Tripulação de esqueletos
Coletânea, ao singrar por mares revoltos, combina contos sublimes e outros nem assim tão notáveis
Embora transite por diferentes estilos literários, não é absurdo dizer que Stephen King é sinônimo de terror. Quando se evoca o nome do autor, a mente é preenchida por obras aterrorizantes como “It”, “Cemitério Maldito”, “O Iluminado” e “Christine”, mas também por jornadas épicas como a saga “Torre Negra” e thrillers no melhor estilo da trilogia “Bill Hodges”, o recente “Holly”, “Joyland” e “Billy Summers”. Para aqueles com inclinação mais acentuada para o horror, as antologias de contos assinadas pelo autor surgem como uma mostra implacável, afinal não é raro que as histórias mais curtas do autor sejam banhadas por ideias atreladas ao gênero.
“Skeleton Crew” ou simplesmente “Tripulação de Esqueletos”, foi a terceira coletânea de contos publicada por King, lá atrás, pelos idos de 1985. A antologia reúne vinte e dois contos que prometem suscitar o terror em sua verve mais aterrorizante, mas também dialoga com vários outros estilos, sem abrir mão de despontar como uma seleção bem diversificada.
“Tripulação de Esqueletos” não estampa o equilíbrio ostentado em “Sombras da Noite”, de 1978. Alguns contos podem ser considerados um tanto medianos, embora outros se mostrem sublimes. Entre os 22 escritos, eu me atreveria a destacar a metade. São eles: “O nevoeiro”; “O macaco”; “Nona”; “A balsa”; “O processador de palavras dos deuses”; “A balada do projétil flexível”; “A excursão”; “O caminhão do tio Otto”; “Vovó”; “Tipo de sobrevivente”; “O homem que não apertava mãos”. Os textos elencados naturalmente fazem parte de uma observação pessoal. Outros leitores fatalmente suprimiriam alguns em detrimento de outros, seja em maior ou menor número.
"O Nevoeiro" — Muitos conhecem por conta do filme homônimo de 2007, que é bem fiel ao conto. O texto aposta em uma boa dose de suspense e tem algumas passagens perturbantes, embora se mostre um pouco arrastado durante seu decorrer. Mesmo assim, sem dúvidas é um dos “carros-chefes” da obra.
“O Macaco” — Colocaria no hall dos contos mais horríficos já assinados pelo mestre do terror, sobretudo porque o conflito se desenvolve diante de um aparente “inofensivo” brinquedo. A escrita é envolvente, os personagens cativam. Uma das melhores pedidas para conjurar uma noite de terror, tipo em uma “Sexta-feira 13” ou durante a própria noite ou vésperas do “Halloween”.
"A balsa" — Mais uma história que havia cruzado por conta das adaptações no audiovisual, como um dos enredos de “Creepshow 2”. Isso não altera o fato de ser um conto admirável, dos mais angustiantes, daquele tipo que reclama por nossa atenção constante do começo ao fim. É como se inexplicavelmente passássemos a ser um quinto elemento oculto naquela balsa flutuante, sem um minuto de sossego diante da imponente ameaça. O predador se revela em forma de uma atípica mancha de óleo ou qualquer outra estranha coisa de aparência fuliginosa.
"O processador de palavras dos deuses" — Sem pestanejar, possui presença cativa entre os contos que mais gostei no livro. Tem uma premissa bastante inventiva e seu desenrolar é perspicaz. A história é sobre um computador — o chamado processador do texto — criado de forma artesanal e que permitia tornar existente tudo aquilo digitado nele, assim como também o sentido reverso, sendo possível eliminar algo ou alguém do mundo real. Tudo isso apenas ao passo da digitação de algumas palavras. Altamente engenhoso, certo?
"Nona" — Embora possa parecer um tanto longo em demasia, “Nona” é uma história deveras intrigante com toques sobrenaturais. Um dos atrativos, sem dúvidas, é o retorno a Castle Rock e assim como ocorre em “A Balsa”, a leitura envolve o leitor até que alcance o ponto final.
“Vovó” — Uma história com características singulares. Começa sem dizer muito ao que veio, mas a trama alcança um desenrolar gradativo, com direito a um desfecho estarrecedor, com boas pitadas de terror no ato do desenvolvimento.
“Tripulação de Esqueletos” reúne contos penejados pelo autor ao longo de quase dois decênios. Portanto, vislumbrar a obra representa uma verdadeira incursão por um recorte longínquo, permitindo ruminações meticulosas. Fora isso, a coletânea eclode como um importante limiar para embrenhar o mundo do mestre do terror, pois os escritos no geral, além de uma mostra de seus métodos, conservam ainda seus principais atributos literários.