Resenha: "Vá aonde o seu coração mandar"

 

Resenha do romance "Vá aonde o seu coração mandar", de Susanna Tamaro. Editora Rocco Ltda., Rio de Janeiro -RJ, 1995. Título original: ".Vá dove ti porta il cuore", Baldini & Castoldi, Milão, Itália, 1994. Tradução: Mario Fondelli.

 

Romance um tanto decepcionante, propõe-se a contar o memorial que uma senhora italiana dirige supostamente a uma neta que dela se separou.

Escrita embora em linguagem singela, falando de um jardim e de um cachorro, aborda porém relacionamentos familiares envenenados ou tóxicos, como hoje se diz.

O livro começa bem, com uma menina de dez anos que acabou de ler "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint Exupery. Daí a menina quer uma raposa e, sendo isso difícil, resolvem arranjar um cão. A avó vai com ela ao abrigo e, para espanto dos funcionários, escolhe um cão mestiço e feio, que havia sido abandonado pela estrada.

A avó, já após ser deixada para trás pela neta, assim se exprime:

"Agora Buck está aqui ao meu lado. De vez em quando, enquanto escrevo, suspira e aproxima a ponta do nariz da minha perna. O focinho e as orelhas já estão quase de todo brancos, e nos olhos, de uns tempos para cá, tem aquele véu que sempre aparece nos olhos dos cães velhos. Fico muito comovida só de olhar para ele. É como se aqui ao meu lado estivesse uma parte de você, a parte que mais amo, aquela que há tanto tempo soube escolher entre os mais de duzentos cães do abrigo, o mais feio e infeliz."

São palavras até promissoras, mas não pensem que o romance é tão singelo assim; logo desliza para o cético; só aspectos negativos da família e da religião. Freiras são apresentadas como seres cruéis; as relações familiares são tóxicas.

Alguém dirá: a vida é assim mesmo! Bem, nem tanto. Nem tudo é sordidez, egoísmo e má vontade. Mas existem autores que gostam de mostrar o que há de ruim no mundo e isso torna certas leituras angustiantes.

A protagonista queixa-se do pai, por esconder a verdade sobre o cão Argo, que estava com uma inchação na garganta - como a minha Barbie, que morreu em decorrência disso. A menina volta da escola; como não encontra o cachorro, pergunta ao pai, que responde (sem tirar os olhos do jornal): "Argo se foi". A menina pergunta por que, e ele se sai com essa: "Porque estava cansado das suas brincadeiras". Ora, pergunto eu, que pai seria capaz de ofender desse modo a filha a troco de nada? "Quanto à educação das crianças, imperava a hipocrisia." Aí ela conta como pegou um pintarroxo morto, mostrou ao pai e este gritou: "Põe de volta onde você pegou, não vê que está dormindo?" Quer dizer, não se podia falar em morte. Esse trecho me parece forçado.

Depois tem a filha da narradora e mais detalhes escabrosos: "Tinha uma filha e a perdi. Morreu espatifando-se com o carro: no mesmo dia, revelara-lhe que aquele pai que no entender dela fizera-lhe tanto mal não era o seu verdadeiro pai".

Ainda tem a politização radical-esquerdista dessa filha: "Ilaria frequentou a Universidade de Pádua. Poderia muito bem ter ficado em Trieste, mas era demasiado intolerante para continuar vivendo comigo".

Nas suas notas a narradora dirige-se ao último rebento - sua neta, que também não suportou morar com ela. Parece uma grande carta, mas só será lida pela neta - se foi - após a morte da avó. Vejam então como esta encerra o diário do dia 22 de novembro: "Agora vou deixá-la, mas antes mando -lhe mais um odiado (sic) beijo." Ou seja, a neta odiava seus beijos.

Seria a personagem narradora tão vítima assim?

Em suma, é um livro depressivo.

 

Rio de Janeiro, 6 de junho de 2024.