Dol0res Claiborne
Livro mais recente da Biblioteca Stephen King se revela um suspense com intensa carga dramática
Recordo com entusiasmo como se deu meu primeiro contato com a trama. Aconteceu por meio da adaptação cinematográfica estrelada pela lendária atriz Kathy Bates, mas em seguida veio o estremecimento ao descobrir que o livro, a inspiração para o ótimo filme, estava esgotado no Brasil há pelo menos 20 anos. Após árdua espera, “Eclipse Total” — como também foi chamado o longa-metragem de 1995 — retorna às livrarias brasileiras em grande estilo, como parte da Biblioteca Stephen King, coleção da Editora Suma. Enfim, chegara o tão aguardado momento de escrever sobre “Dolores Claiborne”, agora com seu título original, porém um aspecto não sofreu alteração: permanece como um suspense psicológico bem entrelaçado a uma acentuada carga dramática.
Embora a definição da última linha do parágrafo acima seja assertiva, revela-se um tanto limitada para caracterizar todos os parâmetros do envolvente enredo. O livro, conforme sugerido em “Eclipse Total”, título adotado na edição esgotada, tem como um de seus ápices o intrigante fenômeno natural, nesse caso utilizado como um importante pano de fundo. Apesar disso, a narrativa não se limita somente a explorar os preceitos populares durante a vistosa ação da lua se interpondo entre a Terra e o Sol. Existem outros elementos que tornam a narrativa forte, intensa, com passagens perturbantes a ponto de povoar por dias o imaginário do fiel leitor, empedernido diante da jornada de uma mulher que carrega um segredo inesperado e deveras subversivo.
“Dolores Claiborne” não reclama espaço entre as mais afamadas histórias no âmbito da vasta bibliografia do autor estadunidense. Também não costuma ser elencada entre os dez maiores ou melhores livros de King, mas isso não significa que também não receba certa aclamação por parte do público e da crítica especializada. Tentando traçar um compêndio: a narrativa insula o leitor na pequena ilha Little Tall, com a protagonista Dolores Claiborne sendo alvo de um incessante interrogatório. Ela figura como a principal suspeita da morte de Vera Donovan, a patroa rica com quem trabalha há décadas.
O livro é bem peculiar em sua formação estrutural. A narrativa em primeira pessoa se desenrola de forma não linear, literalmente em texto corrido ausente de interlúdios como capítulos. Funciona como um verdadeiro e envolvente monólogo, com ênfase a uma série de lacunas que gradativamente são preenchidas. Para isso, evoca constantemente o passado sem se importar em desnudar detalhes escabrosos.
Vale lembrar também que o sobrenatural, um traço marcante na obra kingiana, é deixado de lado em “Dolores Claiborne”. O autor, como ocorreu em outros escritos, opta por realçar a maldade humana. O pior inimigo pode viver bem ao seu lado e tal perspectiva se desenrola conferindo muita verossimilhança ao texto. Apesar de o eclipse representar um excelso momento da trama, no fim Dolores Claiborne está bem além de um fenômeno, capaz até de relegá-lo a nada. Sustenta-se na imponente figura de uma mulher sofrida, repleta de fibra e permeada por pura coragem. Vale a pena embarcar em um monodrama com uma heroína que se levanta contra as arbitrariedades, mesmo que precise sujar as mãos com sangue.