Como ficar sozinho - Jonathan Franzen
Não é livro de autoajuda: é sobre uma porção de temas, nem todos agradáveis ou tão interessantes assim. Os ensaios que me pareceram os melhores, que são sobre autores, literatura, são em menor quantidade comparados aos demais
Jonathan Franzen - Como ficar sozinho, SP. Companhia das Letras, 2012, 328 páginas
O norte-americano Jonathan Franzen (nascido em 1959, em Illinois) é romancista e ensaísta e escreveu, entre outras obras, dois dos melhores livros que li tempos atrás: As Correções (2001) e Liberdade (2010). Lembrei-me desses romances, o quanto os apreciei, quando li na contracapa deste volume de ensaios os elogios ao autor e seus livros de publicações como The New York Times, Entertainment Weekly e Time Ou New York.
Também a sinopse da Companhia das Letras me fez parecer que o volume era bastante atraente, reproduzo parte dela aqui: “O autor desfaz a fronteira entre ficção e não ficção nesta obra permeada pelo universo ficcional de grandes escritores como Kafka, Proust, Goethe, Daniel Defoe e Alice Munro. Uma verdadeira aula de literatura.” Mas depois, a partir da leitura das orelhas do volume e dos dois primeiros ensaios, a coisa se revelou um tanto diferente.
O mesmo se deu com vários outros ensaios: a maioria deles não era exclusivamente sobre literatura, mas acerca de diversos assuntos que compunham o universo de interesses do autor -- lembro que os textos foram escritos entre 1995 e 2011; a edição brasileira é de 2012. Coisas que tinham a ver com suas experiências pessoais, mas que foram abordadas, em parte, de forma ficcional, como narrativas, o que não significa que sejam somente invenções de sua imaginação, mas especulações, pensamentos, ideias, uma vez que são ensaios. Eles também comportam relatos autobiográficos, especialmente um deles, sobre seus familiares, O Cérebro do Meu Pai, de 2001. Um texto um tanto pesado, por tratar de doenças, velhice, sabe como é, não?
Bem, e do que mais trata Franzen em Como Ficar Sozinho? De suicídio – com destaque para o do amigo escritor David Foster Wallace, várias vezes citado na obra, que se enforcou para chocar a mulher e os amigos, acredita Franzen --, solidão -- como a do personagem Robinson Crusoé e a do próprio Franzen durante alguns períodos de sua vida --, a demência senil – como o mal de Alzheimer, diagnosticado em seu pai --, a invasão de privacidade, assim como a evasão, o sistema penal americano, tecnologia, meio ambiente e observação de pássaros -- ele foi até à China, para vê-los antes que fossem extintos, sua preocupação, como relata em O Fradinho Chinês (2008) --, a indústria e o consumo de tabaco, matéria de Examinando as Cinzas (1996) e outros temais mais.
O livro é dividido em três partes; os assuntos gerais, esses citados, ocupam duas partes do volume. Literatura mesmo, ficou para a parte três, intitulada Qual é a Importância? Importância do quê? Da literatura para os escritores, uma das preocupações de Franzen. Ele responde à indagação com um trecho de uma carta que recebera do escritor Don DeLillo ao consultá-lo sobre isso. Ei-la:
“Escrever é uma forma de liberdade pessoal. Liberta-nos da identidade de massa que vemos tomar corpo à nossa volta. No fim, escritores irão escrever não para ser heróis fora da lei de alguma subcultura, mas sobretudo para se salvar, para sobreviver como indivíduos.” Muito parecido com o que Clarice Lispector também pensava: "Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo." Mas é claro que Lispector não é citada em momento algum do livro. Nenhum escritor brasileiro é, nenhum brasileiro, melhor dizendo. Mas a devastação da Amazônia, sim.
Exceto por quatro ou cinco autores estrangeiros -- o tcheco Kafka, possivelmente o maior ídolo literário de Franzen, o inglês Daniel Defoe, que também é incensado e dá sentido ao título do volume pelo personagem que criou, o alemão Goethe e o francês Proust, que praticavam “alta arte” com suas narrativas, e mais um ou outro escritor de passagem --, a imensa maioria dos autores que Franzem reverencia são norte-americanos. Como o próprio DeLillo, Foster Wallace, Paula Fox, Joseph Heller, William Faulkner, Flannery O’Connor e a contista canadense Alice Munro -- que mereceu um ensaio inteiro sobre seus livros e ela mesma.
De Philip Roth, algumas vezes citado negativamente --“meu inimigo figadal” como Franzen registrou, por ter detestado Pastoral Americana; a mãe dele “desaprovou” O Complexo de Portnoy, escreveu --, no entanto, admirou intensamente O Teatro de Sabbath (e quem leu e não admirou? pergunto). Sobre essa obra-prima de Roth ele escreveu:
“Fazia tempo que não ficava tão grato a um escritor como quando li a cena, em O teatro de Sabbath, em que o melhor amigo de Mickey Sabbath o flagra no banheiro segurando uma fotografia da filha adolescente do amigo e uma das suas calcinhas, ou a cena em que Sabbath encontra um copo de papel de café no bolso da sua jaqueta do exército e decide se humilhar pedindo dinheiro no metrô. Roth pode não querer ser meu amigo, mas fiquei feliz, naqueles momentos, por considerá-lo um dos meus.” Eu, que li várias obras de Roth e aprecio muito sua literatura, penso que Franzen fez a coisa certa, reconhecê-lo como grande escritor, ainda que muito tardiamente, somente em 2009.
São dessas coisas de Como Ficar Sozinho que me recordo mais (ou menos) nitidamente agora que finalizei a leitura dos doze ensaios. E mesmo assim, registrei aqui apenas uma pequena amostra do que se pode encontrar nessas páginas. Nem sempre a leitura dos textos -- que são extremamente longos porque são ensaios, fazer o quê? -- é lá muito prazerosa; nem sempre os assuntos que Franzen trata nas duas partes que não são sobre literatura – ou o modo como ele os trata – me pareceram plenamente interessantes.
Mas o livro tem sua importância porque, de um modo ou de outro, está sempre nos conduzindo para a pergunta que o resenhista do Entertainment Weekly fez e ele mesmo respondeu: “Por que ficar sozinho? Pelo prazer de ler livros como esse.” Bem, nesse caso, nesse livro específico, o meu prazer não foi absoluto como parece ter sido o do resenhista, mas também não posso dizer que a leitura toda foi aborrecida, pelo contrário. E uma coisa ficou patente: prefiro Jonathan Franzen como romancista – autor dos excelentes As Correções e Liberdade --, nem tanto como ensaísta. E ponto final.