do Museu Van Gogh em Amsterdam, Leo Jansen. Ela traz o mundo do pintor para nossa apreciação, exatamente como diz a edição da Companhia das Letras: é um retrato completo da vida do artista e de seu tempo, das pessoas que o conheceram ou viveram próximas dele em sua curta vida de 37 anos, como o pintor Paul Gauguin (1848-1903), que residiu com Vincent por um tempo, mas especialmente seu irmão alguns anos mais novo, Theo van Gogh (1857-1891), comerciante de arte.

Mais do que irmão, Theo era o melhor amigo de Vincent, a quem apoiou financeiramente durante muito tempo, praticamente durante toda a vida adulta do pintor. Com Theo ele trocou inúmeras cartas (com outras pessoas também; ele escrevia muito), que foram conservadas e permitiram conhecê-lo mais profundamente. Vincent produziu centenas de pinturas a óleo e outros trabalhos que perfazem mais de 2.000 obras em apenas uma década. No entanto, durante sua vida conseguiu vender apenas um quadro; só foi reconhecido como artista genial após sua morte. Mas se era genial, Vincent também era bastante genioso. Ou louco, para muitos de seus contemporâneos. O que explicaria o fato de ter cortado fora a orelha e depois ter morrido tão novo, se matado, conforme se difundiu desde 1890.

Steven Naifeh e Gregory White Smith não acreditam que o artista tenha cometido suicídio, a narrativa mais comum para descrever o final de uma vida toda tumultuada. Criaram então um capítulo especial no livro, um apêndice, “Nota sobre o ferimento fatal de Vincent”, em que discutem apropriadamente o incidente que levou o artista à morte, envolvendo outras pessoas. Assim, parece mais crível acreditar na hipótese desenvolvida pelos dois autores do que pensar que Vincent alguma vez tivesse desejado de fato se matar, versão mais conhecida até então, especialmente depois que Hollywood lançou o filme “Sede de Viver” (1956), baseado no livro homônimo de Irving Stone. A robustez de Kirk Douglas (no papel de van Gogh) surpreendeu os fãs do pintor porque sempre se soube que ele era bastante magro, tinha problemas de saúde, vestia-se e morava pobremente. Naifeh e White Smith tiveram acesso a depoimentos de pessoas que foram contemporâneas do holandês e que ainda viviam quando o filme americano foi lançado, 66 anos após a morte dele.

Além disso, de tudo que li nesta obra, e foi muita coisa, chamou bastante minha atenção o fato de que Vincent era, para os padrões da época, um grande leitor, lia muito e até relia alguns autores, num tempo em que livros não eram objetos tão baratos ou disponíveis assim. Frequentemente citava Emile Zola em suas famosas cartas; talvez o autor francês fosse seu preferido pelas questões sociais que abordava. Mas Vincent também admirava Balzac, Voltaire, Flaubert, Maupassant, Victor Hugo, Michelet, Daudet, Huysmans, Shakespeare, Dickens e outros. Não apenas isso: há vários quadros em que pintou livros; especialmente um deles, Piles of French Novels (1887), revela seu acentuado gosto pela literatura francesa. Isso mesmo, pilhas de livros de autores franceses...

Destaco essas passagens; jamais conseguiria fazer um amplo resumo sobre tudo o que aprendi sobre van Gogh a partir do livro, mas é certo que cresceu meu entendimento sobre sua obra genial, especialmente minha admiração pelo artista e por seu amado irmão. Dois seres humanos especiais, que desenvolveram uma fraternidade como poucas, que comove deveras quem dela toma conhecimento com mais profundidade, como nessas páginas. Esta é uma biografia que se lê como um romance altamente interessante, ainda que a maior parte dela seja pontuada quase que apenas por momentos de dor, sofrimento, incompreensão, desprezo e desesperança. Nada tão estranho assim: quase sempre a verdadeira arte nasce a partir de tais elementos...